Cidades mais ricas e desenvolvidas têm avançado mais rápido na vacinação contra a Covid-19. Em geral, municípios com melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) já conseguiram imunizar mais fatias da sua população do que aqueles com índice mais baixo.
Isso se deve principalmente, segundo especialistas e gestores, à existência de redes de saúde básica já fortes, calendários mais eficientes e conscientização constante. Esses locais também têm mais idosos e profissionais da saúde (grupos vacinados antes) e atraem gente de regiões vizinhas.
A Folha analisou microdados do Ministério da Saúde dos 326 municípios com mais de 100 mil habitantes do país até o último dia 21, para evitar distorções por atrasos na notificação. Naquela data, o Brasil havia imunizado com a primeira dose 30% da população em geral (hoje são 36%).
Entre as 130 cidades que estavam acima dessa marca, 102 têm IDH superior à média dos grandes municípios. Quase todas ficam em estados do Sul e do Sudeste --apenas 12 se localizam em outras regiões, sendo que 9 delas são capitais.
"Isso mostra que o melhor desempenho na vacinação tem a ver com a organização da cidade, não só com a riqueza. O IDH se baseia em renda, educação e expectativa de vida, portanto é uma população mais idosa, com mais acesso à informação e menos problema para se deslocar", analisa Christovam Barcellos, geógrafo e sanitarista da Fiocruz.
No outro extremo, 38 das 45 cidades que haviam vacinado menos de 20% dos seus moradores têm IDH abaixo da média. Nesse grupo, 28 estão nas regiões Norte ou Nordeste, oito no Sudeste, duas em Goiás e nenhuma no Sul.
Os dois locais com menor proporção de imunizados se situam no Pará, um dos estados com menor cobertura até agora. As cidades de São Félix do Xingu e Tailândia haviam aplicado a primeira dose em menos de 10% dos habitantes, e o IDH de ambas é um dos cinco mais baixos.
Na região Norte, o fato de a população ser muito espalhada e haver dificuldade de acesso às comunidades indígenas e ribeirinhas é um entrave à parte. No Amazonas, também foram enfrentados vários desafios de distribuição das vacinas devido às enchentes no mês de maio. Até salas de imunização precisaram ser realocadas em alguns municípios.
Entre as com maior índice de desenvolvimento e parcela de vacinados está Vitória, com 46% da população parcialmente protegida até o dia 21. Uma das explicações para o bom desempenho, segundo a secretária municipal de Saúde, Thaís Cohen, é a capilaridade da rede de saúde.
"Temos uma cobertura da atenção básica de 100% do território, o que facilita o conhecimento dos acamados e das pessoas remanescentes que não tomaram a vacina, além da vigilância em saúde e da disseminação de informação", afirma.
A capital capixaba também adotou a estratégia de abrir mais postos das 16h às 20h nos dias úteis, à medida que a campanha foi avançando para pessoas mais jovens, e de fortalecer as equipes aos sábados, quando a adesão é mais alta.
A cidade de Santos (litoral de São Paulo), outra com IDH acima da média e imunização acelerada - 40% com a primeira dose até o dia 21 -, decidiu não parar a campanha aos domingos e feriados. "Investimos ainda na busca ativa, com os agentes comunitários indo até a casa do paciente", diz o prefeito Rogério Santos (PSDB).
"A questão dos horários é um dificultador histórico à vacinação. Existe uma parte considerável da população que não consegue ir durante o trabalho, então é preciso criar alternativas", reforça o pesquisador em saúde pública Marcelo Gomes, da Fiocruz.
Maringá, município no interior do Paraná com o maior percentual de imunizados no país até então (52%), também apostou num calendário mais ágil, segundo o prefeito Ulisses Maia (PSD). Neste momento, a cidade vacina os moradores de 39 anos.
"Não ficamos repetindo grupos prioritários, como aconteceu no estado. Fomos monitorando e vendo que dava para avançar logo na idade", afirma Maia.
As três cidades citam outro ponto em comum para o sucesso: o discurso constante a favor das vacinas, o que fez a adesão da população ser alta. "Aqui não temos problema de gente que não quer vacinar", declara o prefeito.
As porcentagens de imunizados nos municípios mais desenvolvidos, porém, podem estar "inchadas" com pacientes de outras cidades, que se veem atraídos por calendários mais avançados, postos mais organizados e horários mais vantajosos.
Pesquisadores da Fiocruz calcularam que 15% das doses usadas até o dia 16 no país foram aplicadas em pessoas que se deslocaram para outros municípios. A distância média percorrida por esses brasileiros foi de 252 km.
"Isso é resultado da falta de padronização nas campanhas. Pelo menos as regiões metropolitanas deveriam ter um calendário único de vacinação para evitar esse desespero e essa correria entre as cidades", diz o sanitarista Barcellos.
O estado do Rio de Janeiro, um dos mais atrasados na campanha, é um exemplo da disparidade entre capital e outras cidades: 25 dos seus 30 municípios com mais de 100 mil habitantes estavam abaixo da média nacional vacinada até o último dia 21.
"Um dos maiores problemas foi a falta de uniformização dos grupos prioritários e do calendário. Cada município adotou um comportamento. Agora, eles se comprometeram a seguir um cronograma único junto ao estado e observamos uma melhora", diz Alessandra Nascimento, subcoordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do RJ.
Há que se ponderar, ainda, a defasagem nas notificações da imunização feitas pelas secretarias estaduais e municipais ao Ministério da Saúde. A Folha adotou as cidades com mais de 100 mil habitantes porque elas costumam ter um volume de dados mais constante.
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