A varíola dos macacos preocupa desde maio, quando casos da doença começaram a surgir em regiões não endêmicas, como Europa e Estados Unidos. Já são mais de 18 mil diagnósticos em todo o mundo, segundo o portal Our World in Data. A situação fez com que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarasse a doença como emergência pública de preocupação global.
No Brasil, já foram 813 casos confirmados até esta terça (26), segundo o Ministério da Saúde. O saldo é mais do que o triplo verificado no último dia 9, quando havia 218 diagnósticos em todo o país.
"O número de casos no Brasil está crescendo de forma rápida", afirma Marcia Castro, chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard e colunista da Folha de São Paulo.
O surto atual tem algumas peculiaridades. Mesmo que qualquer pessoa possa ser infectada, os casos se concentram em homens que fazem sexo com outros homens. Tedros Adnahom, diretor-geral da OMS, afirmou nesta quarta (27) que cerca de 98% dos diagnósticos são nessa população. Além disso, pesquisas já constataram que a transmissão acontece principalmente por contato íntimo em relações sexuais.
O cenário gera dúvidas, tais como quais medidas para evitar a infecção e se vacinas estão disponíveis para prevenção. Abaixo, veja as respostas a algumas dessas questões.
A disseminação da doença ocorre principalmente pelo contato direto com lesões na pele que os pacientes apresentam. Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), explica que essas feridas são semelhantes a espinhas com pus dentro.
No surto atual, o contato com as lesões durante o sexo é apontada como a principal forma de transmissão. "Na relação sexual, o contato é próximo então a possibilidade aumenta muito", explica Maciel.
Mas já existem casos confirmados de infecção em crianças, que não envolvem atividade sexual.
"A monkeypox [nome em inglês pelo qual a doença também é conhecida] está mais relacionada à relação sexual, mas pode ser transmitida em contato direto da pele com a ferida", afirma Julio Croda, médico infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.
Além do contato direto com as lesões, compartilhar objetos e roupas com a pessoa infectada pode causar a transmissão. Também é possível contrair a doença por meio de gotículas, como espirro e tosse, mediante contato próximo e prolongado.
Diferentemente de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) em que o uso de preservativos é uma importante medida para evitar a disseminação de doenças, a varíola dos macacos demanda maior cuidado.
Croda exemplifica uma situação em que as lesões do paciente estão na região da genitália, mas não necessariamente coberta pela camisinha. "Então pode acontecer a transmissão", afirma.
"É muito difícil essa doença do ponto de vista de prevenção, porque se nós temos outras ISTs que apenas o uso de camisinha já é suficiente. Na varíola dos macacos, mesmo com uso de preservativos, a pessoa pode transmitir", resume o infectologista, reafirmando que ainda assim é importante o uso do preservativo.
Dessa forma, uma das principais formas de evitar a transmissão é evitar relações sexuais, assim como qualquer outro contato próximo, no período em que a lesão está ativa. Segundo Croda, a infecção só deixa de ocorrer quando todas as feridas viram crostas.
Maciel também recomenda evitar contato com desconhecidos. "Com quanto mais pessoas você se relacionar sem saber se estão doentes, maior a chance de contrair a monkeypox", diz.
A recomendação da epidemiologista está de acordo com pesquisas que apontam que grande parte dos casos se dá em homens que fazem sexo com outros homens com múltiplos parceiros sexuais. A situação gera receio de atitudes preconceituosas contra essa população. Croda diz que é necessário informar o alto número de casos nesses homens a fim de alertá-los, mas também "é importante evitar o estigma".
Outro ponto é que a transmissão não é restrita a essa população, já que qualquer pessoa pode ter contato com alguém infectado. Croda diz que um heterossexual com múltiplos parceiros também pode estar mais exposto a infecção.
"Embora um grupo seja predominantemente afetado no momento, é importante entender que qualquer pessoa pode se infectar", afirmou a líder técnica para varíola dos macacos da OMS, Rosamund Lewis, em uma coletiva de imprensa desta quarta (27).
