Generais à frente de tropas numerosas no Exército se viram obrigados a dar início a estratégias de contenção de danos diante da decisão do comandante da Força de não punir o general da ativa Eduardo Pazuello por participar de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Os comandantes irão começar a dar a orientação para que subordinados não participem de atos como as 'motociatas' organizadas pelo presidente. A decisão de livrar Pazuello foi divulgada na última quinta-feira (3) pelo Exército e causou forte reação entre militares, congressistas, integrantes do Judiciário e organizações da sociedade civil.
A impunidade de Pazuello, após a participação do ato no dia 23 de maio, um domingo, no Rio de Janeiro, amplia a escalada de contaminação política no Exército.
Comandantes de tropas ouvidos pela reportagem, sob a condição do anonimato, reconhecem o efeito negativo da decisão do comandante, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e admitem o risco de que movimentações políticas se espraiem mais entre comandados.
Por isso, generais vão dar início a orientações internas no sentido de que militares da ativa não estejam presentes em atos políticos em geral, nem mesmo nos empreendidos em apoio ao presidente e, em especial, os passeios de motocicleta em capitais, que Bolsonaro quer tornar fixos e periódicos.
Foi um desses passeios que Pazuello, agora abrigado em um cargo dentro do Palácio do Planalto, subiu ao palanque onde estava Bolsonaro. O ex-ministro da Saúde fez um breve discurso e exaltou o presidente.
Desde terça-feira (1º), ele é secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República.
O comandante do Exército abriu um processo interno para investigar a conduta do general da ativa. Depois de ouvi-lo presencialmente e da apresentação de uma defesa por escrito, Oliveira concluiu que Pazuello não cometeu uma transgressão disciplinar e arquivou o procedimento.
Bolsonaro fez pressão direta ao comandante para que Pazuello não fosse punido. A articulação envolveu o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.
Já no começo da semana, Oliveira havia concordado com o apelo do presidente e manifestado essa posição a colegas de farda no Alto-Comando, que reúne 15 generais quatro estrelas, a mais alta patente no Exército.
Integrantes do Alto-Comando, por outro lado, defendiam que Pazuello fosse punido. Para esses generais, estava evidente a transgressão disciplinar por parte do general da ativa. Pazuello é um general de três estrelas.
Tanto o regulamento disciplinar do Exército, vigente por decreto desde 2002, quanto o Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980, proíbem manifestações políticas por parte de militares da ativa.
Nos encontros virtuais com generais do Alto-Comando, o comandante explicou que se fiaria na ideia de que Pazuello foi chamado ao palanque pelo presidente. Assim, a responsabilidade seria de Bolsonaro, não do general.
Sacramentada a decisão de não punir o ex-ministro da Saúde, generais ficaram preocupados com a maneira como o arquivamento do processo poderá influenciar o comportamento das tropas.
Por isso, esses generais planejam explicar aos comandados que o caso de Pazuello é excepcional, com envolvimento direto do presidente da República. Assim, segue vedada participação em atos políticos sem autorização de um superior, conforme essas explicações.
Haverá uma orientação específica, conforme generais ouvidos pela reportagem, para que não ocorra adesão aos passeios de moto de Bolsonaro em outras capitais.
O presidente já fez esses passeios em Brasília e no Rio de Janeiro. Em transmissão em live semanal, ele disse que deverá participar de um novo evento do tipo no próximo dia 12, um sábado, em São Paulo.
O entendimento é que, diante do caso de Pazuello, não é possível ceder mais, sob risco de não se conter o espraiamento político nas tropas.
Apesar da percepção dos riscos decorrentes da decisão do comandante do Exército e da divergência de opiniões em relação à decisão, generais dizem que, a partir do momento em que ela foi tomada, passa a ser acatada e assimilada pelos militares que estão em posição de comando.
Esses militares ressaltam o que chamam de unidade de comando, necessário em um momento tido por eles como sensível, extremo e conflitante.
A decisão de Oliveira por não punir Pazuello pode ter evitado o esgarçamento e a radicalização da relação do comandante com o presidente, segundo esses generais.
Outros comandantes de tropas afirmam não acreditar em repercussão do ato nos subordinados nem em crise interna a partir do arquivamento do processo de Pazuello.
Para esses militares, a decisão do comandante do Exército foi tomada após ouvir seus pares do Alto-Comando e levou em conta diferentes aspectos envolvidos na escolha que deveria fazer.
Em nota publicada no site da Força na quinta, o Exército afirmou que "o comandante analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general".
"Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado", diz o texto.
Ao arquivar o procedimento, Oliveira ignorou ter existido a transgressão número 57, prevista no regulamento disciplinar do Exército: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária".
O comandante ignorou ainda o propósito do regulamento previsto no próprio decreto que o instituiu: preservar a disciplina militar. Segundo o regramento, existe disciplina quando há "acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições".
Após o ato do dia 23 de maio, com Pazuello, o vice-presidente Hamilton Mourão declarou que uma eventual punição do colega teria por objetivo "evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças Armadas".
"Assim como tem gente que é simpática ao governo, tem gente que não é", disse o vice-presidente na ocasião.
À reportagem, após a decisão do comandante do Exército, Mourão afirmou que por "questão de disciplina intelectual" não iria comentar.
O ato político que gerou o processo disciplinar contra o ex-ministro ocorreu no fim da manhã de domingo (23).
Pazuello subiu sorridente ao carro de som onde estava Bolsonaro. Pouco antes houve um passeio de moto com apoiadores, do Parque Olímpico ao aterro do Flamengo. O percurso teve 40 quilômetros. Ao fim, houve discurso aos apoiadores.
O "gordo", como Bolsonaro se referiu a Pazuello, retirou a máscara assim que atingiu o topo do palanque. E fez um discurso curto aos apoiadores.
"Fala, galera", introduziu o general da ativa. "Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein. Tamo junto. Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o PR [presidente]. PR é gente de bem. PR é gente de bem. Abraço, galera."
Um processo formal foi instaurado para apurar a transgressão. A punição poderia ser uma advertência, repreensão, prisão ou exclusão dos quadros.
Bolsonaro disse dias depois que o ato com motociclistas no Rio de Janeiro não teve viés político pelo fato de ele não estar filiado a nenhuma legenda.
Após a divulgação da decisão do Exército, o presidente, sem citar Pazuello, falou genericamente sobre punições aplicadas pelas Forças Armadas. Disse que não há interferência em medidas desse tipo e lembrou de uma desavença que teve com um soldado, na época em que era tenente, na qual desistiu de representar por uma punição. "Isso é comum acontecer."
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