Quase dois meses após o ingresso de PP e Republicanos no primeiro escalão do governo, o apoio do centrão aos projetos do presidente Lula (PT) segue condicionado à obtenção de mais espaço, vide a coincidência da troca no comando da Caixa e a aprovação do projeto da taxação das offshores na última quarta-feira (25).
De um lado, o centrão cobra cargos e usa a pauta de Fernando Haddad (Fazenda) para pressionar o Planalto. De outro, Lula adota uma estratégia de negociações arrastadas e a conta-gotas.
Auxiliares do presidente na articulação política dizem que essa tática tem sido adotada porque o governo ainda não conta com uma base parlamentar fiel. Mesmo que Lula imponha o próprio ritmo (muitas vezes, mais lento) às nomeações para atender ao centrão, o cenário, traçado ainda no início do mandato, é de negociações, votação a votação.
Por isso, o petista não cedeu às pressões e entregou tudo o que o Congresso pediu em um único pacote — mesmo nos momentos mais tensos para Lula, como na votação da MP (medida provisória) que reestruturou o governo, em maio, quando o presidente foi emparedado e quase sofreu uma derrota histórica.
O mesmo jogo deve ser visto nas próximas votações relevantes no Congresso, já que a fatura do centrão ainda segue aberta.
O grupo, liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobra a liberação de indicações políticas nas vice-presidências da Caixa, além da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), que havia sido extinta por Lula e foi recriada por decisão dos parlamentares.
Há ainda o pedido por mais emendas parlamentares em 2024, ano eleitoral, e articulação por medidas que tiram o poder de Lula na gestão desses recursos que são distribuídos de acordo com interesse de deputados e senadores.
A lista de prioridades do governo, por outro lado, inclui projetos de Haddad para elevar a arrecadação e conseguir ajustar as contas públicas.
O próximo capítulo das negociações políticas já se aproxima.
O ministro da Fazenda quer acelerar a votação de um projeto sobre empresas que receberam benefícios no ICMS e, para isso, deve se reunir com Lira e líderes da Câmara na próxima semana. São R$ 35 bilhões em jogo para os cofres do governo no próximo ano.
O Congresso sabe do peso desse projeto para os planos de Haddad e da pressa que o governo tem o que abre uma avenida para barganhar cargos e emendas com o Planalto.
Líderes partidários comentam, nos bastidores, que sem essa medida, ou se ela for muito desidratada, o ministro será forçado a rever a meta de zerar o rombo das contas públicas no próximo ano. Integrantes do governo com interlocução política admitem que não há uma carta na manga capaz de alcançar os R$ 35 bilhões cobiçados pelo governo.
Interlocutores do petista dizem que, apesar da instabilidade da base, a pauta do governo avançou.
Foram aprovadas nesse ano as propostas de recriação dos programas sociais, a reconfiguração dos ministérios, o novo arcabouço fiscal, o projeto do Carf (Conselho Administrativo de recursos Fiscais), a tributação das offshores e a Reforma Tributária — essa última ainda em tramitação no Senado.
Lula foi eleito no ano passado por pequena margem de votos e com a esquerda conquistando apenas pouco mais de 100 das 513 cadeiras da Câmara. Com isso, o petista negociou primeiro o apoio de partidos de centro e centro-direita, distribuindo nove ministérios a PSD, MDB e União Brasil.
A adesão dessas siglas, porém, não foi suficiente para dar uma maioria folgada ao Palácio do Planalto, até porque há dissidências.
O presidente então passou a negociar o ingresso do centrão, que foi o sustentáculo legislativo do governo Jair Bolsonaro (PL) e é formado por PP, Republicanos e PL — esse último, oposição, mas com uma dissidência pró-Lula.
Na votação da taxação das offshores, PSD, MDB, União Brasil, PP e Republicanos deram 198 votos a favor do governo, do total de 323 que endossaram o projeto. Nesses partidos, houve 36 votos contrários, em geral de parlamentares vinculados ao bolsonarismo ou abertamente oposicionistas.
