O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais anunciou a retomada das buscas por desaparecidos da tragédia de Brumadinho (MG) a partir desta quarta-feira (12). Os trabalhos estavam suspensos desde o dia 17 de março, devido às restrições decorrentes de pandemia de Covid-19. O estado havia entrado na onda roxa conforme classificação do plano Minas Consciente.
A tragédia de Brumadinho ocorreu em 25 de janeiro de 2019, deixando 270 mortos. Ainda estão desaparecidos 11 corpos. Na ocasião, o rompimento de uma barragem na mina Córrego do Feijão liberou uma avalanche de rejeitos que devastou estruturas da própria mina, comunidades e meio ambiente. A maior parte dos mortos era de trabalhadores da Vale, mineradora responsável pela estrutura, ou de empresas terceirizadas que ela contratava.
Esta não foi a primeira interrupção nas buscas em decorrência da pandemia. Em 2020, os trabalhos ficaram suspensos entre março e agosto.
De acordo com nota divulgada pelo Corpo de Bombeiros, a retomada se dará seguindo os protocolos sanitários definidos desde o ano passado.
"Até o final do mês de março de 2021, foi contabilizado que 3.913 militares da corporação já atuaram, em revezamento, em atividades de campo, coordenação e de saúde. Com a retomada, a operação seguirá para a fase de implementação da estratégia 8, que consiste na utilização de quatro estações de busca a serem instaladas na área denominada TCF, onde funcionava anteriormente o Terminal de Carga Ferroviária da mineradora", diz o texto.
Em janeiro, a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão (Avabrum), criada pelos familiares dos mortos na tragédia, manifestou preocupação com o futuro das buscas. Quando a tragédia completou dois anos, a entidade criticou o comportamento da mineradora em meio às negociações que levaram ao acordo de reparação firmado com o governo de Minas Gerais.
"Tem 11 pessoas para serem encontradas. Essa deveria ser a prioridade. As famílias estão se sentindo desamparadas. Enquanto um acordo bilionário é negociado sem a participação dos atingidos, os investimentos nas buscas são reduzidos. Famílias estão desesperadas para ter o encontro dos seus", disse na ocasião Josiane Melo, presidente da entidade e irmã de uma das vítimas.
A Vale informou, em nota, que apoia a retomada dos trabalhos em melhores condições. "Os acessos às áreas de busca receberam melhorias e novas vias foram abertas, ampliando a capacidade para acessar toda a área que recebeu os rejeitos. Essas vias também são fundamentais para a segurança dos bombeiros e dos envolvidos durante a operação", diz a mineradora.
Embora seja considerada estratégica para o avanço das buscas, a remoção dos rejeitos que se dispersaram no ambiente requer cuidados que tornam a atividade mais lenta desde o primeiro momento. Todo o sedimento recolhido precisa ser vistoriado manualmente pelos bombeiros em busca de qualquer vestígio das vítimas.
Além disso, uma série de estudos foi demandada para decidir sobre a destinação do rejeito removido. Apenas no fim de 2019, a Vale obteve autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) para dispor os sedimentos já inspecionados na cava da mina Córrego do Feijão. A manutenção da estrutura gerou ainda uma nova tragédia em dezembro de 2019: um trabalhador que operava uma retroescavadeira morreu soterrado com a queda de um talude, levando a uma paralisação das atividades na área. Somente em março de 2020, teve início a disposição de material na cava.
A previsão inicial era de que toda a lama depositada entre o Ribeirão Ferro-Carvão e sua confluência com o Rio Paraopeba fosse removida até 2023. Segundo a mineradora, já foram recolhidos mais de 40% dos 8 milhões de metros cúbicos de rejeitos dispersos nesse trecho.
De acordo com a Vale, as condições de manejo dos rejeitos melhoraram com obras de drenagem das áreas impactadas. "Foram construídos canais de desvio de águas superficiais que evitam o umedecimento do rejeito", explica o texto. A mineradora afirma ainda ter viabilizado testes PCR para detecção da covid-19 e garante o fornecimento de um kit de proteção diário, para cada oficial, com máscaras PFF2.
Uma das onze pessoas que continuam desaparecidas é Uberlândio Antônio da Silva, capixaba que prestava serviço para a Vale como mecânico de empilhadeira. Ele tinha 54 anos quando aconteceu a tragédia. Desde o rompimento da barragem, em janeiro de 2019, a Vale vem atualizando a lista de desaparecidos. Vários corpos já foram encontrados, mas a família de Uberlândio ainda não pôde dar o último adeus ao capixaba.
Ainda em janeiro de 2019, menos de uma semana após o desaparecimento, uma das filhas de Uberlândio contou que ele havia conversado por telefone com a esposa na noite anterior. "No dia do acidente a gente estava mexendo com umas coisas aqui em casa, então não vimos o que tinha acontecido. O patrão do meu pai ligou pra minha mãe por volta das 20 horas de sexta, perguntando se ela estava ciente do que estava acontecendo. Foi quando ele falou que infelizmente meu pai estava lá, trabalhando naquele dia naquele local, e estava desaparecido", disse Rayane Rodrigues, à época com 21 anos.
O desabamento da barragem tirou a vida de pelo menos 259 pessoas. Onze continuam desaparecidas. Assim que ficaram sabendo da tragédia, familiares do capixaba foram até a cidade em busca de respostas, mas voltaram sem qualquer informação sobre o paradeiro de Uberlândio.
Meses após a tragédia, Rosemar Pinheiro, a esposa de Uberlândio, alegava não ter recebido a ajuda de custo que a Vale se comprometeu a pagar. Em maio de 2019, Rosemar disse que a quantia havia sido entregue para outra mulher, que não morava com o mecânico, mas com a qual o capixaba tinha uma filha. "Além de ter matado meu marido, a Vale ainda me deixou nessa situação", lamentou.
Procurada na época, a empresa informou que a doação de R$ 100 mil foi destinada à filha menor de idade de Uberlândio por meio de sua responsável legal.
A dor da saudade, de não ter tido a oportunidade do último adeus, é somada à dificuldade financeira. Um ano após o rompimento da barragem de Brumadinho, Rosemar voltou a afirmar à reportagem que não tinha recebido nenhuma ajuda da Vale, além do salário que o marido recebia. A indenização, como explicou a empresa, foi direcionada às filhas de sangue.
A reportagem de A Gazeta tentou entrar em contato com familiares de Uberlândio Antônio nesta terça-feira (11), quando a retomada das buscas foram anunciadas, mas não houve respostas.
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