Menos de um ano depois de aprovar o projeto de lei para regulamentar as apostas online e que liberou o cassino virtual no Brasil, o Congresso tem agora ampliado uma investida contra as bets. Enquanto tramitam na Câmara e Senado 55 projetos que restringem a atuação do setor de apostas, todos apresentados neste segundo semestre, uma segunda CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) será instalada no Senado nesta terça-feira (12).
"Os jogos virtuais de apostas online envolvem grandes quantias de dinheiro que transitam de forma rápida e muitas vezes anônima, o que torna o setor suscetível a práticas de lavagem de dinheiro. Esses esquemas podem envolver a utilização de ganhos em apostas, a manipulação de resultados, ou até mesmo a criação de contas falsas para movimentar recursos de origem duvidosa", diz a justificativa da CPI.
Criada a partir de requerimento da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), endossada por 30 senadores, a comissão já é conhecida como CPI das Bets, o que a distingue da CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, que corre no Senado sob presidência de Jorge Kajuru (PSB-GO), e da CPI da Manipulação de Resultados, que terminou em setembro do ano passado na Câmara sem votar um relatório.
Se as duas mais antigas nasceram sob a justificativa de identificar como o mercado de apostas manipulava partidas de futebol, a CPI das Bets avança sobre a operação das casas de aposta e sobre a penetração delas no país. A previsão é que a relatoria fique com a própria Soraya Thronicke.
Apontado como nome cotado para presidir a nova comissão, o senador Hiran Gonçalves (PP-PR) tem defendido uma agenda ampla, que vai do combate à lavagem de dinheiro (discussão em voga depois da operação que mirou a influenciadora Deolane Bezerra) à proteção da população mais pobre, com atenção aos recursos de programas sociais que estão indo para as apostas.
Também nesta terça acontece o segundo dia de audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a constitucionalidade dos jogos de aposta. O ministro Luiz Fux disse na segunda que a lei que regulamenta as bets precisa de ajuste imediato e que o julgamento da ação que questiona a constitucionalidade da norma deve ser feito com urgência.
A agenda ampla da CPI mirando as bets e o apoio de grupos políticos variados replica movimento que acontece tanto na Câmara quanto no Senado. Levantamento da Folha de S.Paulo identificou 55 projetos de lei nas duas casas com propostas que visam a restringir a penetração das bets na sociedade brasileira. A maioria deles ainda não foi distribuída às comissões. Os projetos têm como autores políticos da direita, esquerda e do Centrão.
A conta fica mais ampla se considerados os 20 projetos de senadores e deputados que sugerem mecanismos para proibir que beneficiários de programas sociais, notadamente o Bolsa Família, possam apostar. Eles surgiram na esteira de informação do Banco Central, em resposta a um requerimento do senador Omar Aziz (PSD-AM), de que os beneficiários do programa de assistência social haviam apostado R$ 3 bilhões só em agosto.
O BC, depois, reconheceu a possibilidade de falhas no estudo, mas a primeira informação já havia respaldado projetos de partidos dos mais variados espectros políticos. Propostas semelhantes partiram de petistas como João Daniel (SE) e Reginaldo Lopes (MG), de bolsonaristas como Capitão Augusto (PL-SP) e Delegado Palumbo (MDB-SP), e de políticos de União Brasil, Republicanos e PSD, siglas que integram o chamado Centrão.
Mais recentemente, o Delegado Marcelo Freitas (União-MG) foi além e apresentou proposta para que qualquer cidadão isento do Imposto de Renda não possa apostar mais de R$ 50 por mês. No Senado, Ana Paula Lobato (PDT/MA) sugere limites de depósito a partir das faixas de renda, começando com R$ 20 para quem ganha até R$ 2.200.
Tradicionalmente, a restrição aos chamados jogos de azar é uma pauta da bancada evangélica. Quando a Câmara discutia a regulamentação das apostas, no ano passado, Silas Câmara (Republicanos-AM), então presidente da frente que representa o grupo, disse à reportagem que jogo "é a mesma coisa que droga". "É sinônimo de vício e de desgraça para a família brasileira", afirmou.
Menos de um ano depois daquela discussão, o time dos antibets vai ganhando novos adeptos, inclusive no governo. É o caso da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que está entre os 14 deputados e três senadores que protocolaram projetos para proibir a publicidade de casas de aposta, ou pelo menos restringi-la.
Um deles, do deputado Marx Beltrão (PP-AL), sugere tratar como contravenção penal, com pena de três meses a um ano de prisão, a divulgação de "propagandas de jogos de azar e apostas eletrônicas" por parte de "influenciadores digitais". Encaixa-se nessa categoria, pelo projeto, "qualquer pessoa que utilize das plataformas digitais para promover produtos, serviços, marcas ou ideias, e que tenha um número significativo de seguidores ou visualização". O projeto, no entanto, não restringe a publicidade em veículos de imprensa.
A reportagem identificou ainda seis projetos que, de diferentes formas, objetivam proibir as apostas online no Brasil. Uma delas, do deputado Eunício Oliveira (MDB-CE), que cita o estudo do BC para dizer que "dificilmente alguém conseguirá escapar da conclusão inevitável de que a regulamentação atual, inadequada e ineficiente, tem contribuído para esse cenário crítico".
Filhos do pastor R.R. Soares, os irmãos Marcos e David Soares, ambos do União Brasil, apresentaram dois projetos. Um deles proíbe as apostas esportivas e as considera "contrárias à saúde pública, à ordem social e ao bem-estar da população". Já Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) apresentou um projeto para proibir utilizar qualquer meio eletrônico de pagamento para a realização de apostas esportivas. Na prática, isso inviabilizaria as bets, já que a restrição inclui cartões, pix, boleto e transferências bancárias.
Parte das propostas aborda um tema tratado como marginal durante a formulação da Lei das Bets: o combate ao vício e ao endividamento. Projeto do deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) barra do jogo quem está negativado, enquanto que Otto Alencar Filho (PSD-BA) propõe que 2% dos impostos arrecadados sejam destinados a programas de prevenção ao vício em jogos de azar e ao tratamento de dependentes.
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