No PL de Bolsonaro, foram 73 votos contra o governo e 12 a favor.
A relação dos deputados (especialmente os desses seis partidos) com Lira foi o principal fator que garantiu a Lula o avanço de medidas econômicas, temas que agradam ao líder do centrão e cuja aprovação também o fortalece.
Um dia após a aprovação da MP da Esplanada, Lira deu o rumo das negociações. Ele disse, no início de junho, que fez alertas a Lula da insatisfação dos parlamentares e defendeu que o petista desse espaço em seu ministério para mais partidos para aumentar sua base de apoio no Congresso Nacional.
As trocas foram feitas de forma fatiada, o que, na opinião de aliados do presidente, é uma forma também de afastar a imagem de um governo enfraquecido e que cede facilmente às pressões dos parlamentares.
Desde a declaração de junho, Celso Sabino, da União Brasil, assumiu o Ministério do Turismo e, mais recentemente, André Fufuca (PP) e Silvio Costa Filho (Republicanos) foram para as pastas de Esporte e de Portos e Aeroportos, respectivamente.
Na última quarta-feira, Lula decidiu demitir a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano. E Lira emplacou o aliado Carlos Antônio Vieira Fernandes no comando do banco, que é considerado politicamente do mesmo valor que um ministério.
Em entrevista a jornalistas na sexta-feira (27), Lula disse que não negocia com o centrão, mas com partidos políticos, e reconheceu que fez acordos com PP e Republicanos.
"É direito deles, que gostariam de ter espaço com governo, indicar uma pessoa que esteve na Caixa, já foi da Caixa, já teve no governo da Dilma, já foi do Ministério das Cidades, uma pessoa que tem currículo para isso. E eles [partidos] juntos têm mais de cem votos, eu precisava desses votos para continuar o governo", disse.
O espaço conquistado pelo centrão no governo petista nesses primeiros dez meses ainda não foi suficiente para consolidar uma base sólida, apesar de o governo ter estreitado laços com Lira e com cardeais do Senado, como o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Além de mais cargos, parlamentares reclamam da demora na autorização dos repasses de emendas.
Congressistas do alto e do baixo clero costumam apontar que, por causa da pulverização dos grupos políticos nos partidos, uma cadeira de ministro não tem o mesmo poder de atrair deputados e senadores para a base do governo como em anos anteriores.
Cada vez mais independente, o centrão tem diferentes núcleos. Isso exige uma articulação política diversificada, que contemple trocas ministeriais, negociações no varejo de cargos regionais (inclusive com o PL de Bolsonaro) e liberação de recursos para obras e projetos em redutos de parlamentar. A lista, portanto, cresceu.
AS NEGOCIAÇÕES LULA-CENTRÃO EM 5 PONTOS
1 - MP da Esplanada
- Quando? Fim de maio
- O que foi negociado? Promessa de acelerar repasse de emendas e inicio do debate sobre mudanças nos ministérios. União Brasil indica Celso Sabino para Ministério do Turismo
2 - Projeto do Carf
- Quando? Julho
- O que foi negociado? Mais de R$ 7,5 bilhões são liberados em emendas na semana. É aberto diálogo da reforma ministerial para entrada do PP e Republicanos no governo
3 - Reforma Tributária
- Quando? Julho
- O que foi negociado? Emendas extras, controladas por Lira, entre R$ 3,5 milhões a R$ 7 milhões para cada deputado
4 - Novo arcabouço fiscal
- Quando? Agosto
- O que foi negociado? Consolida a nomeação de André Fufuca (PP) e Silvio Costa Filho (Republicanos) para as pastas de Esporte e de Portos e Aeroportos, respectivamente
5 - Projeto de taxação de offshore e de super-ricos
- Quando? Outubro
- O que foi negociado? Entrega da presidência da Caixa para o centrão
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