Atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) correm o risco de perder no mínimo parte do acompanhamento psicológico, social e econômico ao qual passaram a ter direito depois do acordo de reparação assinado pela mineradora em 2021.
A ameaça vem do corte de quase 50% nos recursos previstos para o primeiro semestre de 2023 para a atuação do Instituto Guaicuy, da Aedas (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social) e do Nacab (Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens).
As três entidades são as responsáveis por esse acompanhamento junto à população do total de 27 municípios impactados pela lama que vazou da barragem em 2019. O número de atingidos em acompanhamento ultrapassa 30 mil pessoas.
Os responsáveis pela administração dos recursos afirmam haver necessidade de redução no ritmo das despesas. Do montante de R$ 700 milhões previstos para dez anos, R$ 150 milhões (21%) já foram gastos em pouco mais de dois anos, segundo afirmam.
O trabalho de Guaicuy, Aedas e Nacab, que são chamadas de assessorias técnicas independentes (ATIs), consiste em contratar e colocar em campo agentes —assistentes sociais, psicólogos, ambientalistas— para fazerem o acompanhamento das condições de saúde e também socioeconômicas dos atingidos.
É apurado, por exemplo, se houve surgimento de doenças que podem ter relação com a lama.
Os agentes acompanham ainda o impacto econômico da tragédia nas famílias cujos integrantes tiveram que mudar de profissão, como ocorreu com pescadores.
Coube também aos agentes identificar poços artesianos que eram usados pelas famílias atingidas e que, depois da tragédia, ficaram inacessíveis.
Os contratados não fazem atendimento, mas apenas acompanhamento. Depois de identificados os problemas, as apurações são encaminhadas para as prefeituras e para as próprias instituições encarregadas da administração dos recursos que bancam o acompanhamento.
A partir daí, é definido se os atingidos terão que ser enquadrados em programas sociais de saúde e renda, além dos que já possam fazer parte.
Segundo dados repassados pelo Instituto Guaicuy, os recursos previamente acertados para o primeiro semestre de 2023 para as três entidades era de R$ 58,4 milhões. Com o corte, o valor ficou em R$ 30,2 milhões, redução de cerca 48,4%.
Pelo acordo, fechado com o estado e a União, os recursos são administrados pelo Ministério Público de Minas Gerais, MPF (Ministério Público Federal) e Defensoria Pública, que anunciaram a redução às entidades no mês passado.
Os valores estão dentro de um total de R$ 37,6 bilhões previstos no acordo para serem aplicados em reparação pela tragédia. A maior parte dos recursos repassados para as três entidades é utilizada para o pagamento dessas equipes de atendimento.
Os 27 municípios ficam ao longo da calha do rio Paraopeba, poluído pela lama de rejeito de minério de ferro, em sua extensão entre Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, e a barragem de Três Marias, na região central do estado.
O diretor do Instituto Guaicuy, Marcus Vinícius Polignano, afirma que, de imediato, o corte nos recursos implicará na redução de 190 para 140 no número de agentes que fazem o acompanhamento da população nas cidades sob responsabilidade da entidade.
"É um acompanhamento para garantir que a reparação seja feita. São pessoas que tiveram o modo de vida comprometido. Muitos perderam suas condições de subsistência", afirma Polignano.
No Nacab a redução do pessoal será ainda maior, passando de 110 para 10 agentes, segundo a reportagem apurou.
"O Nacab vê com preocupação o corte orçamentário apresentado, uma vez que afetará o direito das pessoas atingidas, considerando o forte comprometimento das ações da ATI devido à drástica redução do número de profissionais que o corte impõe", diz a entidade, em nota.
A Aedas não retornou contato feito pela reportagem. A ATI atua com 200 agentes para acompanhamentos dos atingidos.
Os Ministérios Públicos e a Defensoria Pública de Minas Gerais afirmam que o corte tem o objetivo de reduzir o ritmo de gastos para que seja possível cumprir o prazo de execução da reparação previsto no acordo fechado com a mineradora, que é de dez anos.
"Informamos que os orçamentos das assessorias técnicas independentes envolvidas no cumprimento do acordo judicial de reparação de Brumadinho foram ajustados, provisoriamente, a fim de compatibilizá-los com as estimativas de gastos com outras estruturas de apoio necessárias ao cumprimento do acordo", afirmam, em nota, o Ministério Público estadual e a Defensoria Pública.
"Essas estruturas incluem, entre outros custos, as auditorias socioeconômicas, financeira, inclusive a auditoria sobre o trabalho das próprias assessorias técnicas", diz o posicionamento.
"Além disso, há a necessidade de analisar planos de trabalho e gastos propostos para as atividades das assessorias na atual fase de cumprimento do acordo, já que os custos com a estrutura de apoio estão limitados a R$ 700 milhões, para utilização no período de dez anos, e os recursos excedentes retornam para a reparação das pessoas atingidas, circunstância que exige cautela na realização dos gastos", pontua a nota.
O procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva, coordenador da força-tarefa do MPF no caso Brumadinho, afirma que os gastos estavam altos e foi necessário um movimento para limitá-los.
Por outro lado, segundo o procurador, uma ação movida na Justiça pelos Ministérios Públicos e a Defensoria tenta fazer com que parte da reparação, a que se refere especificamente a danos econômicos aos atingidos, seja pago pela Vale, e não com o dinheiro do acordo fechado com a mineradora, conforme ocorre hoje.
"Se a decisão for favorável, os recursos para as ATIs serão maiores do que são atualmente", afirma o procurador.
A barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, rompeu em 25 de janeiro de 2019, provocando a morte de 270 pessoas, entre funcionários da mineradora, terceirizados e hóspedes de uma pousada na região.
A lama de rejeitos de minério de ferro que desceu da represa destruiu florestas, matou animais e poluiu o Rio Paraopeba em curso desde Brumadinho até Felixlândia, onde deságua na represa de Três Marias.
Das 270 vítimas da tragédia, três corpos ainda não foram localizados. A última identificação pela Polícia Civil de Minas Gerais ocorreu em 20 de dezembro de 2022, a da funcionária da Vale Cristiane Antunes Campos, que tinha 35 anos à época e era supervisora de mina.
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