Principal nome do PDT, o ex-ministro Ciro Gomes, 62, diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) prepara uma milícia armada para se manter no poder e que o ex-presidente Lula (PT) só se movimenta se ele próprio for a estrela central.
Em entrevista à reportagem, o ex-presidenciável defende o impeachment de Bolsonaro e afirma que "a parte jurídica está dada, mas a política ainda não". Ele faz coro com seu partido ao desestimular protestos de rua agora, durante a pandemia. "Mas a hora chegará."
Ciro está lançando o livro "Projeto Nacional: O Dever da Esperança" (ed. LeYa Brasil, 274 págs., R$ 49,90), no qual expõe e analisa algumas das propostas que levou ao eleitorado em 2018. Ele ficou em terceiro lugar, com 12,4% dos votos válidos.
De casa, em Fortaleza (CE), ele tem feito lives (transmissões ao vivo na internet), dado entrevistas a jornalistas e influenciadores digitais e postado em redes sociais durante a quarentena. Falou com a reportagem por telefone, na quarta-feira (10).
Tenho respeito e gratidão por aqueles que se propõem a correr o risco de se contaminar e de ser ferido por uma parte da polícia arbitrária que está a serviço do bolsonarismo. Mas, como homem público, tenho responsabilidade. Não está na hora de ir para a rua, mas a hora chegará.
Tudo o que o Bolsonaro quer é distrair a opinião pública da pandemia e do desastre econômico sem precedentes. Ele pretende criar um campo de batalha, para coesionar a turma radical que o segue. Criar um caos para que amanhã a classe média, que hoje é crítica a ele, comece a se assustar e peça ordem.
Ali por agosto ou setembro, vamos precisar todo mundo ir para a rua. Agora, o povo, desorientado por esse debate absolutamente irresponsável feito pelo Bolsonaro, precisa fazer isolamento social. As fotografias do contágio são assustadoras. Estou apavorado.
É uma irresponsabilidade genocida, do senhor [João] Doria, do senhor [Wilson] Witzel. Fizeram inclusive a retórica do isolamento social, politizando também o debate com Bolsonaro, e se equalizaram com ele.
Na minha opinião, essa é a saída que a democracia brasileira infelizmente terá que tentar mais uma vez. Impeachment não é remédio para governo ruim, é punição para presidente criminoso. As condições jurídicas estão evidenciadas nas representações do PDT e de outros partidos. Há crime de responsabilidade quando ele atenta contra o regular funcionamento das instituições, confronta a autonomia da federação, aparelha órgãos públicos.
A parte jurídica está dada, mas a política ainda não. Bolsonaro ainda conta com apoio de parte da população, o que não nos permite ter ilusão de que o Congresso dará os votos. Por isso, ir para a rua será fundamental. Por enquanto, temos que fazer militância virtual.
É fundamental que a sociedade civil brasileira se liberte, faça esse exercício sem estar sendo cobrada de estar alinhada a este ou àquele grupo. No período recente em que a esquerda esteve no poder, tudo o que era expressão organizada da sociedade foi cooptado. Mas eu elogiei e estimulei [os manifestos], a campanha Somos 70%.
O Fernando Henrique, não. Ele é um ex-presidente da República que empresta peso e prestígio.
Já o Haddad está numa situação delicada, porque assinou e no dia seguinte o Lula disse que não será "maria vai com as outras". O Lula cuida de destruir qualquer possibilidade de o Haddad adquirir uma personalidade política necessária para liderar uma nação. É um desastre.
Isso é uma bobagem. O que explica o Lula é que, se ele não for a estrela central, nada presta. Nós já perdoamos essas baboseiras do Lula a vida inteira. Isso encheu. Nunca mais.
Ele falou também que não vai assinar um papel já assinado por gente que pecou pelo golpe [impeachment de Dilma Rousseff]. Ora, o Lula se esqueceu que naquela caravana ele estava com [os senadores] Renan Calheiros e Eunício Oliveira? Não foi o Senado que fez o impeachment?
Na construção da democracia brasileira, pessoas com diferenças políticas irreconciliáveis foram capazes de deixar as discordâncias para a hora própria e construir consenso, o que fez a roda da história andar. O que o Lula está fazendo agora é atrapalhar a roda da história.
Para o lulopetismo, é preciso que o Brasil sangre e pague o preço de não ter descido em Curitiba, destruído a Polícia Federal e tirado o Lula de lá e levado ele incensado para o poder. O Lula se corrompeu e está destruindo o PT.
