SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No momento que avalia ser o de maior recrudescimento do racismo no Brasil desde a abolição, a filósofa e ativista Sueli Carneiro considera que as cotas raciais, política que completa dez anos em 2021, foram um dos principais remédios para combater as desigualdades no país.
Ela participou nesta quinta-feira (11) do seminário "Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios", no museu Afro-Brasil, no parque Ibirapuera, em São Paulo. O evento foi promovido pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas, formado por pesquisadores do tema.
"As cotas se constituíram num dos principais e mais exitosos remédios para enfrentamento das desigualdades de raça, gênero e social", disse Carneiro, que é também fundadora da Geledés - Instituto da Mulher Negra.
Para ela, nos últimos 40 anos, os movimentos negros foram capazes de uma série de conquistas, em especial com a consolidação das cotas raciais. No entanto, avalia que o país vive atualmente um momentos de aumento da violência e indiferença à população negra .
"O racismo e o sexismo recrudesceram na sociedade brasileira. A licença de matar, que o fascismo emergente na nossa sociedade, tem por alvo prioritário a negritude. Em nenhum outro momento da pós-abolição, o projeto de extermínio da nossa racialidade se tornou tão evidente no Brasil com tamanho apoio e indiferença social", disse.
A Lei de Cotas completa em 29 de agosto 10 anos de existência. O consórcio, que inclui especialistas de diversas universidades públicas --UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, Unicamp e Uerj--, foi criado para estudar de forma ampla as consequências e efeitos dessa política de inclusão.
O texto da lei prevê que ela seja revista após 10 anos de implementação. No entanto, o governo federal não apresentou nenhuma proposta para sua revisão até agora.
"A necessidade de revisão da lei não implica sua expiração, mas, sim, uma avaliação da política, o que poderia levar à sua melhora e fortalecimento", diz o sociólogo Luiz Augusto Campos, professor da Uerj e um dos acadêmicos que criaram o consórcio.
Campos lembrou que as cotas raciais já existiam em outras universidades do país antes da lei, mas que a política só foi expandida e consolidada a partir de 2012.
A Uerj, em 2002, foi a primeira instituição de ensino superior do país a ter reserva de vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas. Segundo dados do consórcio, em 2019, 105 universidades do Brasil tinham cotas raciais.
"É sem dúvida a maior e mais abrangente política de cotas, baseada em critérios sociais e raciais, de todo o mundo", disse Campos.
Segundo os dados apresentados pelo consórcio, de 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes.
Um levantamento feita pelo jornal Folha de S.Paulo mostrou que embora o ensino superior brasileiro ainda seja marcado por múltiplas desigualdades, inclusive raciais, a proporção de negros de 30 anos ou mais com diploma universitário se aproximou de sua representação populacional em 23 das 27 unidades da federação entre 2014 e 2019.
Carneiro, que é uma das principais pensadoras do feminismo negro, disse ainda que no atual cenário, é importante que as forças progressistas sejam intransigentes na defesa da democracia, condição indispensável para a promoção de ações para a igualdade de direitos.
"Queremos de volta aquela democracia de baixo impacto que, apesar dos pesares, nos garantiram avanços como a Lei de Cotas. Que a coragem demonstrada pela sociedade no dia de hoje nos inspire a defender essas conquistas", disse.
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