BRASÍLIA - Sob pressão da cúpula fardada, do Judiciário e do Legislativo, Jair Bolsonaro modulou seu discurso, afirmou que a "democracia" e a "liberdade" estão acima de tudo e disse que ele é a Constituição, um dia depois de ter participado de manifestação diante do quartel-general do Exército que tinha entre suas bandeiras uma intervenção militar.
A mudança de tom do presidente da República nesta segunda-feira (20) foi seguida por um comunicado oficial, horas depois, do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, defendendo que as Forças Armadas têm como propósito manter a "paz" e a "estabilidade" e são sempre obedientes à Constituição.
A posição faz parte de um esforço iniciado por militares do governo para evitar que o gesto do presidente no domingo (19) crie uma crise institucional. Naquele dia, Bolsonaro discursou a um grupo de apoiadores que pregavam a edição de um novo AI-5, o mais radical ato institucional da ditadura militar (1964-1985).
Em busca de apoio ao governo no Congresso, o presidente fará conversas com partidos, nos próximos dias. Nesta quarta-feira, 22, por exemplo, ele receberá o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB, e, na quinta, o prefeito de Salvador ACM Neto, que comanda o DEM.
Antes da divulgação do comunicado, o ministro da Defesa participou de teleconferência com os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. A presença do presidente no protesto foi avaliada por integrantes do núcleo fardado do Palácio do Planalto como despropositada.
"As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal. O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros", afirmou a nota.
O ministro salientou que "nenhum país" estava preparado para a atual pandemia e que a nova realidade requer adaptação das Forças Armadas para combater um inimigo comum a todos: "O coronavírus e suas consequências sociais".
No domingo, de acordo com assessores palacianos, o presidente da República foi aconselhado a não comparecer à manifestação, o que ignorou.
Após o protesto, ele se reuniu com ministros militares. Segundo relatos feitos à reportagem, recebeu a avaliação de que a sua presença poderia ter sido evitada e acabou acirrando ânimos no país, sobretudo no momento em que se exige esforço conjunto no combate à crise sanitária diante do coronavírus.
Nesta segunda-feira, Bolsonaro seguiu o conselho da cúpula fardada e modulou seu discurso público. Em frente ao Palácio da Alvorada, pela manhã, ressaltou que, no que depender dele, "democracia" e "liberdade" estão acima de tudo.
"O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República", disse. "Eu sou, realmente, a Constituição", acrescentou.
Em uma breve entrevista, o presidente se mostrou bastante incomodado com as críticas que recebeu por participar da manifestação e disse que, durante o protesto, não atacou nem o Judiciário nem o Legislativo.
"Peguem o meu discurso. Não falei nada contra qualquer outro poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso", disse. "É isso, mais nada. Fora isso é invencionice, tentativa de incendiar a nação que ainda está dentro da normalidade", emendou.
Além da defesa de um novo AI-5, o ato que permitiu o fechamento do Congresso Nacional durante a ditadura militar, a manifestação do domingo levantava bandeiras contra o Legislativo e o Judiciário.
Ainda na noite da manifestação, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, falou ao telefone com os ministros e generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Fernando Azevedo, que já foi assessor do magistrado.
Toffoli se queixou da ambiguidade das declarações de Bolsonaro. Para ele, o presidente ora defende as instituições democráticas ora apoia atos favoráveis à ditadura. Segundo assessores presidenciais, o comunicado emitido por Azevedo teve como objetivo responder a essa dúvida e pacificar a relação entre os Poderes.
O presidente do STF, em mais de uma oportunidade, atuou para apaziguar os ânimos entre Bolsonaro e a cúpula da Câmara e do Senado.
Nesta segunda-feira, por exemplo, Toffoli fez questão de exaltar as seis entidades que assinaram o "Pacto pela vida e pelo Brasil" e emitiu uma nota circular para todos os ministros para informar que recebeu o documento.
"É valoroso lembrar, neste momento, da importância que essas seis instituições da sociedade civil tiveram na redemocratização do país, no processo constituinte que sintetizou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil", escreveu.
Além da OAB e da CNBB, também participam do movimento a Comissão Arns (Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns), ABC (Academia Brasileira de Ciências), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
Ao longo do dia, ministros militares entraram em contato com líderes partidários para esclarecer que, apesar de Bolsonaro ter comparecido ao protesto, ele não havia defendido o AI-5 ou adotado um discurso contrário ao Congresso.
Na porta do Alvorada, após o conselho dos militares, o presidente deu um pito em um apoiador que pediu que ele fechasse o Supremo. "Esquece essa conversa de fechar. Aqui não tem fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia."
Apesar do discurso favorável à democracia, Bolsonaro voltou a atacar os veículos de imprensa. Ele disse que só ele falaria e estava dispensado quem não quisesse ouvi-lo.
"O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, a mesma manchete. Combinados", disse. "Tentando levar a opinião pública para o lado de que eu quero o retrocesso?", questionou.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, saiu em defesa do presidente. Afirmou que Bolsonaro é "democrata". E que a democracia "faz barulho". Segundo ele, se tiver uma passeata com bandeira do Brasil, o presidente participa dela.
O discurso de Bolsonaro no domingo, no qual disse "chega de velha política" e afirmou que "nós não queremos negociar nada", ocorreu num momento em que o governo, nos bastidores, avança com ofertas de cargos a partidos do chamado centrão, em ofensiva para isolar cada vez mais o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e formar uma base que lhe garanta vitórias no Parlamento.
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