Parlamentares de partidos governistas e da oposição viram as trocas dos comandantes das Forças Armadas como uma tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e disseram que vão convidar os envolvidos para dar explicações no Congresso. Acrescentam que o momento é grave.
Nesta terça-feira (30), os comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) apresentaram suas renúncias conjuntamente por discordarem do presidente Jair Bolsonaro.
No dia anterior, Bolsonaro havia demitido o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo. Seu substituto é o general Walter Braga Netto, próximo a Bolsonaro e que era até então o chefe da Casa Civil da Presidência.
Ao deixar o cargo, Azevedo divulgou uma nota na qual afirma ter preservado "as Forças Armadas como instituições de Estado".
No Congresso, parlamentares pretendem convidar o novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, a falar sobre as mudanças. A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados vai convidar Braga Netto a debater a crise atravessada pelas Forças Armadas no Brasil.
O presidente da comissão, Aécio Neves (PSDB-MG), aprovará os requerimentos para convidá-lo nesta quarta-feira (31). O novo ministro das Relações Exteriores, Carlos França, também será chamado.
Deputados e senadores também criticaram a tentativa de interferência de Bolsonaro nas Forças Armadas.
"A demissão dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica depois da brusca troca no comando do Ministério da Defesa, algo inédito na redemocratização, e à véspera do emblemático 31 de março, revela que há uma crise real entre os militares e o governo", afirma o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG).
"Existe, de fato, no seio das Forças Armadas, o claro entendimento do seu papel constitucional. Que essa consciência seja preservada e reforçada. E cabe ao presidente da República respeitar a Constituição, que define claramente as Forças como instituição de Estado e não, de governo", completou.
Presidente do MDB, o deputado Baleia Rossi (SP) disse lamentar as trocas nos comandos das Forças Armadas em meio à pandemia.
"Exército, Marinha e Aeronáutica têm cumprido à risca suas funções como instituições de Estado, afastando-se de questões político-partidárias implementadas por governos limitados por mandatos", disse, em uma rede social.
"A Constituição de 1988 dá autonomia para o presidente da República escolher seus auxiliares na administração pública, e também na gestão das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, impõe direitos e deveres quanto às atuações de todos", continuou.
"Qualquer medida que afronte o texto constitucional deve ser entendida como desrespeito ao povo brasileiro, e isso não pode ser tolerado em um Regime Democrático."
Outros parlamentares foram mais duros e vislumbraram viés golpista na tentativa de interferência do presidente, que resultou na demissão conjunta dos comandantes.
"Azevedo saiu porque negou atendimento a pedidos golpistas de Bolsonaro. Os comandantes das Forças, idem. O movimento parece golpe, tem cheiro de golpe e gosto de golpe. Temo que alguns só acreditem quando for tarde demais", afirmou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) vai apresentar ainda nesta terça-feira um requerimento com convite para que o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, compareça ao Congresso para falar sobre o atual momento político, com a saída simultânea dos comandantes das três Armas.
A oposição no Congresso também promete convidar o ex-ministro Azevedo e os comandantes demissionários para dar explicações no Congresso sobre as demissões e também sobre as tentativas de interferência presidencial nas Forças Armadas.
"Acho que isso [demissão do ministro Azevedo] significa demonstração de fraqueza e não de força. A reação de pedir demissão do alto comando de forças Armadas é algo inédito. Agora toda vez que Bolsonaro está acuado, vai mais para a extrema-direita", afirma a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirma que o presidente da República quer transformar as Forças Armadas em "milícias" particulares e que a tentativa de interferência configura um crime de responsabilidade.
"O que Bolsonaro quer é transformar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica nas milícias as quais ele e sua família têm tanta intimidade", escreveu o senador em suas redes sociais.
"As Forças Armadas têm um papel definido pela Constituição. Política não pode entrar em quartel. Essa interferência inconstitucional e atentatória ao Estado de Direitos se configura em mais um grave crime de responsabilidade", completou.
Na mesma linha, o líder da Rede no Senado, Fabiano Contarato (Rede-ES), afirma que a demissão conjunta é uma prova da pressão do presidente por "gestos golpistas".
"A renúncia conjunta dos Comandantes atesta a pressão do presidente por gestos golpistas. Pode ser lida como um abandono de barco pela cúpula militar, mas também abre espaço para que militares carreiristas e de estratos inferiores ascendam, embalando o projeto chavista de Bolsonaro", afirmou.
Líder do Novo na Câmara, o deputado Vinicius Poit (SP) apoiou a decisão dos comandantes das Forças e afirmou que os três e o ex-ministro Azevedo estão certos de não chancelar "desejos autoritários" de Bolsonaro "que nada ajudam no combate à pandemia." "Como disse Churchill, 'a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras.' Bolsonaro precisa entender isso", afirmou.
O bloco parlamentar Senado Independente vai encaminhar um ofício ainda nesta terça-feira para ter uma audiência com o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto. O objetivo seria encontrá-lo no próprio ministério, para ouvir dele sobre a mudança no comando da pasta e as saídas dos comandantes. O bloco conta com parlamentares do Cidadania, PDT, Rede e PSB.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), líder do bloco, também pediu que o presidente abra mão de qualquer tipo de interferência nas Forças Armadas. "Nesse momento de trocas no comando da Defesa Nacional é fundamental destacar o papel constitucional das Forças Armadas: a defesa da Pátria, da democracia e dos Poderes Constituídos. FFAs devem se manter apartidárias pelo equilíbrio da nação", afirmou.
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