Um grupo de cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, está propondo o uso de uma técnica de edição genética, conhecida como Crispr, para picotar o novo coronavírus e impedir sua replicação dentro das células humanas.
A proposta dos cientistas, feita em um artigo científico publicado na revista Cell e testada em cultura de células, é usar o sistema como uma tesoura que reconhece o genoma do vírus instalado dentro da célula e faz um corte para impedir que o aparato de geração de cópias do agente infeccioso funcione.
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A publicação está disponível no site do periódico científico em uma versão ainda não finalizada, mas já revisada por outros pesquisadores.
O novo coronavírus entra na célula e libera o RNA -onde está o material genético do invasor. Uma vez dentro, o vírus usa a própria célula para produzir cópias de si mesmo. Essas cópias partem dali para infectar outras células.
"O sistema Crispr é um arsenal que as bactérias usam para se proteger dos vírus", diz a bióloga Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. "Toda a ideia [do artigo] é baseada na técnica das bactérias, que usam enzimas para reconhecer determinadas sequências no RNA do vírus e as cortam, inviabilizando o vírus", explica.
As pesquisas em terapias que usam as técnicas de edição genética para combater doenças são recentes e se intensificaram a partir dos anos 2000.
Os pesquisadores treinaram enzimas para encontrar um alvo no RNA do novo coronavírus e cortá-lo. Para que a técnica funcione, é necessário mirar partes do vírus que são essenciais para ele. "É uma estratégia muito elegante", afirma a bióloga.
Os pesquisadores testaram a técnica para destruir partes artificiais do novo coronavírus e do vírus causador da H1N1 e verificar a viabilidade do mecanismo. O laboratório onde o experimento foi conduzido não tem permissão para o manuseio do novo coronavírus ativo, que exige um espaço com maior segurança. A saída foi fazer o teste com as partes artificiais do vírus.
Segundo os resultados publicados, o mecanismo reduziu significativamente a presença do vírus em células do epitélio respiratório --a camada que reveste boa parte de órgãos do sistema respiratório e onde o novo coronavírus se instala. Mas os autores do artigo lembram que os estudos ainda são preliminares e o desenvolvimento total do método pode levar algum tempo.
"É uma técnica interessante, mas [o artigo] é só uma amostra inicial. Está longe ainda de ser algo que possamos usar no dia a dia para proteger as pessoas das infecções", afirma Carlos Menck, biólogo e pesquisador do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP.
Um dos maiores desafios da técnica, segundo os especialistas, é o desenvolvimento de um sistema capaz de entregar esse mecanismo para o corpo. Como a urgência agora é pela busca de um tratamento para um mal respiratório, como o causado pela Covid-19, o mais viável seria montar um esquema de inalação por boca e nariz.
"Fazer a técnica funcionar em cultura de células é mais fácil. Mas o vírus ativo e se replicando coloca uma outra situação. É mais complicado colocar esse sistema dentro do pulmão e fazer com que ele chegue até as células certas. Esse é o maior desafio", afirma Pasternak.
Mesmo que o mecanismo não esteja completamente viável durante a atual pandemia, os cientistas acrescentam que ele seria um bom escudo para ser usado contra vírus desconhecidos que possam aparecer no futuro.
"Com algumas adaptações, a técnica pode ser usada contra outros vírus. Considerando que antivirais são difíceis de produzir, com essa técnica estaríamos mais bem preparados para o futuro. Esse é o maior valor dessa pesquisa", conclui Pasternak.
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