Produzirão um efeito prático, mas não são uma bala de prata. A política é sofisticada. O que vai acontecer é um processo muito lento de desconstrução da base social de Bolsonaro.
Enfrentamos no Ceará o passo seguinte do que vai acontecer no Brasil, que é a milícia armada. Jovens violentos, mascarados, armados, botaram os seus comandos para correr de dentro dos quartéis. Saíram nas viaturas atirando para cima, mandando fechar comércio e escola. E deram dois tiros no peito de um senador da República [Cid Gomes, irmão de Ciro, que avançou com uma retroescavadeira contra o portão de um quartel].
O risco é real e iminente. Estou vendo um cenário de distopia ali por setembro, com uma mistura do saldo de cadáveres e da implosão da economia. Nós estaremos ocupando as ruas pelo impeachment. E o Bolsonaro está preparando essa milícia.
Ele revogou as portarias de rastreamento de armas e munições pelo Exército. O filho dele está fazendo lobby desgovernado para atrair uma fábrica de armas [parceria com uma marca americana]. Bolsonaro confessou que tem um serviço de informações particular. Ele está facilitando a importação, sem tributos, de fuzil. Isso não é para armar o povo, é para armar a milícia dele. Isso está sendo sistematizado.
Quando eles deflagraram aquilo no Ceará, havia 12 estados engatilhados para fazer o mesmo. Nós sabíamos que nossa tarefa era por nós e pelo Brasil. Unimos todos os poderes e tomamos uma série de providências. O combate tem que ser federal. Precisamos transformar, na Constituição, o crime de motim em crime federal e estabelecer os procedimentos de investigação e julgamento.
Divididas. Acho que a estrutura de comando está vendo essa aberração.
Isso é um mecanismo que o PT utilizou ao longo dos últimos 30 anos para matar o trabalhismo do Brizola, abafar o socialismo do Arraes, destruir o PC do B e, agora, atingir o PSOL.
Eles não tiram nenhuma lição do fato de que uma população que votou em massa no PT nos últimos anos tenha eleito Bolsonaro, um picareta, politiqueiro, ligado à milícia, que nunca produziu nada de útil?
Virou todo mundo fascista, manipulado, gado, como eles chamam? O PT sustenta essa narrativa que não guarda conexão com a vida real. O Brasil viu a crise econômica da Dilma, mas o PT não faz a autocrítica por nada. Então vai ter que ouvir a crítica. Se quiser ouvir respeitosamente, vai ouvir. Se não quiser, vai na canela.
Passa pela percepção das urgências. E hoje há três urgências, no psicológico popular, que pedem unidade máxima: a de enfrentar o genocídio, a de proteger empregos que estão sendo destruídos aos milhões e a de assegurar as liberdades da democracia.
Tenho uma formação de esquerda moderada, esquerda democrática. O projeto que eu advogo reúne o centro político com a esquerda democrática.
Esse é um dos cenários. Agora, eu acho que até lá o Sergio Moro estará carbonizado. A centralidade da 'monoagenda' do Moro está sumindo.
A corrupção não terá mais centralidade na vida do povo. Será emprego, educação, saúde pública. Moro está sendo testado por todo o mainstream brasileiro, assim como o Doria e o [Luciano] Huck. Vamos ver qual deles vai dar no couro. Mas eles não rivalizam conosco. Rivalizam entre si.
Quem fala isso é o lulopetismo bandido. No primeiro turno, todas as pesquisas já indicavam que a força dominante no país era o antipetismo. Aí vai o Lula e mente dizendo que é candidato, quando o que se tinha que fazer era produzir uma alternativa.
Números não mentem jamais. Se todos os meus votos fossem para o Haddad, ainda assim seriam insuficientes para ele vencer. Eles [petistas] queriam que eu fizesse campanha para afundar junto com eles. O que eu fiz, com o meu partido, foi declarar apoio crítico e não participar da campanha.
O que vivemos hoje é o fundo do poço. O Bolsonaro é a última consequência do esgarçamento estratégico da nação, com a explosão de miséria, de desigualdade, de informalidade inédita e de absoluta falta de perspectiva para todos, especialmente para os jovens.
Não, nada. Qual é o projeto de educação? De defesa? De infraestrutura? De distribuição de renda?
Ciro Ferreira Gomes, 62
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