A análise de centenas de notas fiscais que integram a prestação de contas eleitorais dos 27 diretórios estaduais do PSL mostra que a campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018 foi mais cara do que a declarada por ele à Justiça Eleitoral --além de ter sido financiada em parte por dinheiro público, o que ele sempre negou ter usado.
Os documentos revelam que ao menos R$ 420 mil --parte dos quais, dinheiro público do fundo eleitoral-- foram usados para a confecção de 10,8 milhões de santinhos, adesivos, panfletos e outros materiais para a campanha de Bolsonaro, isoladamente ou em conjunto com outros candidatos do PSL.
O número pode ser maior, já que em algumas situações as notas fiscais listam o material eleitoral produzido sem especificar quais candidatos foram beneficiados.
Esses R$ 420 mil equivalem a 17% de tudo o que Bolsonaro declarou à Justiça como gasto de sua campanha, R$ 2,46 milhões.
Apesar de entregarem as notas fiscais à Justiça, os diretórios estaduais do PSL, nesses casos, não vincularam o gasto diretamente à campanha de Bolsonaro --nem o presidente declarou, em sua prestação de contas, o recebimento dos santinhos.
O material deveria estar registrado na prestação de contas do presidente como doação recebida do respectivo PSL estadual, com o valor estimável em dinheiro, conforme determina a resolução 23.553/2017, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplinou a prestação de contas dos candidatos e partidos na eleição de 2018.
Ao proceder de forma diversa, o gasto eleitoral que beneficiou o presidente aparece na prestação de contas eleitoral apenas como gasto do PSL com determinada gráfica. E a campanha de Bolsonaro aparenta custo menor do que na realidade teve.
Por ter sido eleito presidente em 2018, Bolsonaro já teve as contas de campanha analisadas pelo TSE, ainda em dezembro do ano passado. O tribunal as aprovou com ressalvas --houve determinação de devolução de R$ 8.200 ao erário devido a doações recebidas de fontes vedadas ou não identificadas.
Essa análise não pode ser reaberta, o que não impede eventual verificação de pontos específicos.
No sistema de prestações de contas eleitorais do TSE, não é possível identificar a exata fatia de dinheiro público embutida nesses R$ 420 mil, mas pelo menos os gastos dos diretórios de Minas Gerais --comandando à época pelo hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio-- e do Paraná são totalmente oriundos do fundão eleitoral, que em 2018 destinou R$ 1,7 bilhão aos candidatos.
Os outros diretórios que produziram material eleitoral para Bolsonaro sem vincular diretamente a ele --e sem que o presidente registrasse a doação recebida em sua própria prestação-- são Rio Grande do Norte, Amazonas e Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro, reduto político dos Bolsonaros, foi o responsável pela maior fatia, R$ 356 mil.
As notas fiscais mostram que três gráficas produziram para o PSL do Rio 9,8 milhões de santinhos, panfletos, adesivos e outros materiais que pediam votos conjuntamente para Bolsonaro, seu filho Flávio, eleito senador, e outros candidatos do PSL.
A prestação de contas da campanha do presidente não registra o recebimento dessas doações --os únicos diretórios dos quais Bolsonaro declara ter recebido material de campanha foram os de São Paulo e da Bahia.
Em São Paulo, a Gráfica Arte Visão Van Gogh cobrou R$ 10 mil para produzir 2.222 adesivos para a campanha de Bolsonaro e de seu filho Eduardo, candidato eleito à Câmara dos Deputados.
Nesse caso, a campanha de Bolsonaro declarou ter recebido do diretório paulista do PSL doação estimada em R$ 5.000 relativa à produção de metade desses adesivos. A campanha de Eduardo Bolsonaro declarou ter recebido doação estimada em R$ 5.000 relativa à outra metade.
A resolução de 2017 do TSE estabelece que cabe a quem arcou com o gasto comprovar a produção dos materiais, mas frisa que isso "não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas dos doadores e na de seus beneficiários os valores das operações".
Procurados, nem o Palácio do Planalto nem os cinco diretórios estaduais do PSL quiseram se manifestar.
Jair Bolsonaro e o PSL entraram nos últimos meses em uma crise, alastrada na esteira das denúncias sobre o esquema revelado pelo jornal Folha de S.Paulo de candidaturas de laranjas nas eleições de 2018.
Diante do racha com a ala ligada ao presidente nacional da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PE), Bolsonaro anunciou neste mês sua saída do PSL. Na última quinta-feira (21), o presidente oficializou a criação de um novo partido, batizado de Aliança pelo Brasil.
A reportagem consultou três especialistas na área eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais dos cinco estados citados neste texto, apresentando um caso hipotético similar ao do PSL.
"A ausência de declaração dos valores recebidos como doação estimável em dinheiro consubstancia irregularidade grave. No que tange ao partido, também ele deveria ter declarado a realização da doação estimável em dinheiro", afirmou o advogado eleitoral Rafael Araripe Carneiros, o único que concordou em ter a sua posição publicada.
"Irregularidade como essa pode impactar no julgamento das contas de campanha, podendo levar até a desaprovação das contas, com a exigência de devolução dos valores irregularmente recebidos", completou.
Em relação aos TREs, só o de Minas Gerais respondeu às perguntas, afirmando, no caso hipotético, que os gastos efetuados por partidos em benefício de candidato constituem doações estimáveis em dinheiro e que "tanto o partido quanto o candidato devem registrar nas respectivas prestações de contas as doações estimáveis efetuadas e recebidas".
Caso não o façam, "há omissão de doação realizada pelo partido aos candidatos e há omissão de doação estimada recebida pelos candidatos". Não houve resposta dos demais tribunais.
Reportagens da Folha de S.Paulo mostraram, antes mesmo do resultado da eleição, que a campanha de Bolsonaro havia omitido uma série de informações na prestação de contas parcial que todos os candidatos têm que apresentar na primeira quinzena de setembro.
Além da prestação das contas de seus gastos eleitorais, os partidos são obrigados anualmente a apresentar declarações de seus gastos ordinários, ou seja, aqueles não diretamente vinculados a disputas eleitorais.
Nesse segundo caso, reportagem do site Vortex mostrou que o PSL bancou, sem declarar à Justiça Eleitoral como despesas de campanha, pelo menos R$ 915 mil de gastos com Bolsonaro na corrida presidencial.
Esse dinheiro, de acordo com a reportagem, foi repassado a cinco empresas que relataram ter trabalhado para a campanha dele.
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