SÃO PAULO - Ex-ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid disse em delação à Polícia Federal que, logo após a disputa do segundo turno do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu de um assessor uma minuta de decreto para convocar novas eleições, que incluía a prisão de adversários.
A informação foi divulgada pelo UOL e pelo jornal O Globo nesta quinta-feira (21) e confirmada pela reportagem.
Em nota, a defesa de Bolsonaro disse que o ex-presidente não compactuou com medidas sem respaldo na lei e que vai adotar medidas judiciais contra eventuais calúnias em delação premiada, sem citar diretamente Mauro Cid.
Não há informações se Cid entregou algum tipo de prova que confirme ou reforce o seu relato à PF.
A jurisprudência brasileira estabeleceu que a palavra oral não é uma prova suficiente, nem mesmo para oferecer uma denúncia a um juiz ou a um tribunal, no caso de quem possui foro.
O colaborador precisa apresentar elementos de corroboração externos para comprovar seu testemunho, como extratos, fatura de cartão crédito, passagens, recibos, mensagens e demais dados que ajudem a comprovar seu testemunho.
A falta desses elementos derrubou, nos últimos anos, denúncias que tinham sido apresentadas no âmbito da Operação Lava Jato, investigação que mais usou esse tipo de compromisso.
De acordo com a reportagem do UOL, o assessor responsável pela entrega da minuta seria Filipe Martins. Segundo o relato de Cid mostrado na reportagem, Bolsonaro submeteu o teor do documento em conversa com militares de alta patente.
O delator, segue o UOL em sua reportagem, disse ainda que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, manifestou-se favoravelmente ao plano golpista durante as conversas de bastidores, mas não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.
Cid, diz a reportagem, contou aos investigadores que testemunhou tanto a reunião em que Martins teria entregue o documento a Bolsonaro quanto a do então presidente com militares.
Procurado, Martins também não respondeu. Seu advogado, João Manssur, disse que não poderia se manifestar por não ter conhecimento do assunto e não estar constituído nos autos. A reportagem também entrou em contato com um assessor de Garnier, mas não houve resposta.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, considerando os episódios em que Cid está sob investigação no inquérito das milícias digitais, caso ele forneça elementos em sua delação premiada que impliquem Bolsonaro, o ex-presidente pode ser envolvido em crimes com penas altas e que podem resultar, inclusive, em prisão.
O enquadramento das condutas ainda pode ser alterado ao longo da apuração, assim como haver a conclusão de que não houve crime.
Entre as premissas da delação está a de que o investigado confesse as condutas praticadas e aponte quem contribui com as ações, além de apresentar elementos corroborando o que foi dito.
Para que Cid ou Bolsonaro eventualmente se tornem réus, é preciso oferecimento de denúncia pelo Ministério Público – o que não ocorreu – e que a mesma seja recebida pelo Judiciário.
Tramitando em sigilo no STF (Supremo Tribunal Federal) sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito 4874, no qual ocorreu o acordo de delação, reúne a investigação sobre a venda de joias presenteadas por autoridades, suposta falsificação de cartão de vacina e as circunstâncias de minuta e diálogos de cunho golpista encontrados no celular de Cid.
No inquérito das milícias digitais, ao descrever o que seriam os eixos de atuação da suposta organização criminosa investigada, Moraes cita os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, que tem pena de reclusão de 4 a 8 anos de prisão, e também o de tentativa de golpe de Estado, cuja pena é de 4 a 12 anos.
Como o inquérito é sigiloso, não é possível saber ao certo quais elementos apontam nesse sentido em relação a Cid.
De acordo com relatório da PF já divulgado, foi encontrada nos celulares de Mauro Cid uma minuta de um decreto de estado de sítio, além de uma espécie de estudo para a viabilidade para a intervenção das Forças Armadas para reverter o resultado das eleições de 2022 e diálogos explícitos sobre um golpe.
À época, a defesa de Bolsonaro afirmou em nota que os diálogos encontrados reforçavam que o ex-presidente não participou de articulações golpistas e que o celular do ex-assessor havia se tornado uma "simples caixa de correspondência" para as "mais diversas lamentações".
Por ora, Bolsonaro é formalmente investigado em inquérito que apura a responsabilidade de autores intelectuais e das pessoas que instigaram os atos de 8 de janeiro. Decisão recente na investigação aponta a princípio para indícios de autoria do delito de incitação ao crime – cuja pena é de detenção, de 3 a 6 meses, ou multa.
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