Um juiz inglês do Tribunal Superior de Justiça em Liverpool começou a ouvir nesta quarta-feira (22) os motivos para seguir ou não com a ação movida contra a BHP, na Inglaterra, por cerca de 200 mil atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015.
Maior mineradora do mundo, a empresa anglo-australiana é uma das controladoras da Samarco, proprietária da barragem que rompeu deixando 19 mortos e despejando 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro no Rio Doce, atingindo 45 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo.
O processo na Inglaterra foi proposto no fim de 2018 pelo escritório PGMBM, que tem experiência em casos de ações coletivas e ambientais, especialmente nos Estados Unidos. A ação foi apresentada em Liverpool, mas está sendo discutida em Manchester, onde há salas maiores na corte.
As indenizações calculadas por eles para o caso brasileiro têm valor estimado em 5 bilhões de libras esterlinas (aproximadamente R$ 32 bilhões), a serem pagos a cerca de 200 mil atingidos, entre eles, 531 empresas, 25 municípios, três comunidades indígenas e a arquidiocese de Mariana.
"De acordo com a lei brasileira, indenizações têm que ser integrais. Neste caso, isso não aconteceu", explica Tomás Mousinho, sócio do PGMBM. "Ao ajuizar esta demanda na Inglaterra, buscamos retificar todas essas mazelas, proporcionando uma tutela jurisdicional célere, efetiva e legítima, que atenda aos direitos constitucionais das partes, e traga uma reparação integral aos danos causados".
Os autores da ação na Inglaterra alegam que a altura da barragem foi elevada na média de um metro por mês, em 2015, e pelo menos em três metros no mês que antecedeu o rompimento, com conhecimento e aprovação da BHP, mesmo já tendo sido alertado o risco de falhas na estrutura em relatórios de dois anos antes.
Eles questionam ainda o fato de nenhuma ação no Brasil envolver as controladoras da subsidiária BHP Brasil - a BHP Limited e a BHP PLC, mais altas no escalão do grupo de mineração, ainda que executivos da BHP estivessem no conselho da Samarco e tendo linha direta com o comitê gestor da BHP.
As audiências dessa primeira fase, que avalia se a Justiça inglesa tem jurisdição (competência) para seguir com o caso, irão durar oito dias úteis, com previsão de encerramento no dia 31 de julho.
Nesta quarta, primeiro dia, a audiência iniciou às 10h30, horário da Inglaterra, e seguiu até às 17h, com falas dos representantes da BHP. Nos próximos dois dias, devem seguir sendo ouvidas as argumentações da empresa.
Para Aline Cavalcanti, advogada interna da BHP, a ideia de que a Justiça inglesa pode ser mais célere que a brasileira é um mito, porque o processo na Inglaterra também levaria um tempo, discutindo questões complexas. Além disso, ela avalia que há o risco de decisões contraditórias em cima das mesmas questões.
"O fato aconteceu aqui, o cidadão mora aqui, a lei que rege é a daqui, mas curiosamente, quem julgou foi um juiz brasileiro para alguns temas e, para outros, foi um de outro país. Nosso argumento é de que o foro adequado e natural é a jurisdição brasileira", explica o advogado Werner Grau, que também representa a mineradora.
Nas argumentações, os advogados salientam ainda que há pelo menos duas ações coletivas ajuizadas em favor dos autores da ação inglesa, podendo beneficiar 99,9% deles - uma de valor estimativo de R$ 20 bilhões e outra de R$ 155 bilhões.
Eles também alegam que, no início de 2019, cerca de 75% dos autores diziam já ter recebido pagamentos da Renova e/ou ajuizado suas próprias ações no Brasil.
Considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, o caso é complexo, com um emaranhado de decisões judiciais, acordos e recursos e, para os atingidos, sensação de ter poucos avanços passados quatro anos e oito meses.
"O sentimento que nós temos é que muito pouco foi construído e o tempo está passando. Mariana tem uma medida compensatória até agora finalizada e várias em discussão, mas que não saem do papel. Quando saem, com custo muito mais alto do que se fossem executadas pelo poder Executivo", afirma o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (Cidadania).
Ele viajou à Inglaterra para acompanhar as audiências, representando os outros municípios que também fazem parte da ação. Mariana enfrentou perdas para o turismo, na arrecadação e com empregos depois do rompimento, lembra o prefeito.
Quatro meses depois do rompimento, um acordo entre a União e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo com as mineradoras (Samarco, Vale e BHP), o chamado TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta) definiu a criação de uma fundação encarregada da reparação de danos causados pelo rompimento - a Renova começou a operar em agosto de 2016.
Em 2018, foi homologado um novo termo, o TAC-Governança, alterando a estrutura de governança estabelecida pelo TTAC para a reparação dos danos e tentando corrigir a falta de participação dos atingidos nas discussões.
No início deste mês, a 12ª Vara Federal, em Belo Horizonte, teve três decisões sobre o caso. Em duas, o juiz Mário de Paula Franco Júnior definiu como valor mínimo de indenização, por danos morais e materiais, pagamentos entre R$ 23 mil e R$ 94 mil a trabalhadores de Naque (MG) e Baixo Gandu (ES), que tiveram renda comprometida depois do rompimento.
Na terceira, no dia 12, ele determinou que a Renova volte a pagar o auxílio financeiro emergencial a atingidos da bacia do Rio Doce, que teve suspensões e cancelamentos, de forma unilateral, sob alegação de fraudes e de que as condições ambientais para pesca e agropecuária retornaram.
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