Conteúdo analisado: A Folha publicou uma reportagem com o título “Marçal recorre a réu homônimo para pressionar Boulos sobre uso de drogas”, em que mostrou que Pablo Marçal (PRTB) vinha atacando o adversário Guilherme Boulos (PSOL) com alegações de uso de cocaína baseadas em uma busca processual. Apesar disso, publicações, principalmente no X, continuam a afirmar que o candidato psolista tem processos registrados no site de pesquisa Jusbrasil e que bastava procurar por seu nome por lá. No entanto, em nenhum dos processos ele aparece como réu por porte ou tráfico de drogas.
Onde foi publicado: X.
Contextualizando: Desde o início da campanha eleitoral, o candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal tem repetidamente associado Guilherme Boulos a um suposto uso de drogas – especialmente cocaína. Em diferentes ocasiões, Marçal também afirmou que apresentaria provas das acusações durante os debates. Até a publicação desta reportagem, nenhum tipo de prova foi apresentado.
Em 27 de agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) concedeu direito de resposta a Boulos referente a essas acusações. Três dias depois, a corte aplicou uma multa de R$ 30 mil contra Marçal por conta do mesmo caso.
Na quarta-feira (28), a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem em que afirma que os ataques de Marçal ao adversário seriam resultado de uma confusão com um homônimo, chamado Guilherme Bardauil Boulos.
Nesta edição do “Contextualizando”, o Comprova aborda o assunto e fala sobre os cuidados necessários na hora de realizar uma consulta de processos judiciais.
Conforme apuração da Folha, Pablo Marçal estaria sob posse de um dossiê contra Guilherme Boulos, composto por uma lista de processos buscados na Justiça. A consulta que originou a lista, no entanto, foi feita somente com as palavras-chave “Guilherme” e “Boulos” como filtro, sem nenhum dado único, como o CPF ou o RG, por exemplo.
A falta de um filtro específico e com um nome incompleto – visto que o nome do candidato do PSOL é Guilherme Castro Boulos – fez com que o processo de outra pessoa, Guilherme Bardauil Boulos, atualmente candidato a vereador de São Paulo pelo Solidariedade, fosse incluído no dossiê. A acusação contra Guilherme Bardauil é de 2001 e se refere à posse de drogas para consumo pessoal.
À CNN, Bardauil Boulos afirmou que não foi preso e que somente assinou um termo. Disse, ainda, que o ocorrido foi um “ato imprudente” da sua época na faculdade, e acrescentou que a droga em questão era maconha, não cocaína. “Mas isso é coisa do passado”, concluiu.
Ainda segundo o candidato a vereador, Marçal não conversou com ele sobre o assunto.
O Comprova analisou as certidões da candidatura de Boulos disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Identificamos cinco processos em que o candidato do PSOL foi réu e, em pesquisa no Jusbrasil, verificamos que em nenhuma dessas ações o político foi condenado criminalmente.
A assessoria de Boulos reforçou ao Comprova que ele “jamais foi condenado em qualquer processo criminal” e acrescentou que “todos os casos (arquivados ou em aberto) estão diretamente ligados à legítima defesa dos direitos da população que luta por moradia digna ou decorrentes de embates com opositores políticos”.
Segundo outros documentos de Boulos disponíveis no mesmo site de candidaturas da Justiça Eleitoral, Boulos foi preso duas vezes quando era líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). As prisões ocorreram durante processos de reintegração de posse. Apesar disso, não houve condenação em esfera criminal.
Na primeira prisão, em janeiro de 2012, Boulos estava na Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, no interior paulista, quando foi preso em flagrante por “dano qualificado”. Ele foi solto após prestar depoimento e pagar fiança no valor de R$ 700. Posteriormente, o processo foi anulado.
No segundo episódio, em janeiro de 2017, Boulos foi detido novamente por “incitação à violência e desobediência” durante reintegração de posse na Ocupação Colonial, em São Mateus, bairro da zona leste de São Paulo. Na ocasião, ele ficou detido por 10 horas e foi liberado após ter assinado um termo circunstanciado.
Como notou o Estadão, o próprio Boulos disse, nesta entrevista para a Agência Pública, que foi preso também entre 2003 e 2004, em uma ocupação em Osasco. Não constam no site do TSE, porém, documentos a respeito deste episódio.
Além disso, o fato de a Justiça Eleitoral ter confirmado a candidatura de Boulos significa, necessariamente, que o político não foi enquadrado pela Lei da Ficha Limpa. Ou seja, ele não tem nenhuma condenação judicial em segunda instância (quando a condenação é feita por um órgão colegiado).
A assessoria de Pablo Marçal foi procurada pelo Comprova, mas não retornou até a publicação deste texto.
É possível fazer consultas processuais judiciais de diferentes maneiras. No site do TSE, por exemplo, o sistema de Consulta Pública Unificada permite que o usuário busque informações de processos públicos autuados no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) do TSE, dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e dos cartórios eleitorais.
Outra alternativa é fazer a busca por meio das plataformas dos Tribunais de Justiça estaduais para processos de 1ª instância, o que pode ser útil para delimitar os resultados a uma determinada região. Vale destacar ainda que distintas instâncias do Judiciário brasileiro, na Justiça comum, oferecem formas de busca processual, como é o caso dos Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além das plataformas oferecidas por órgãos públicos, também existem serviços privados que cumprem o mesmo propósito. É o caso do Jusbrasil, parceiro do Comprova, que desde a criação, em 2008, se tornou uma das ferramentas de busca processual mais populares do país, visto que sua base unifica as informações disponibilizadas por todos os tribunais.
Em entrevista ao Comprova, Victor Jacó, coordenador de relações públicas do Jusbrasil, destacou alguns pontos importantes na hora de realizar uma busca processual são:
Jacó também destacou que a participação no processo não significa, necessariamente, que a pessoa cometeu um delito – ela pode ser autora, ré, advogada ou juíza, por exemplo.
“É um erro afirmar que o número de menções a um nome em processos judiciais se configura em um indicativo de crime ou desvio moral”, disse.
Fontes consultadas: Procuramos por reportagens sobre o tema e entramos em contato com os responsáveis pela plataforma Jusbrasil e as assessorias de Boulos e Marçal. Além disso, consultamos os documentos oficiais da candidatura de Guilherme Boulos no site do TSE.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O Comprova já verificou outras peças de desinformações sobre as eleições de 2024. Mostrou, por exemplo, ser enganosa a publicação que usa foto de Ricardo Nunes (MDB) e do padre Júlio Lancellotti para alegar apoio à reeleição do prefeito em São Paulo. O projeto também contextualizou um post relacionado a uma declaração de Boulos sobre a utilização de imóveis para fins sociais.
Já o Estadão Verifica fez uma série de checagens sobre consultas processuais. O veículo mostrou, por exemplo, que um boato sobre número de processos de ministros de Lula distorce dados de site jurídico e que é falso que Lira responda a 189 processos no STF e que Pacheco responda a 281.
Investigado por: A Gazeta, CNN Brasil e Metrópoles
Texto verificado por: NSC Comunicação, Folha, O Popular, imirante.com e Diário do Nordeste
O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada e mantida pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. A Gazeta faz parte dessa aliança.
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