O presidente Jair Bolsonaro comunicou a Fabricio Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), a intenção de demitir uma funcionária do gabinete de seu filho vereador Carlos Bolsonaro (PSC). O objetivo seria desvinculá-la da família. Queiroz e Flávio são alvos do Ministério Público do Rio.
O suposto recado de Bolsonaro a Queiroz consta de gravação do ex-policial aposentado obtida pelo jornal Folha de S.Paulo. Nela, Queiroz comenta a situação de Cileide Barbosa Mendes, 43, doméstica da família Bolsonaro e "laranja" na empresa do ex-marido de Ana Cristina Valle -Ana é ex-mulher do presidente.
"Na época, o Jair falou para mim que ele ia exonerar a Cileide porque a reportagem estava indo direto lá na rua e para não vincular ela ao gabinete. Aí ele falou: 'Vou ter que exonerar ela assim mesmo'. Ele exonerou e depois não arrumou nada para ela não? Ela continua na casa em Bento Ribeiro?", diz o ex-assessor no áudio, gravado em março deste ano.
A gravação não esclarece quando ocorreu a mencionada conversa entre o presidente e Queiroz. Jair e Flávio Bolsonaro afirmam que não conversam com o ex-assessor desde o final do ano passado, quando veio à tona o relatório no qual o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) revela uma movimentação financeira atípica nas contas de Queiroz.
O áudio foi enviado pelo ex-assessor a um interlocutor não identificado, por meio do WhatsApp. A fonte que repassou as gravações à Folha de S.Paulo pediu para não ter o nome divulgado.
A gravação mostra que Jair Bolsonaro administrava as nomeações e exonerações não só de seu gabinete como de seus filhos.
O áudio também indica que, preocupado com a imprensa, o presidente queria se desvincular da funcionária, que acabou sendo demitida em janeiro deste ano. Cileide morava na casa em Bento Ribeiro, zona norte do Rio, onde até o ano passado funcionava o escritório político de Bolsonaro.
Como revelou a Folha de S.Paulo em maio, Carlos Bolsonaro manteve a "faz-tudo" em seu gabinete por 18 anos. A relação de Cileide com a família é antiga. Nos anos 1990, ela era responsável pelos afazeres domésticos na casa da ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, e do ex-marido dela, o militar Ivan Ferreira Mendes. Uma das funções era cuidar do filho do casal.
Em janeiro de 2001, após Carlos Bolsonaro ser eleito vereador, Cileide foi nomeada em seu gabinete. No início de 2019, Carlos fez uma limpeza e exonerou nove funcionários, entre eles a ex-babá, que ganhava R$ 7.483.
Procurado pela Folha de S.Paulo em maio, o chefe de gabinete do vereador, Jorge Luiz Fernandes, já tinha dito que a exoneração de Cileide havia sido um pedido de Jair Bolsonaro. Segundo ele, a assessora foi demitida por ter completado sua formação educacional e passado a atuar como instrumentadora cirúrgica.
De acordo com Fernandes, Bolsonaro exonerou Cileide para evitar suspeitas de que a funcionária não estivesse, de fato, trabalhando para o filho. Segundo o chefe de gabinete, Bolsonaro solicitou a mudança para não dizerem que a ex-babá não estaria cumprindo expediente.
Jorge Fernandes disse que Cileide trabalhava formalmente para o vereador, mas, na prática, cuidava da casa onde funcionava o escritório do pai (e onde morava) e entregava correspondências.
Depois, de acordo com ele, a ex-funcionária passou a coordenar o trabalho realizado por lá, que consistia, por exemplo, em atender telefonemas da base eleitoral de Bolsonaro.
Apesar do relato de evolução na função, diários da Câmara Municipal mostram que o salário de Cileide diminuiu. Ela ingressou em 2001 como assessora especial, cargo que hoje corresponde a uma remuneração de R$ 15.231, e saiu em 2019 com um salário de R$ 7.483.
Após ser demitida, Cileide continuou morando na casa em Bento Ribeiro. Hoje, o local é ocupado por parte da equipe de Carlos.
Desde 2009, primeiro ano em que os deputados tiveram que prestar contas da cota parlamentar, Bolsonaro pagou com dinheiro público contas de luz e água da casa. A cota é destinada a custear gastos exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar.
Enquanto esteve lotada no gabinete de Carlos, Cileide também foi laranja de Ivan Mendes, ex-marido de Ana Cristina, em empresas de telecomunicação até 2007.
O militar, que hoje está reformado, afirmou à Folha de S.Paulo que não considera o termo "laranja" adequado, mas admitiu que ela "emprestou o nome" para ele, que não podia assumir formalmente a direção das empresas porque estava na ativa. Com isso, Cileide assinava em seu lugar. Ela utilizou o endereço do escritório de Bolsonaro para abrir as três empresas.
A ex-babá não foi a única funcionária-fantasma de Carlos Bolsonaro. Em abril, a Folha de S.Paulo revelou que o vereador empregou até janeiro uma idosa que mora em Magé, município a 50 km do centro do Rio. Nadir Barbosa Goes, 70, negou à Folha de S.Paulo que tenha trabalhado para o vereador.
No mês passado, o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu dois procedimentos para investigar o filho do presidente pela suspeita do uso de funcionários fantasmas e da prática de "rachadinha" -quando o servidor devolve parte do salário para o parlamentar.
A Procuradoria também investiga Queiroz e Flávio Bolsonaro. Os promotores do Gaecc (Grupo de Atuação ao Combate à Corrupção) apuram possíveis práticas de lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa no gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro no período em que foi deputado estadual.
O procedimento foi aberto após o Coaf identificar uma movimentação de R$ 1,2 milhão nas contas do ex-assessor entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
Na quarta-feira (24), o jornal O Globo divulgou uma gravação em que o ex-assessor fala sobre cargos que poderiam ser ocupados no Congresso.
"Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara, no Senado... Pode indicar para qualquer comissão, alguma coisa, sem vincular a eles [família Bolsonaro] em nada. Vinte continho pra gente caía bem, pra c..., caía bem pra c... Não precisa vincular a um nome", disse Queiroz, em gravação de abril.
O presidente Jair Bolsonaro classificou a gravação como "áudio bobo". Ele também afirmou que não tem ciência sobre as atividades do amigo: "O Queiroz cuida da vida dele, eu cuido da minha".
Posteriormente, a Folha de S.Paulo teve acesso a esse áudio e conseguiu outras gravações.
Em nota, o advogado de Queiroz, Paulo Klein, disse que para esclarecer questões a respeito do áudio em que Queiroz pergunta sobre Cileide é preciso ter acesso à integralidade das conversas.
"A transcrição parcial e clandestina retira o contexto em que as questões foram colocadas. Poderá induzir o público em erro, fazendo com que a convicção deste se forme através de frases soltas e sem a devida contextualização", escreveu.
Procurado, o Planalto disse que não comentará os áudios. O chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge Fernandes, não respondeu ao contato da reportagem.
- Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?
- Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou esta versão de Queiroz?
- Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?
- Se Flávio possui apenas uma empresa que foi aberta em seu nome, em 2015, como ele obteve R$ 4,2 milhões para comprar dois imóveis de 2012 a 2014?
- Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
- De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?
- Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?
- Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?
Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu.
Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar.
Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados.
Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo.
Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.
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