Numa tentativa de responsabilizar outros países pela extração ilegal de madeira no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta quinta-feira (12), que os compradores internacionais de madeira têm feito "vista grossa" para o material que adquirem no Brasil, enquanto ele acaba levando a fama de ser o responsável pelo desmatamento irregular.
"Vamos parar de falar que o Bolsonaro é o desmatador. Ele é o inimigo do meio ambiente", disse o presidente, em sua live divulgada por meio de redes sociais. "Pra você aí que muitas vezes critica o governo na questão ambiental. Presta atenção. Quando se fala em madeira no Brasil... 'Ah, o Brasil desmata, o Bolsonaro desmata, o Bolsonaro, o capitão motosserra desmata.'"
Embora não explicitamente, o presidente fez menção ao Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor). Lançado em 2017, esse recurso tecnológico permite que se rastreie toda a cadeia produtiva da madeira, desde a sua extração na floresta até a chegada nas serrarias. Isso traz mais transparência ao processo e melhora o trabalho de fiscalização dos agentes que vão a campo. É possível saber, por exemplo, se a madeira que determinado país está comprando de um local foi, de fato, produzida na região que consta naquele documento, dado o volume de cada espécie mencionada na compra, por exemplo.
"O que a Polícia Federal tá fazendo? Chega em um porto onde a madeira legal tá sendo exportada. Dado o DNA, a Polícia Federal sabe de onde veio aquela madeira, se veio de uma área que é uma reserva indígena, ou que não pode fazer a derrubada de árvores pra exportar de forma legal, a PF descobre: 'Olha, essa madeira aqui a nota é quente, mas veio de uma área ilegal, não vai ser transportada'", disse Bolsonaro, exibindo uma caixa com bolachas de madeira enviada pela PF. "Em cima do DNA, nós sabemos cada madeira, para que país foi. Essa daqui, por exemplo. Vai para a França, Bélgica, Inglaterra, Portugal, Dinamarca e Itália. E assim, cada bolacha aqui, está descoberto pra onde vai a madeira."
Bolsonaro disse que, agora que foi "tudo documentado", vai mostrar que "esses países que nos criticam são, na verdade, os receptadores".
"Daí você pode falar: Ah, mas a nota fiscal é legal. Os caras sabem que não é legal. Os caras sabem. Agora, quando interessa pra eles, fazem vista grossa. Nunca procuraram saber se estava vindo de lugar permitido ou não. E sempre nos criticam. Então vamos botar um ponto final na exportação de madeira com DNA definido pela Polícia Federal para países, sejam quais forem eles", disse.
O mercado brasileiro de madeira é, historicamente, marcado pela ilegalidade. Não há números precisos sobre a dimensão das atividades criminosas no setor, mas estima-se que até 90% das madeiras que vão para fora do País são fruto de extração irregular. O ipê, chamado de o novo "ouro da floresta", é a madeira mais cobiçada. Dentro daquilo que o Brasil consegue rastrear como operações legais no comércio de madeira, os dados apontam que 90% das derrubadas abastecem o mercado nacional, enquanto os demais 10% seguem para o exterior. Os Estados Unidos compram mais da metade do que o Brasil exporta atualmente, seguidos dos países europeus.
Segundo Bolsonaro, a ordem é verificar não só a regularidade da nota fiscal, mas o destino apontado como origem da madeira. "O contrato existe, mas não tem tanta madeira pra ser exportada assim? Não vai ser exportada. E esse país aí agora vai ter que se conscientizar, colaborando conosco, para que a madeira retirada de uma área onde não é permitido o desmatamento. Ele está ajudando a não desmatar qualquer região do Brasil. Tá explicado?", comentou.
A pecha antiambiental nunca incomodou Bolsonaro. Pelo contrário. O presidente sempre fez questão de criticar a defesa ao meio ambiente, venha esta das ONGs (organizações não governamentais), órgãos públicos, setor privado ou demais entidades da sociedade civil. A pressão para que o governo mude sua postura, no entanto, testa seus limites neste momento, com a eleição de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, que já deixou clara a sua preocupação com a Amazônia e a possibilidade de até impor sanções comerciais ao Brasil, caso o governo não mude de postura.
Bolsonaro não deu sinais, por enquanto, de que pretenda rever o que pensa sobre o assunto. O que o presidente disse nesta quinta-feira, 12, sobre a fiscalização de madeira pode até indicar alguma preocupação com o meio ambiente, mas está longe do que o governo pretende, de fato, fazer com a madeira nacional.
Há exatamente um ano, reportagem do Estadão revelou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tinha um plano pronto nas mãos para transformar o Brasil em um exportador de troncos de árvores nativas da Amazônia, vendendo madeira in natura, ou seja, sem nenhum tipo de beneficiamento, para outros países. Esse tipo de atividade, hoje, é ilegal. O governo, no entanto, queria abrir espaço para esse tipo de exportação. Quando o plano veio à tona, as principais organizações socioambientais que atuam no País repudiaram a proposta do governo.
O desmatamento segue em ritmo avançado na Amazônia, onde estão as madeiras mais cobiçadas. Em outubro, a região perdeu 836,23 km?, alta de 50,6% em relação ao mesmo mês no ano passado, de acordo com dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É o maior valor para o mês da série histórica, iniciada em 2015. Além da alta no desmatamento, outubro também teve o maior número de queimadas dos últimos cinco anos. Foram 17.326 focos no mês passado, ante 7.855 em outubro de 2019. Foi uma alta de 120%, mas vale a ressalva de que outubro do ano passado teve o menor valor do registro histórico.
No ano, a queda é pouco significativa. Desde 1º de janeiro até 30 de outubro, o sistema Deter indicou a devastação de 7.899 km?. No mesmo período do ano passado, a perda foi de 8.425 km?, uma redução de apenas 6%. O maior valor dos últimos anos para esse período até então tinha sido em 2016, de 5.648 km?.
Bolsonaro achou tempo ainda para dar mais uma de suas estocadas de conteúdo homofóbico. Sem citar nomes, dirigiu insinuações a um político de São Paulo, para dizer que não teria a "espontaneidade" que ele tem. "Fiquei sabendo, um tempo atrás aí, é de São Paulo o cara, tá. O colega disse pra mim que ele quis dar uma de popular e foi em uma pastelaria pra morder um pastel. Mordeu uns cinquenta pastéis. Não deu certo. Não teve jeito. Agora, se fosse pra morder um pirulito, ele morderia numa boa ali, sem problema nenhum. Daí ia bater palma", afirmou.
Em tom agressivo, o presidente também criticou professores e a orientação sexual de crianças. "Se ficar relaxando, agora, ficar no ai, não sei se vou ser menino ou menina. Pô, você vai ser um desgraçado no futuro, pô! Vai ser um desgraçado, não vai ser pipoca nenhuma no futuro", disse.
Bolsonaro defendeu "puxão de orelha" para aprender e disse que professor que usa saia tem que ir "para a ponta da praia". "A gente vê uma fotografia de um colégio aí, o professor de saia. O barbadão de saia. Vá pra ponta da praia, pô."
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta