Um consenso de três entidades científicas brasileiras recomenda a não utilização de hidroxicloroquina, cloroquina e de suas associações com azitromicina na rotina de tratamento da Covid-19.
A recomendação está em documento com diretrizes da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
O processo que levou às recomendações é liderado pela Associação Hospitalar Moinhos de Vento (Porto Alegre), pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz e pelo Hospital Sírio-Libanês (São Paulo), que estão entre os principais hospitais do país.
O nível de evidências para uso da cloroquina e sua derivada é fraca, segundo o grupo de 27 especialistas, entre eles infectologistas, especialistas em medicina intensiva, pneumologistas, farmacêuticos, epidemiologistas e especialistas em saúde pública, que fez revisões em estudos disponíveis até o momento sobre as terapias possíveis contra a Covid-19.
Os pesquisadores levaram em conta dois ensaios clínicos randomizados (tipo de estudo com as evidências mais robustas sobre a eficácia ou não de um medicamento) e abertos em pacientes com doença leve a moderada e um estudo de coorte, considerando os dados disponíveis até o momento.
> CORONAVÍRUS | A cobertura completa
Segundo as entidades científicas, "as evidências disponíveis não sugerem benefício clinicamente significativo do tratamento com hidroxicloroquina ou com cloroquina". O mesmo vale para o uso da combinação de hidroxicloroquina (ou cloroquina) com a azitromicina.
O documento também alerta para a associação dessas drogas, principalmente quando combinadas com azitromicina, com eventos adversos cardiovasculares, principalmente arritmias.
Considerando que as avaliações até o momento foram feitas em pacientes hospitalizados, os especialistas afirmam que não há base para uso ou não da droga em pacientes ambulatoriais. Portanto, a utilização só deve ser considerada para pacientes graves ou críticos, hospitalizados e com monitoramento constante de possíveis arritmias e com o cuidado para evitar outras medicações associadas que aumentem o risco de arritmias.
"Seu uso preferencial deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica", dizem os pesquisadores sobre a droga.
As recomendações vão na mesma linha da indicação do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), dos EUA.
O painel também analisou outras drogas que têm sido usadas contra a Covid-19 e fez recomendação pelo uso profilático do anticoagulante heparina em pacientes hospitalizados para evitar tromboembolismo (formação de coágulos).
Pacientes com Covid-19, como mostram estudos observacionais e post mortem, parecem ter hipercoagulabidade e alta taxa de eventos tromboembólicos, afirma o documento. Portanto, o uso de anticoagulantes é uma intervenção de baixo custo, bem tolerada e "com potencial de evitar eventos de elevada importância clínica".
O remdesivir, uma das drogas que apresentou resultados moderadamente positivos até o momento, não chegou a ser incluído no documento por ainda não estar disponível no Brasil.
Os cientistas concluem que, até o momento, nenhum tratamento específico da Covid-19 se mostrou efetivo.
As entidades científicas afirmam também que, em um contexto como o atual, os recursos para enfrentamento da pandemia devem ser direcionados para intervenções médicas com maior certeza de benefício.
"Assim, pode ser visto até como questionáveis investimentos médico-assistenciais em terapias farmacológicas à luz do conhecimento atualmente disponível da Covid-19", diz o documento, salientando, porém, a importância do estímulo a protocolos de pesquisa em busca de respostas.
O governo brasileiro tem pago caro pela matéria prima da hidroxicloroquina. O valor do quilo pago atualmente é quase seis vezes superior ao praticado em 2019, de R$ 219,98 para R$ 1.304.
Mesmo sem evidências científicas de suporte, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) tem pressionado para uma utilização ampla da droga, inclusive para casos leves. A pressão levou à queda do ex-ministro Nelson Teich, que, após um ultimato do presidente por um protocolo de uso da droga para casos leves, afirmou que a mudança não era correta e não tinha amparo cientifico e pediu demissão.
Antes da saída de Teich, Bolsonaro havia dito que o protocolo atual do ministério -que avaliza o uso da hidroxicloroquina para casos graves e críticos- "pode e vai mudar".
Com a saída o ex-ministro, a pasta da saúde já sinaliza a mudança do protocolo, mesmo sem evidências científicas.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta