"O amor de Deus é para todos, e a igreja teve finalmente coragem de aceitar isso", declara a carioca Daniella Cardozo, 25. Bissexual, ela vive relacionamento com Marianne de Luna, 28, desde meados de 2020. Católica, planeja buscar bênção à união após aprovação do Vaticano.
Em decisão histórica, a Sé Apostólica autorizou nesta segunda-feira (18) a bênção para cônjuges do mesmo sexo.
No Brasil, a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+ celebra a novidade. Para o grupo, ela reconhece e valida a existência de famílias diversas por parte da Igreja Católica. É, afirmam, passo positivo em direção à visibilidade e aceitação das diferentes formas de amor presentes na comunidade.
O governo pontifício, porém, não alterou seu veto ao casamento homoafetivo. O texto assinado pelo papa Francisco destaca que o ato da dádiva litúrgica aos casais homoafetivos em nada deve se assemelhar ao matrimônio.
Para o cardeal Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, o parecer é claro. "Trata-se de bênçãos concedidas pela Igreja a pessoas. Isso é diferente de celebrar um casamento ou fazer uma ação com efeito jurídico e institucional", escreveu à Folha de S.Paulo.
A bênção é um ato religioso frequente. Ela expressa benevolência, conforto e proximidade. A ação, porém, não significa a solução ou perdão para tais situações. "São simples bênçãos", explica dom Odilo.
Embora entendam a ressalva, Danielle e Marianne consideram o parecer da Igreja como revolucionário. Segundo elas, o catolicismo já ceifou vidas de LGBTs em nome de Deus. Hoje, no entanto, o papa está tentando fazer a diferença, afirmam. O casal deve buscar a graça na próxima semana.
Ocorre que a declaração do Vaticano não obriga um sacerdote a abençoar pessoas em "situações irregulares", ressalta o padre André Boccatto, professor de teologia na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Ele diz ser necessário analisar caso a caso, tendo como base um único mandamento deixado por Jesus: "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si".
Carlos e Matheus
O catolicismo foi o elo entre o advogado Carlos Ramos, 41, e o servidor público Matheus Peripato, 42. Moradores de São Paulo, eles se conheceram há dez anos, quando engataram namoro. Quatro anos depois, passaram a viver juntos.
Ambos frequentam um grupo de apoio a fiéis homossexuais. "A fé sempre esteve presente em nossas vidas, e compartilhá-la só nos engrandece como casal", diz Carlos.
Saber da nova resolução sobre bênçãos a união homossexual foi um alívio para eles. Poderiam, enfim, ter o reconhecimento social do valor da sua crença e inspirar outros gays a compartilharem sua verdadeira identidade em todas as esferas.
"Antes, era muito incoerente. Abençoavam chaves de carro, contratos, mas negavam fazer o mesmo com duas pessoas adultas que se amam", relata Carlos. "É incrível isso mudar, mostra a evolução da sociedade."
Eles ainda não definiram quando buscarão sua consagração, mas afirmam estar ansiosos para tanto.
Luan e Eduardo
Um noivado parou a pequena cidade de Iguatu, no interior do Ceará, em novembro deste ano. Era o de Luan Layzon, 33, e Eduardo Parente, 25. Este é advogado, aquele psicólogo. A festa celebrava uma união de oito anos entre os homens.
Os cônjuges, criados em seio católico, aspiravam um matrimônio religioso desde então. A viabilidade, porém, era impossível. Na última segunda-feira, tiveram esperança. Com a bênção liberada, julgaram estar o casamento no mesmo bolo. Erraram, mas não ficaram tristes.
"Fiquei extremamente feliz com a notícia. É algo já extraordinário", diz Luan. Foi ele quem tomou a iniciativa, no mesmo dia, de ligar para padres conhecidos e sondá-los sobre a possibilidade de receber a bênção durante uma cerimônia de enlace civil. As repostas, afirma, foram positivas.
Para o casal, o posicionamento da Igreja ecoa um novo mundo e a força da militância de minorias crentes no Evangelho.
"Acreditamos, porém, que a bênção nós já temos. Nosso amor é abençoado e não precisamos que ninguém autorize nosso sentimento e nossa existência católica LGBT", declaram.
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