A principal orientação continua sendo evitar contato próximo com pessoas que apresentam as lesões comuns da varíola dos macacos.
Atualmente, a transmissão da doença sem histórico sexual está acontecendo principalmente em contexto domiciliar em que um dos moradores foi infectado.
Nesse caso, é recomendado que a pessoa se isole. Os objetos que ela utiliza não devem ser compartilhados e as roupas precisam ser lavadas. A higienização constante com álcool 70% também é necessária.
Outras medidas fora da residência também podem ser tomadas. Lewis recomenda reduzir a frequência a ambientes de grande aglomeração porque são locais mais suscetíveis ao contato físico com outras pessoas.
As chances desse tipo de transmissão onde não há toque nas lesões são bem menores no caso da monkeypox. O CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA), por exemplo, afirma que passar por uma pessoa com a doença em um supermercado não deve causar a transmissão.
Máscaras de proteção, como as utilizadas contra a Covid-19, evitam a transmissão respiratória. No entanto, o equipamento, no caso da varíola dos macacos, deve ser restrito a circunstâncias muito específicas em que você precisa ter contato próximo com alguém que está com a doença, como dentro de domicílios.
"[Uso de máscaras] Não é uma medida que devemos adotar para a população em geral", afirma Croda, em referência específica à varíola dos macacos.
De forma geral, o paciente apresenta:
Mas os casos atuais manifestam algumas particularidades, como lesões mais sutis ou específicas nas regiões genital e anal. Segundo especialistas, o cenário pode dificultar o diagnóstico da monkeypox.
Caso você suspeite que foi infectado, o primeiro passo é procurar o diagnóstico exato. "Se você teve contato com alguém diagnosticado com monkeypox, deve procurar um serviço de saúde para fazer uma avaliação da necessidade de se coletar uma amostra para exame", afirma Maciel.
A epidemiologista ainda recomenda que, enquanto o resultado do diagnóstico não estiver disponível, já é necessário tomar algumas medidas, como higienizar as mãos e manter distanciamento físico de outras pessoas. Caso o resultado seja positivo, o isolamento deve continuar.
Atualmente, a vacina Jynneos, da farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic, é o único imunizante licenciado no mundo para a varíola dos macacos. Outra possibilidade é a utilização de vacinas que foram desenvolvidas para prevenção da varíola comum, como a ACAM2000, da Sanofi, que é utilizada contra a monkeypox nos Estados Unidos.
A medida é importante, mas os imunizantes demoram semanas para serem eficazes, afirmou Rosamund Lewis. Por isso, é importante manter as outras medidas de prevenção.
O Brasil ainda não conta com vacinas. Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, negociações estão ocorrendo para importar fármacos, mas eles devem ser disponibilizados somente para profissionais de saúde que manipulam o vírus.
Além de grupos de maior risco, como homens que fazem sexo com outros homens, pessoas que tiveram contato com alguém doente podem se beneficiar com os imunizantes. "Se a pessoa receber a vacina até cinco dias depois do contato, ela previne a doença", resume Croda.
A falta de imunizantes no Brasil é alarmante, principalmente com o aumento de casos, diz Márcia Castro. "Sem ação imediata, a situação é preocupante."
Faltam evidências para confirmar se alguém imunizado para varíola comum tem proteção para a monkeypox. "Nós temos muitas incertezas quanto a isso", afirmou Andrea Vicari, chefe da unidade de gestão de ameaças infecciosas da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), nesta quarta-feira.
Ele cita que já foram reportados casos de pessoas com mais de 50 anos, que devem ter sido vacinadas contra a varíola comum, com monkeypox. "Demonstra que é um risco em pessoas que foram vacinadas [...] contra a varíola que poderiam também ser infectadas com a varíola dos macacos."
A vacina da varíola parou de ser aplicada no Brasil em 1979 e, em maio de 1980, a Assembleia Mundial da Saúde declarou oficialmente a erradicação da doença.
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