Ao decidir que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve prestar depoimento presencialmente no inquérito que apura se houve tentativa de interferência política do governo na Polícia Federal, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu uma das pendências finais da investigação que pode levar à apresentação de uma denúncia contra o chefe do Executivo.
O parecer torna mais próximo o desfecho das apurações que, segundo a delegada responsável, Christiane Correa Machado, estão em "estágio avançado" e precisam ser prorrogadas por mais 30 dias justamente em razão da indefinição sobre o interrogatório do presidente.
Mesmo afastado do Tribunal enquanto se recupera de uma cirurgia, o decano bateu o martelo sobre a oitiva. A assessoria do Supremo informou que a inesperada internação hospitalar impediu que o ministro assinasse o despacho, que já estava pronto desde 18 de agosto.
Na decisão de 64 páginas, Celso de Mello contrariou o parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, que sugeria o envio de respostas por escrito, e destacou: "Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado".
Na defesa do princípio da igualdade, o ministro lembrou d'A Revolução dos Bichos, romance distópico do escritor inglês George Orwell (1903-1950), para alertar sobre perigo dos privilégios como caminho ao totalitarismo. A obra satiriza a Revolução Russa, que alçou Lênin ao poder.
"O dogma republicano da igualdade, que a todos nos nivela, não pode ser vilipendiado por tratamentos especiais e extraordinários inexistentes em nosso sistema de direito constitucional positivo e que possam justificar o absurdo reconhecimento de inaceitáveis (e odiosos) privilégios, próprios de uma sociedade fundada em bases aristocráticas ou, até mesmo, típicos de uma formação social totalitária, de que é expressão incensurável o modelo clássico com que George Orwell, em sua fábula distópica ("A Revolução dos Bichos"), define, no contexto da sociedade pós-revolucionária da fazenda dos animais, a composição de um novo aparato burocrático, vale dizer, a formação de uma nova "ruling class" (classe dominante) regida pelo postulado autocrático e transgressor da ordem republicana de que "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros !!!", escreveu o ministro.
No entendimento do decano, a prerrogativa do depoimento por escrito se restringe às autoridades ouvidas na condição de testemunhas ou vítimas e não comporta benefício a investigados ou réus "independentemente da posição funcional que ocupem no aparato estatal ou na hierarquia de poder do Estado".
O ministro decidiu ainda que o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, pivô da investigação, formule e envie perguntas ao presidente e que seus advogados acompanhem o interrogatório. A data deve ser definida nos próximos dias pela Polícia Federal.
Além do presidente, que deve ser ouvido em breve, o próprio Moro, ministros palacianos, delegados e superintendentes da Polícia Federal e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) prestaram depoimentos no processo aberto em abril.
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