O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a integrar uma lista de pouco prestígio: a galeria de "predadores da imprensa livre" elaborada pela ONG Repórteres Sem Fronteiras com 37 chefes de Estado.
O líder brasileiro é um dos 17 novos integrantes da compilação, que traz pela primeira vez duas mulheres, Sheikh Hasina, de Bangladesh, e Carrie Lam, de Hong Kong, e um líder da União Europeia, o húngaro Viktor Orbán. A edição anterior da lista havia sido publicada em 2016.
Na ficha de Bolsonaro, a organização descreve o que chamou de "método predatório" – insultos, humilhação e ameaças vulgares – , os alvos preferidos – jornalistas mulheres, analistas políticos e a Rede Globo – e a característica do seu discurso oficial – vulgaridades. O presidente tomou posse em 1º de janeiro de 2019, e a entidade afirma que ele é um "predador" desde que assumiu o cargo.
A ONG traz ainda alguns trechos de falas de Bolsonaro, como quando disse a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, em 6 janeiro, que a imprensa "não é nem lixo, porque lixo é reciclável". No mesmo dia, também afirmou: "Chefe, o Brasil está quebrado, e eu não consigo fazer nada. Queria mexer na tabela do Imposto de Renda, teve esse vírus, potencializado por essa mídia que nós temos. Essa mídia sem caráter".
Outro destaque foi a vez em que o presidente usou palavrões para rebater críticas sobre o gasto de R$ 1,8 bilhão do governo federal em alimentos e bebidas em 2020. "Vai para puta que o pariu. Imprensa de merda essa daí. É para enfiar no rabo de vocês aí, vocês não, vocês da imprensa essa lata de leite condensado", disse Bolsonaro, em 27 de janeiro, em vídeo que circulou nas redes sociais.
Os ataques a jornalistas e interrupções abruptas de entrevistas devido a perguntas incômodas vêm desde o início do mandato. Mais recentemente, o presidente xingou de idiota uma repórter de uma afiliada do SBT e mandou outra, dessa vez de uma afiliada da TV Globo, calar a boca.
Ao lado de Bolsonaro, há outros 36 líderes com diferentes táticas, como Daniel Ortega, da Nicarágua. A ONG afirma que ele, na liderança do país desde 2007, tornou-se predatório em novembro de 2016, desde sua eleição para um terceiro mandato consecutivo. O principal método empregado pelo ditador é o sufocamento econômico e a censura judicial, e os alvos, a família Chamorro e a mídia privada.
Dois integrantes da família, inclusive, estão entre os seis candidatos de oposição detidos no último mês no país. O primeiro foi a jornalista Cristiana Chamorro, em 2 de junho, que agora segue em prisão domiciliar. Seu primo, o economista Juan Sebastián Chamorro, também foi preso.
Já o discurso é classificado de paranoico e exagerado, com destaque à fala de maio de 2020, direcionada à mídia americana e costarriquenha: "Terrorismo de desinformação, dirigido pelos EUA e tomado pelo valor de face pela mídia de muitos países, especialmente a Costa Rica, é brutal, criminoso e xenófobo."
Outro latino-americano a figurar na galeria de predadores com características parecidas às de Ortega é o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela. Seus métodos listados são a censura e a estrangulação econômica deliberadamente orquestrada, que têm como alvo a mídia privada e o jornal El Nacional --que neste ano teve o prédio confiscado pelo regime e foi condenado a pagar indenização milionária.
A descrição de seu discurso oficial também não difere muito: difamação paranoica. O destaque mais recente vai para um trecho de uma fala de fevereiro de 2019. "Muito da guerra da mídia à qual a Venezuela está sujeita é desenhada para garantir que ninguém chegue perto da Venezuela, que ninguém venha investir, apesar de a Venezuela ser o melhor país do mundo para investir."
No rol de ditadores também estão nomes como Aleksandr Lukachenko (Belarus) e Kim Jong-un (Coreia do Norte). Entre as grandes potências mundiais figuram Vladimir Putin (Rússia) e Xi Jinping (China).
O russo é tido como predador desde que assumiu o cargo em 2000 --de lá para cá, foram quatro mandatos presidenciais, além do período como primeiro-ministro de Dmitri Medvedev. Putin usa o método do nacionalismo autoritário contra seu alvo principal, a mídia independente, e a ONG destaca ao menos oito jornalistas russos que estão detidos atualmente e um que morreu na prisão em 2020 por falta de atendimento médico, Aleksandr Tolmashev.
O discurso oficial do presidente russo é classificado como "hipocrisia descarada", e a Repórteres Sem Fronteiras lembra uma fala sua durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em junho deste ano. "Temos tantos canais de notícias, de internet, temos tantas opiniões diferentes e há tantas opiniões críticas na mídia, sobre as autoridades (e sobre mim). Eu não acho que os seus países tenham isso, jornalistas que critiquem o governo tão duramente."
O líder do país asiático, por sua vez, adota como método predatório o que a ONG chamou de "vazio de repressão". "A mídia estatal deve não apenas seguir a liderança do Partido [Comunista Chinês], mas também 'refletir a vontade do partido, resguardar sua autoridade e sua união'", afirma a entidade. "Sob Xi, o assédio a correspondentes internacionais e suas fontes também alcançou novas altas."
O alvo do dirigente é simples: aqueles que saiam da narrativa. E seu discurso oficial é classificado de doutrinação paternalista, expressada em uma fala de fevereiro de 2016, em referência aos jornalistas da CCTV, da agência Xinhua e do jornal People's Daily, todos veículos estatais. "Eles precisam amar o partido, proteger o partido e se alinhar estreitamente à liderança do partido em pensamento, política e ação."
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