As chuvas torrenciais que provocaram a morte de mais de 50 pessoas no litoral norte de São Paulo devem ser cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo graças ao aquecimento global, afirmam meteorologistas consultados pelo UOL.
As chuvas que ultrapassaram os 600 milímetros no litoral paulista são o que os especialistas chamam de "evento extremo", uma ocorrência climática excepcional com graves consequências ambientais. A quantidade de chuva foi considerada um novo recorde no Brasil, superando a tragédia em Petrópolis no ano passado.
Nas praias de São Paulo o evento extremo foi a chuva forte, mas em outras regiões do Brasil e do mundo esse evento pode ser uma seca prolongada, um frio muito forte ou calor excessivo, como vem acontecendo na Europa nos últimos verões.
No litoral paulista, o evento extraordinário é conhecido como chuva orográfica, quando o relevo da região interfere nas precipitações.
"Foi a combinação de uma frente fria que parou em uma área com topografia de costa [montanhas] que serviu de parede. A umidade do mar acabou estagnada e começou a chuva fora do padrão", explica o meteorologista Olívio Bahia, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
"A maioria dos extremos climáticos está ligada às mudanças provocadas pelo aquecimento global", diz o meteorologista Marcelo Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
"Eventos desse tipo vão se tornar cada vez mais frequentes", afirma. "Não conseguimos prever quando ou onde, mas esse tipo de evento certamente vai aumentar em todo o mundo."
Mais desastres devem acontecer no Brasil, concorda o meteorologista Felipe Vemado, porque "dentro de um contexto de aquecimento global há mais energia termodinâmica [troca de calor], o que aumenta a frequência de eventos extremos".
Seluchi explica que essa troca excessiva de calor aumenta a umidade do ar e as variações de temperatura, "causando contrastes que se combinam de tal forma que provocam esses eventos".
É irreversível? O grande culpado é o homem, dizem os meteorologistas.
"A ação humana gera impacto na atmosfera, seja por aumento dos gases de efeito estufa, seja pela mudança da condição de solo que faz a superfície absorver mais calor, tanto em escala local quanto em escala global", diz Vemado, que é doutor em meteorologia pela USP. "Já foi demonstrado que as ilhas de calor na região metropolitana de São Paulo podem intensificar os temporais de fim de tarde durante o verão."
O desmatamento e queima de combustíveis fósseis já aqueceram o planeta em 1,2ºC em relação aos níveis pré-industriais, segundo o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. Se essas emissões não cessarem, o mundo romperá a marca de 1,5ºC em 2030.
Se isso acontecer, diz o relatório, o aquecimento global será irreversível, com a repetição cada vez mais frequente de fortes ondas de frio, calor, inundação e secas prolongadas.
Os pobres são os principais afetados. De 2010 a 2020, diz o relatório, "a mortalidade humana por inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis" em comparação com regiões mais ricas.
Meteorologista do MetSul, Estael Sias aconselha "a população e o poder público a se prepararem melhor para lidar com isso".
Seluchi, do Semaden, concorda. "Planejamento urbano é fundamental. Se ninguém estivesse morando nas encostas de São Sebastião, provavelmente ninguém teria morrido. Ninguém morreu em Bertioga, onde não tem pessoas morando em encosta."
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