A caveira de burro, figura extraída da mitologia do futebol que indica um lugar onde tudo dá errado, é o símbolo máximo da política do estado do Rio de Janeiro.
Dos 8 governadores que o estado elegeu desde que voltou a fazer isso, em 1982, 6 estão vivos. Todos foram implicados em algum esquema de corrupção, 5 foram presos em algum momento e 1, Sérgio Cabral, está na cadeia condenado a uma pena de quase 300 anos.
Agora foi a vez de Wilson Witzel (PSC), talvez o mais exótico exemplar em termos de trajetória política a frequentar o assombrado Palácio Laranjeiras, sob o qual parece enterrado o proverbial crânio muar.
Seu afastamento, somado ao processo de impeachment que sofre na Assembleia Legislativa, parece ser o prego no caixão da meteórica carreira política desse ex-juiz, eleito no tsunami conservador-bolsonarista de 2018.
O patrono da turma, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tem motivos para celebrar a queda em desgraça do antigo apoiador. Ao longo de 2019 e, principalmente, com a ascensão da realidade pandêmica, Witzel buscou afastar-se do Planalto com tom ácido.
Figura dada a extravagâncias, além de inventar uma "faixa presidencial" estadual que gostava de envergar, Witzel se proclamou candidato ao posto de Bolsonaro em 2022. Talvez realmente acreditasse que sua retórica agressiva de combate violento ao crime no Rio e imagem de rigidez moral fossem um trampolim.
Se o fez, errou feio. A política do "mirar na cabecinha" de gente armada resultou em crianças mortas por balas perdidas. Já a moralidade propalada se desfez a partir de maio, quando seu governo foi alvo da Operação Placebo --não por acaso, quando submergiu seu tom crítico ao presidente.
Naquele momento, a recente intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal do Rio e o papel do órgão na construção do caso contra Witzel tornavam a hipótese de mero direcionamento contra adversários do Planalto mais do que plausível.
A ação policial espalhafatosa foi um ato de intimidação de governadores opositores, no auge da disputa com Bolsonaro com os estados sobre a condução do combate à Covid-19.
Isso obviamente não tornava Witzel inimputável ou inocente. Assim, passado o tempo e assentadas as apurações, os indícios contra o governador ganharam peso e se tornaram um nó dificílimo de desatar agora.
Witzel é o mais vistoso dos desconhecidos eleitos no vagalhão bolsonarista de 2018 com problemas. Enfrentam problemas outros nomes catapultados do nada para o governo, como o Comandante Moisés (PSL-SC). Outros gerem caos administrativos, como Romeu Zema (Novo-MG).
Esses fracassos reforçam a impressão que se tem, nos meios políticos, que arranjos mais tradicionais poderão triunfar no pleito municipal deste ano. A aposta em governantes salvacionistas, sem experiência prévia, era parte da antipolítica inspirada pela Lava Jato.
Isso pode ter perdido a força e alimenta uma concertação na praça dos Três Poderes contrária ao espírito lava-jatista. Com efeito institucional algo seletivo, como se vê, dado que é o mesmo impulso que chegou às acusações contra Witzel.
Uma incógnita nessa equação chama-se Sergio Moro, que calcula como poderá entrar no jogo sucessório. Se ele teve um estágio como ministro de Bolsonaro e não pulou na política eleitoral de cara, como Witzel, sua associação com o espírito moralista da Lava Jato é seu grande ativo.
Como tudo isso evoluirá até 2022 é outra história. Para Bolsonaro, que preside sobre uma balbúrdia em forma de governo, há ainda a sombra das investigações do caso Fabrício Queiroz. Sua celebração nesta manhã certamente merece uma boa dose de moderação.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta