A oferta de leitos de UTI no país teve aumento de 47% em meio à pandemia do novo coronavírus. A proporção de leitos entre a rede pública e privada, porém, ainda é desigual, e há risco de que parte dessa nova estrutura seja fechada em breve.
Levantamento feito pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) a partir de dados do Ministério da Saúde mostra que o total de leitos de UTI públicos e privados passou de 45.427 em janeiro para 66.786 em junho deste ano.
O aumento foi puxado, em grande parte, pela abertura de leitos temporários e exclusivos para atendimento de pacientes com a Covid-19. Eles equivalem a 92% do total dos 21.359 novos leitos de UTI abertos.
Na prática, cerca de um terço das unidades de terapia intensiva existentes no país são hoje dedicadas à doença.
A ampliação, porém, não diminuiu a discrepância existente no país quando se observa o total de leitos na rede pública em comparação com a rede privada, de acordo com os dados levantados pelo conselho.
Dos novos leitos de UTI registrados até junho (somados os de UTIs convencionais e os exclusivos para Covid-19), 9.006 estavam no SUS, que, em tese, visa atender toda a população. Outros 12.353 novos leitos foram abertos em hospitais ligados à rede privada e de planos de saúde. Hoje, eles somam 46,8 milhões de usuários.
O balanço feito pelo CFM considera os dados registrados até junho no sistema do Datasus. O Ministério da Saúde afirma que o total de leitos de UTI habilitados já é de 11.353, maior que o número do levantamento.
O estudo mostra ainda que quase metade dos leitos de UTI existentes hoje no país estão em capitais. Esse cenário se repete tanto no SUS quanto na rede privada e indica parte do desafio da interiorização da Covid-19 no país. Em três estados Amazonas, Roraima e Amapá, os leitos estão disponíveis apenas nas capitais.
Os dados levantados pelo CFM mostram ainda que, entre as regiões, o Sudeste responde pela maioria dos leitos abertos, seguido por Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte.
Nos últimos anos, estados de algumas dessas regiões já eram conhecidos pelo déficit de leitos de UTI em relação a parâmetros recomendados por entidades do setor. Um deles, indicado pela Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), aponta como ideal a existência de um a três leitos no mínimo para cada 10 mil habitantes.
Quando considerados apenas os leitos convencionais de terapia intensiva (uma vez que os destinados para a Covid-19 seriam temporários), 14 estados têm o total de leitos disponível na rede pública abaixo desse patamar.
Para o conselho, isso indica que ainda há insuficiência. "Como o incremento de quase 20 mil leitos públicos e privados de UTI objetivou o atendimento exclusivo de infectados com o novo coronavírus, o país continua a contar com uma infraestrutura insuficiente para acolher pacientes com outras doenças", disse a entidade, em nota.
O CFM defende que parte dos novos leitos abertos para atendimento de Covid-19 seja mantida por mais tempo por causa da curva ainda crescente de casos em algumas regiões e incorporada de forma definitiva após a pandemia.
"Pelos dados, sem estes leitos criados nos últimos meses exclusivamente para atender a demanda crescente de infectados, deve permanecer o quadro de desigualdade na distribuição dos leitos de UTIs", afirma.
Um apelo semelhante tem sido feito pelos secretários estaduais de Saúde. Recentemente, eles enviaram ofício ao Ministério da Saúde pedindo a garantia de financiamento dessas unidades.
No documento, obtido pela reportagem, o grupo lembra que a ampliação de leitos ocorreu em meio a um cenário de falta de estrutura em parte da rede.
"A ampliação dos leitos públicos se deu a partir de sua conhecida insuficiência. Ainda assim, na pandemia, foi o SUS o nosso principal anteparo em relação aos leitos clínicos e de UTI", diz o ofício, assinado pelo Conass, conselho que reúne os gestores. "O investimento nessa nova estrutura nunca é desperdício, e precisa ser entendido como imprescindível."
Para Donizetti Giamberardino, do CFM, parte dos novos leitos deve ser fechada por estar em hospitais de campanha, por exemplo. A estimativa é que esse tipo de estrutura responda por ao menos 20% dos novos leitos para a Covid-19.
Os demais, no entanto, poderiam ser incorporados. "Nos estados brasileiros que já têm mais carência de leitos, especialmente no Norte e no Nordeste, é importante que esses leitos sejam mantidos", diz.
Ele atribui o problema da menor proporção de leitos na rede pública ao subfinanciamento também do SUS. "Quando o Estado não assume fortemente a política de saúde, acaba acontecendo uma lógica de mercado. Se formos calcular quanto se gasta em saúde no Brasil, cerca de metade fica com o SUS, que corresponde a 75% da população [de forma exclusiva], enquanto a outra [gasta metade] e tem 25%. Isso já mostra a disparidade", diz.
Além dos recursos, especialistas e gestores de saúde também têm apontado a necessidade de enfrentar outros gargalos para manutenção dos leitos, como a oferta de médicos intensivistas para atuar nesses locais, por exemplo.
Para Giamberardino, a maior oferta de estrutura nas capitais "faz parte de um contexto, mas é exageradamente desigual".
Ele chama atenção para outras carências na rede. Uma delas é que, em sete estados, nenhum dos leitos de UTI abertos é reservado à assistência de crianças.
"Lógico que a incidência de doenças graves em crianças é muito mais baixa do que entre idosos, mas é preciso ter uma proporcionalidade", afirma.
Questionado pela reportagem sobre a possibilidade de manutenção dos leitos, o Ministério da Saúde afirma que fará um estudo para analisar a situação.
"Estamos iniciando um estudo para verificar os municípios-polo que concentram as demandas das cidades. [A incorporação de leitos] vai aumentar as despesas relativas ao SUS e isso deve ser conduzido de forma responsável para que haja sustentabilidade no decorrer do tempo", disse nesta segunda-feira (3) o secretário-executivo da pasta, Élcio Franco.
Em nota divulgada na última semana, a pasta diz já ter investido R$ 1,6 bilhão para habilitar 11.353 leitos de UTI exclusivos para a Covid. Deste total, 247 são leitos pediátricos.
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