Os relatórios que o Exército produz sobre as urnas eletrônicas, usados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para contestar a lisura do processo eleitoral deste ano, são compartilhados com a cúpula do Ministério da Defesa por um integrante do Alto Comando da Força. O mesmo general foi chamado para uma reunião com Bolsonaro, ocasião em que as eleições foram discutidas.
O compartilhamento de dados que acabam municiando a ofensiva de Bolsonaro é feito pelo general de Exército Guido Amin Naves, que comanda o DCT (Departamento de Ciência e Tecnologia), no QG da Força em Brasília. Interlocutores de Amin descrevem-no como reservado e dizem que o general tratou com seriedade e sigilo o trabalho compartilhado com a cúpula do Ministério da Defesa. E que acabou envolvido na ofensiva de Bolsonaro de politizar a participação dos militares no processo eleitoral.
Ao DCT está vinculado o Comando de Defesa Cibernética, unidade do Exército responsável pela produção dos documentos que acabam, numa etapa final, sendo usados por Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral.
O comandante de Defesa Cibernética é o general de Divisão Heber Garcia Portella, o responsável por formular questionamentos e sugestões na comissão de transparência das eleições montada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os pontos levantados por Portella dialogam com as contestações habitualmente feitas pelo presidente sobre o processo eleitoral.
Amin é um general quatro estrelas na ativa. Por ter a mais alta patente, e por seguir na ativa, integra o Alto Comando do Exército, o colegiado que assessora o comandante na tomada de decisões. Portella, por sua vez, é um general três estrelas. Integrantes do Ministério da Defesa afirmam, sob condição de anonimato, que não cabe a ele participar de reuniões que envolvem as cúpulas militares.
Por isso, esse papel é desempenhado por Amin. O chefe da Defesa Cibernética não se encontra com Bolsonaro, segundo militares que atuam no Ministério da Defesa.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, Portella foi a escolha do então ministro da Defesa Walter Braga Netto para o posto no TSE. Quando o convite foi feito às Forças Armadas, a corte eleitoral esperava que um almirante da Marinha especializado em tecnologia da informação fosse o nome indicado para integrar a comissão de transparência das eleições.
O almirante era visto no TSE como uma referência na área e chegou a ser convidado pelo ministro para integrar o colegiado. No entanto, Braga Netto enviou a indicação do nome de Portella ao tribunal. Também filiado ao PL, Braga Netto é hoje o principal cotado para ser vice de Bolsonaro na campanha pela reeleição.
Na última terça-feira (3), uma reunião no Ministério da Defesa envolveu Bolsonaro, o ministro, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, os comandantes das três Forças Armadas, o general Laerte de Souza, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças (um cargo de confiança na Defesa), Braga Netto e Amin. A reunião não aparecia inicialmente na agenda do comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. Depois, a agenda foi atualizada, com informação sobre o almoço no ministério.
O encontro tratou de eleições, e o Ministério da Defesa divulgou uma foto da reunião em suas redes sociais. Na legenda, escreveu apenas que "foram discutidos assuntos de interesse da defesa nacional".
Integrantes da Defesa partem do pressuposto de que há problemas na segurança do processo eleitoral, o que vem alimentando os discursos e ofensivas golpistas de Bolsonaro. Segundo esses integrantes, os problemas são técnicos e podem ser corrigidos a tempo das eleições.
O ministro da Defesa não deseja a ruptura entre os Poderes, por saber das consequências disso ao país, e vem agindo como conciliador, segundo esses integrantes da pasta, que admitem que esse tipo de intermediação com os Poderes é anômalo.
Oliveira já se reuniu com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, e tentou um encontro com o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, que não o recebeu.
O chefe do Executivo costuma falar na primeira pessoa do plural ao se referir às Forças Armadas, e sempre diz que é "chefe supremo" delas, como num evento no fim de abril. "Agora, eles [ministros do TSE] convidaram as Forças Armadas a participar do processo. Será que ele se esqueceu que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Jair Messias Bolsonaro? Acho que ele [Luís Roberto Barroso] esqueceu disso", disse.
O discurso foi em tom de crítica ao ministro do STF, que presidia a corte eleitoral no momento em que as Forças Armadas foram convidadas a participar da comissão de transparência eleitoral.
O movimento do ministro do Supremo foi uma tentativa de antídoto ao golpismo de Bolsonaro, que faz uso político dos militares. Entretanto, como a Folha mostrou, a iniciativa passou a ser considerada um erro por integrantes de tribunais superiores, inclusive do STF e da própria corte eleitoral.
A avaliação é de que o efeito foi contrário e tornou-se um tiro no pé: em vez de aumentar a confiabilidade do pleito, forneceu uma ferramenta para as Forças Armadas inflarem ainda mais o discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro. A mesma leitura tem sido compartilhada por militares, reservadamente. Integrantes do Exército relatam constrangimento com a participação oficial no processo. Segundo eles, isso acaba por politizar inevitavelmente as Forças.
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