A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrou nesta quinta-feira (28) investigações sobre as circunstâncias do estupro e da possível morte de uma menina yanomami, de 12 anos, na região de Waikás, em Roraima.
Há relatos de que a menina foi vítima de garimpeiros. Os autores do crime teriam aproveitado que a maior parte dos indígenas havia saído para caçar e invadiram a comunidade.
Cármen disse que não se pode fazer silêncio diante de uma violência que se faz crescente. "As mulheres indígenas são massacradas sem que a sociedade e o estado tomem as providências eficientes para que se chegue a era dos direitos humanos para todos, não como privilégio de parte da sociedade", afirmou
Ela disse que a pauta ambiental, ora em análise pelo Supremo e da qual ela é relatora, está intimamente conectada com a social e a garantia dos direitos humanos. "Não é possível calar ou se omitir diante do descalabro de desumanidades criminosamente impostas às mulheres brasileiras, dentre as quais mais ainda as indígenas, que estão sendo mortas pela ferocidade desumana e incontida de alguns."
Ela destacou que, desde o dia 30 de março, a corte avalia questões relacionadas à Amazônia. "Foi trazido nos votos até aqui proferidos", disse a magistrada, "que os crimes que se têm não são apenas de milícias ambientais, portanto, em relação às matas. Mas em relação aos indígenas, às terras indígenas, à garimpagem criminosa, à grilagem de terra. E, portanto, minha palavra hoje, é no sentido de que não se continue a fazer silêncio em relação ao direito constitucional à vida".
A intervenção da ministra ocorreu no início da sessão de julgamento desta quinta-feira (28), quando o plenário do STF voltou a analisar ações de partidos políticos que questionam atos da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) que promoveram mudanças na área ambiental.
Após formar maioria na quarta-feira (27), a corte confirmou a derrubada de três decretos de Bolsonaro, entre eles o que excluiu a participação da sociedade civil em fundo ligado à Amazônia.
O presidente do tribunal, Luiz Fux, era o voto que faltava para a conclusão. Ele se alinhou ao entendimento prevalente, segundo o qual mudanças patrocinadas pelo Palácio do Planalto representaram retrocesso no setor. Antes de se manifestar no julgamento, Fux também abordou o caso da menina yanomami, classificado por ele de "gravíssimo", e se solidarizou em nome dos demais ministros.
Além do presidente, votaram pela inconstitucionalidade dos decretos Cármen, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. André Mendonça e Rosa Weber acompanharam parcialmente a colega. Kassio Nunes Marques foi contra.
Com o resultado do julgamento de parte da chamada "pauta verde", o STF reverte dispositivos legais apontados pelos adversários do governo federal como um desmonte de políticas públicas na gestão Bolsonaro, em especial iniciativas relacionadas à Amazônia.
Entre os atos do Executivo derrubados pelo Supremo está o decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Um outro revogou a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal e um terceiro extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia.
A ação foi proposta pela Rede Sustentabilidade. Inicialmente, o partido questionou a validade do decreto de 2020 de Bolsonaro e de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, que tirou a sociedade civil do conselho do FNMA. Posteriormente, a legenda adicionou ao pedido os demais casos.
Em relação ao fundo, após o ato presidencial, o conselho passou a ser formado apenas por integrantes de órgãos do governo federal, como os ministérios do Meio Ambiente, Casa Civil e Economia.
O FNMA tem a missão de colaborar, na condição de agente financiador, com a implantação da Política Nacional do Meio Ambiente. Ele foi criado por lei de 1989.
De acordo com a Rede, "o caráter democrático participativo do Conselho Deliberativo do FNMA foi completamente extinto, sendo que o órgão está sob risco de perder sua razão de ser".
O partido disse que, em política ambiental, a Constituição prega a necessidade de participação direta do povo, como instrumento de realização do princípio da igualdade substancial.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, se opôs à ação. Em sua manifestação, o chefe do Ministério Público Federal fez críticas a organizações não governamentais que atuam na Amazônia.
"Há cinco anos, em um levantamento feito pela imprensa e por órgãos oficiais, havia neste país 3.300 ONGs, 3.000 na Amazônia, 300 no resto do Brasil. Este fato nos impõe uma certa cautela para que os interesses nacionais, para que a soberania popular seja, em uma democracia substantiva que tanto desejamos, preservada, garantida e defendida por toda a sociedade pelo estado através das suas instituições", disse.
A relatora da matéria afirmou em seu voto que a eliminação da sociedade civil evidencia "uma centralização que seria antidemocrática", o que ofende o princípio da participação popular.
"A participação popular da sociedade civil em todas as instâncias sempre foi encarecida tanto pela Constituição quanto pela legislação e por documentos internacionais", disse Cármen, acompanhada no caso do FNMA por nove ministros.
Único voto contrário, Kassio Nunes Marques criticou o voto da relatora. Segundo ele, outros presidentes também fizeram alterações em conselhos e impedir a exclusão da sociedade civil de um deles é uma forma de deslegitimar governos futuros eleitos pelo voto popular.
"Repristinar um decreto que, por opção política do passado, previa a participação popular em um conselho é, na prática, impor essa participação direta como instrumento mínimo de democracia direta sem que haja essa exigência constitucional", afirmou.
Cármen rebateu Kassio. Disse que seu voto não dizia que o presidente da República fica proibido de alterar conselhos, desde que não exclua representante da sociedade civil.
Essa é a terceira de sete ações da chamada "pauta verde" que começou a ser julgada pelo STF nas últimas semanas. Foi iniciada também, de forma simultânea, a análise de dois processos que questionavam supostas omissões de Bolsonaro sobre o desmatamento na Amazônia.
Após um longo voto da relatora, que tomou quase duas sessões do STF, Mendonça pediu vista (mais tempo para análise) e interrompeu o julgamento dessas ações.
A ministra votou para determinar ao governo a apresentação, em 60 dias, de um plano de execução "efetiva e satisfatória" para a redução do desmatamento e o resguardo do direito dos povos indígenas que vivem na região.
Mendonça, por sua vez, afirmou que é relator de outras ações que também falam sobre prejuízo à Constituição em ações na Amazônia e no Pantanal.
No caso dele, os processos também envolvem os estados, além da União, e o ministro diz que quer analisar a situação em conjunto. "Nós precisamos, para ter uma resposta, a meu ver, adequada para essa questão, tratar também da responsabilidade dos estados", afirmou.
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