BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro (PL) não tem direito de impedir alguém de filmá-lo em um local público, segundo advogados consultados pela reportagem. Eles dizem que, em tese, o presidente pode até ser processado por ter agarrado pela camiseta e tentado tirar o celular da mão do youtuber Wilker Leão.
Nesta quinta-feira (18), Bolsonaro se envolveu numa confusão na saída do Palácio da Alvorada. Após ser chamado de "tchutchuca do centrão", "safado" e "covarde" por Wilker, o presidente foi até o youtuber e tentou impedi-lo de seguir a filmagem.
Nesse momento, integrantes da segurança do presidente afastaram Wilker de Bolsonaro e de seus apoiadores. O chefe do Executivo, então, pediu às pessoas que estavam próximas que não filmassem a situação. "Filma não, filma não." As imagens foram registradas pela TV Globo.
Advogados, porém, afirmam que o mandatário não tem o direito de impedir que seja filmado em um espaço público. Além disso, pode ser processado por danos morais ou lesão corporal leve, caso o youtuber alegue que foi machucado por Bolsonaro ou por seus seguranças durante a confusão.
O doutor em direito e professor da PUC-SP (Pontifício Universidade Católica de São Paulo) Luiz Guilherme Conci diz que, para analisar juridicamente a situação, é necessário levar em consideração a pessoa que está envolvida.
"Quando vemos situações como essa, é necessário verificar quem é o destinatário da tentativa de gravação. Estamos falando de alguém que tem que ter vida pública aberta."
Ele critica o comportamento de Bolsonaro: "Não estamos falando de situação onde a pessoa está na sua casa em momento familiar, que a gente poderia discutir limites da proteção da privacidade. Mas na rua uma pessoa pública não se sujeitar a uma filmagem é algo que já não surpreende, porque fomos nos acostumando com essas manifestações fragmentadas e antidemocráticas."
O professor afirma que Bolsonaro poderia eventualmente alegar desacato à autoridade cometido pelo youtuber. Mesmo assim, ele acredita que a empreitada não iria prosperar no Judiciário.
"É uma manifestação dura, mas feita em cenário aberto, onde há muitas pessoas, toda uma pressão. Não vejo desacato, vejo destempero por parte de alguém que, em função do cargo que ostenta, tem que estar sujeito a ser escrutinado o tempo todo pelo povo", diz.
O professor de direito público do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) Antonio Rodrigo Machado classifica o episódio como "inusitado". "Não me recordo de um presidente no exercício da função que tenha partido para contato físico violento como fez Bolsonaro."
Ele afirma que Wilker pode até acionar o mandatário na Justiça. "O youtuber, entendendo que houve lesão a ele, pode tanto buscar reparação pela via indenizatória da Justiça cível como pode também, se ficar caracterizado -o que não tenho como antecipar julgamento-, acionar o presidente para que ele responda pelo crime de lesão corporal leve", afirma.
"Ele pode entrar com uma ação indenizatória por danos morais. O Judiciário iria analisar se a reação do presidente foi proporcional ou não à atitude do youtuber. O que o presidente fez foi apenas repelir agressões? Ou o que ele fez foi algo desproporcional? A tentativa de tomar o celular seria para quê? Destruir o celular? São questões que carecem de maior investigação", afirma.
O professor também diz acreditar que não caberia o presidente processar Wilker porque teria tido a honra atingida ao ser chamado de "safado" e "tchutchuca do centrão".
"Muitas vezes uma crítica mais ácida que faço a pessoa comum da sociedade pode configurar crime contra a honra, mas não é o mesmo caso de as mesmas palavras serem usadas contra políticas. A jurisprudência entende que quem se coloca em função pública está sujeito a uma crítica um tanto quanto mais forte."
Depois da confusão, Wilker voltou para próximo de Bolsonaro e os dois conversam de forma mais tranquila. O presidente disse que ele poderia filmar. Então, o youtuber o questionou sobre delação premiada, armas e emendas de relator.
"Não posso ser um presidente 100%, vai desagradar um ou outro em alguma outra coisa, vai desagradar", respondeu Bolsonaro.
Bolsonaro se defendeu de sua aliança com o centrão, criticada pelo youtuber. Ele disse que, para governar, precisa do apoio do grupo político, que agrega cerca de 300 dos 513 deputados federais.
"Todo partido tem pessoas que devem alguma coisa, ou acha que o PT não tem?", questionou Bolsonaro.
Enquanto os dois conversaram, apoiadores se queixaram do youtuber. Pediam que parasse, para que pudessem fazer selfies, e o chamaram de "inconveniente". Logo depois, Bolsonaro encerrou a conversa e foi embora.
Wilker já esteve no Palácio da Alvorada entre apoiadores do presidente há cerca de um mês. Na ocasião, fez um vídeo no qual questionou a reunião do chefe do Executivo com embaixadores para desacreditar as urnas eletrônicas.
Em seu canal do YouTube, ele se apresenta como advogado e cabo do Exército e diz tratar de "temas polêmicos e relevantes acerca do militarismo, do direito e da política".
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