Em meio a incertezas sobre a viabilidade política da Aliança pelo Brasil, o novo partido do presidente Jair Bolsonaro foi lançado oficialmente nesta quinta-feira (21), em Brasília, com forte apelo ao discurso de cunho religioso, à defesa do porte de armas e de repúdio ao socialismo e ao comunismo.
Com a presença de Bolsonaro, a Aliança foi apresentada como "um partido conservador e soberanista", contra as "falsas promessas do globalismo" e "comprometido com a autodeterminação" e com as "tradições históricas, morais e culturais da nossa nação brasileira".
Ainda em busca de brechas na Justiça Eleitoral para chegar às próximas eleições com recursos dos fundos partidário e eleitoral e com tempo de rádio e TV, o partido será comandado pelo clã Bolsonaro.
Além da presidência, ocupada por Jair Bolsonaro, seu primogênito, senador Flávio Bolsonaro, é o primeiro vice-presidente. Outro filho do chefe do Executivo, Jair Renan é vogal da Aliança.
Na comissão executiva provisória foram incluídos os dois advogados eleitorais de Bolsonaro, Admar Gonzaga, que é ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e será secretário-geral, e Karina Kufa, tesoureira.
Outro vogal da comissão provisória é Tercio Arnaud, que é assessor especial da Presidência e atua no gabinete que cuida das redes sociais de Bolsonaro. Ele é ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).
A saída de Bolsonaro do PSL, formalizada esta semana, se deu em meio a um racha no partido pelo qual foi eleito e um embate direto com o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar (PE).
As divergências tiveram início logo no começo do mandato, após o escândalo das candidaturas de laranjas do PSL. Em um discurso de cerca de 35 minutos, Bolsonaro fez referências à disputa com a direção do PSL que culminou com sua saída do partido.
"Se eu tivesse feito isso no passado [lançado um partido novo], nós teríamos feito uma bancada de 100 parlamentares [na Câmara] e um senador por estado. [Parlamentares] de um nível que não teríamos a divisão que tivemos depois das eleições. Quando lamentavelmente uns poucos passaram a entender que o partido era eles", declarou o presidente.
Durante ato, os deputados do PSL que se alinharam a Bivar foram chamados em diversos momentos de "traidores".
Alexandre Frota (SP), deputado que trocou o PSL pelo PSDB após críticas a Bolsonaro, foi chamado pelos presentes de "lixo" e "canalha". Uma das participantes gritou ainda "Delegado Waldir vagabundo", numa referência ao deputado do PSL por Goiás.
Em sua fala, Bolsonaro disse que o governo pode ser criticado, "mas com moderação". "É o Brasil que nós temos. Nós, aos poucos, vamos buscando adequá-lo para aquilo que o povo quer. Nós devemos fidelidade absoluta a vocês, povo brasileiro", declarou.
As bandeiras caras ao presidente - e que pautaram sua campanha ao Palácio do Planalto em 2018 - foram elencadas como tópicos prioritários do programa da sigla, entre os quais o "respeito a Deus e à religião", o "respeito à memória, à identidade e à cultura do povo brasileiro", a "defesa da vida, da legítima defesa e da família".
Também estão incluídos entre os nortes da sigla a defesa da livre iniciativa e do armamento da população, além de críticas ao aborto, à chamada ideologia de gênero nas escolas e ao que definem como "ideologias nefastas" - socialismo, comunismo, nazi-fascismo e globalismo.
"Nenhum progresso será obtido sem a defesa da vida humana desde a concepção", diz o texto.
O documento que vai nortear a atuação da Aliança defende, por exemplo, "o lugar de Deus na história e na alma do povo brasileiro", e diz que a "laicidade do Estado jamais significou ateísmo obrigatório".
De acordo com o texto, o partido é "ciente de que o povo brasileiro acredita que Deus é o garantidor do verdadeiro desenvolvimento humano".
Lido pela advogada Karina Kufa, o programa do novo partido também faz menções à "providência divina" e prega a educação "nas bases do cristianismo e nas suas variadas vertentes e expressões".
"Jamais a laicidade do Estado significou o ateísmo obrigatório, como ocorre em regimes autoritários que perseguem a religião", acrescentou Karina.
O documento diz que o primeiro "ato oficial" em terras brasileiras foi uma missa e que durante séculos os primeiros ciclos de educação no país ficaram a cargo de ordens religiosas.
"Até agora são as devoções e os cultos populares que em todas as regiões dão vida, forma e cor ao povo brasileiro", afirmou Karina, ao ler o texto. "A relação entre a nação e Cristo é intrínseco, fundamental e inseparável."
Bolsonaro participou do evento acompanhado pela primeira-dama, Michelle, e de três de seus cinco filhos: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (SP), e senador Flávio Bolsonaro e Jair Renan Bolsonaro, iniciante na vida política. Ao chegar ao local, o presidente foi saudado aos gritos de "mito" e "o capitão chegou".
O ato desta quinta é o primeiro passo no processo de fundação da legenda, com a assinatura do requerimento de registro partidário. Lei de 1995 que rege os partidos políticos determina que esse documento tem de ser assinado por no mínimo 101 pessoas, de ao menos nove estados.
Cumprida essa etapa, começa a coleta de assinaturas para que o registro seja aprovado pela Justiça Eleitoral. São necessários 491.967 apoios.
Ao sair do Palácio da Alvorada pela manhã, Bolsonaro disse que não interferirá nas eleições municipais de 2020. Ele reconheceu que, se o TSE não aceitar a coleta eletrônica de assinaturas, a sigla deve demorar para ser oficializada.
Para que a Aliança possa ter candidatos no pleito do ano que vem é necessário obter o registro na Justiça Eleitoral até o fim de março, seis meses antes da disputa.
O senador Flávio disse ainda que "se Deus quiser" as assinaturas necessárias para a formalização do partido serão coletadas ainda neste ano. Ele defendeu que o tribunal aceite assinaturas digitais para validar a agremiação.
"A gente tem um cadastramento biométrico de quase 75% dos eleitores brasileiros. Eu tenho convicção de que o TSE vai homologar essa questão de assinaturas por biometria", disse o senador, ao início do evento.
Num resgate de suas principais bandeiras eleitorais, Bolsonaro voltou a falar sobre a possibilidade de o Brasil transferir a embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Uma de suas promessas de campanha, a ideia havia sido abandonada pelo governo após forte reação de países árabes e desaconselhamento por parte de diplomatas, da equipe econômica e de militares.
Durante a visita de Bolsonaro a Israel, em março, foi anunciado que o país abriria um escritório de negócios em Israel, numa espécie de solução de meio termo para a questão.
"Tenho conversado com líderes árabes sobre a transferência da embaixada para Jerusalém. É um simbolismo apenas, mas que vale muito para quem acredita em Deus. Vamos, se Deus quiser, também atingir esse objetivo sem traumas. Todos evoluímos, sem exceção, Os países também evoluem", disse o presidente.
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