O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira (3), haver uma "ingerência de outras potências" na eleição dos Estados Unidos por "interesses globais" e lançou dúvidas sobre possíveis interferências no processo eleitoral de 2022 no Brasil, quando ele pretende tentar um segundo mandato. Com a manifestação, Bolsonaro tentou vincular uma possível derrota de seu principal aliado internacional ao que pode ocorrer na disputa pelo Palácio do Planalto, daqui a dois anos.
"É inegável que as eleições norte-americanas despertam interesses globais, em especial, por influir na geopolítica e na projeção de poder mundiais", escreveu Bolsonaro no Twitter. "Até por isso, no campo das informações, há sempre uma forte suspeita da ingerência de outras potências no resultado final das urnas. No Brasil, em especial pelo seu potencial agropecuário, poderemos sofrer uma decisiva interferência externa, na busca, desde já, de uma política interna simpática a essas potências, visando às eleições de 2022."
Bolsonaro acompanha o desempenho do presidente dos EUA, Donald Trump, no confronto com o democrata Joe Biden como um laboratório para 2022. Uma eventual derrota do líder americano representa um forte revés para a ala ideológica do governo Bolsonaro e põe em xeque sua agenda para o meio ambiente, além da política externa.
O presidente não fez qualquer referência ao citar a suspeita de "ingerência de outras potências". Na eleição de 2016 houve acusações de que o governo russo interferiu para ajudar Trump. Bolsonaro afirmou também no post que vê a América Latina caminhando para a esquerda. "Não se trata apenas do Brasil. Devemos nos inteirar, cada vez mais, do porquê, e por ação de quem, a América do Sul está caminhando para a esquerda."
Embora as pesquisas indiquem vantagem de Biden, Bolsonaro disse acreditar na reeleição de Trump. "Estou confiante com a reeleição de Donald Trump, porque será boa para as relações comerciais e diplomáticas com o Brasil", afirmou ele à CNN Brasil.
O vice-presidente Hamilton Mourão disse, por sua vez, que a relação do Brasil com os EUA "independe" de quem estiver no governo. "O relacionamento do Brasil com os Estados Unidos é um relacionamento de Estado para Estado, independente do governo que estiver lá. Óbvio que cada governo tem suas prioridades e tem suas características", afirmou.
Ao ser lembrado por jornalistas de que Bolsonaro não esconde a torcida por Trump, Mourão minimizou o fato. "Ah, isso é bobagem", respondeu. "Opinião pessoal dele. Se bem que, quando o presidente fala, ele fala por todos do governo."
Se a disputa americana terminar na Justiça, a posição brasileira será de neutralidade, de acordo com Mourão. "Neutra, lógico. Nós não temos nada a ver com as questões internas americanas. A gente não admite ingerências nos nossos assuntos internos e também não fazemos com os assuntos internos dos outros."
Diante das ameaças de contestação, o resultado da disputa presidencial americana vem sendo tratado com muita cautela por assessores de Bolsonaro. Mais cedo, o presidente pediu que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, permanecesse em Brasília à disposição para contatos diplomáticos e um eventual telefonema de congratulação ao vencedor. Ernesto não integrará mais a comitiva da viagem com embaixadores estrangeiros para a Amazônia.
Para o cientista político da Syracuse University (EUA) Marco Konopacki, Bolsonaro tenta criar uma "vacina" política para possíveis reveses eleitorais tanto de Trump como dele mesmo. "E já colocando a disputa municipal nesta conta. Os candidatos de Bolsonaro estão indo bastante mal."
Na opinião do cientista político da Tendência Consultoria, Rafael Cortez, trata-se da "continuidade de uma estratégia importante na construção do projeto político bolsonarista, que é o questionamento da legitimidade de mecanismos do processo político".
"É, também, uma estratégia de discurso, do risco e da ameaça da esquerda. O ambiente político internacional é cada vez menos convidativo para esta estratégia do presidente", disse.
O presidente Donald Trump defendeu "ações mais drásticas" contra a Venezuela em conjunto com Brasil, Panamá e Colômbia. A revelação foi feita pelo ex-presidente Michel Temer. Segundo ele, o americano não deixou claro se isso se tratava "de uma intervenção ou não", no sentido militar. A revelação foi feita pelo brasileiro em seu livro A Escolha, no qual ele é entrevistado pelo professor de filosofia Denis Lerrer Rosenfield.
A reunião entre Temer, Trump e os então presidentes de Colômbia e Panamá aconteceu em setembro de 2017, em Nova York.
O Estadão confirmou a revelação com o então ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. "Mais de um presidente falou em exercer pressões. Temer pôs água na fervura", disse o ex-chanceler. No relato de Temer, a solução drástica do americano foi rejeitada pelos outros presidentes. Mas um dos presentes propôs que os EUA parassem de comprar petróleo da Venezuela. Trump falou que não podia: "Tenho de pensar no preço da gasolina para meus eleitores", teria dito.
Segundo Aloysio, o Itamaraty nunca recebeu oficialmente pedido ou consulta para que o Brasil participasse de uma intervenção no país vizinho.
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