Às vésperas de apresentar formalmente o parecer final da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acabou isolado por colegas e foi acusado de vazar trechos do documento. O texto traz diversas acusações contra o presidente da República, Jair Bolsonaro.
Além de prever o indiciamento por homicídio diante do avanço da doença, que causou 600 mil mortes no Brasil, o documento diz que ele provocou um genocídio ao vetar ações para impedir entrada do vírus em aldeias indígenas. (Veja mais embaixo os cinco argumentos a favor dessa tese).
Uma ala de senadores atua para convencê-lo a retirar partes alvo de divergência do texto. Caso o relator não ceda, congressistas avaliam apresentar emendas.
O incômodo com Renan foi geral no chamado G7, grupo de sete senadores majoritário da CPI. O relator chegou a ser chamado de traidor pela suspeita de ter feito uma jogada política para expor trechos do texto e encurralar colegas que quisessem mudá-los.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), não quer mais conversas a portas fechadas sobre o relatório e afirmou nesta segunda-feira (18) que Renan deve manter "tudo aquilo que vazou".
Outra ala, porém, ainda busca consenso. Mesmo sem reuniões do G7 previstas, senadores querem conversar individualmente com Renan.
Há intenção de convencer o relator a mudar o texto antes de quarta-feira (20), mas a tendência é focar atenções na apresentação de emendas e sugestões após a apresentação à CPI.
Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por exemplo, são parte da ala que quer se reunir para discutir o teor do parecer e evitar que ele seja colocado em votação sem consenso.
O objetivo é evitar um fim traumático, com clima de guerra entre os senadores, em uma comissão que teve ampla repercussão e cuja maioria dos integrantes ditou o rumo dos trabalhos.
Já Aziz disse esperar que colegas apresentem sugestões, mas declarou que votará para aprovar o texto do relator. "Acho que deve manter tudo. Ninguém está pedindo nada a ele, o que queremos é acrescentar algumas coisas", afirmou, após se reunir com Humberto e Randolfe.
"A sugestão minha é que ele mantenha tudo aquilo que ele vazou. Para não ter dúvida sobre o nosso comportamento. Para não sair brincadeirinha, dizendo: 'Ah, o presidente [Jair Bolsonaro] ligou pro Omar'. Não ligou para mim", disse Aziz à imprensa.
1) Vacinação prioritária de indígenas
Esse público teve a inclusão no grupo prioritário após decisões da Justiça. Este fato é usado como argumento pelo senador Renan Calheiros, relator da CPI, para tese de genocídio contra Bolsonaro.
2) Uso de kit Covid e distribuição
Outra tese para genocídio usado no relatório é que houve a distribuição do kit Covid, composto por cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina aos indígenas mesmo após a falta de eficácia dessas medicações terem sido comprovadas. Cerca de 265 mil comprimidos foram entregues em aldeias de cinco Estados brasileiros.
3) Veto de Bolsonaro a plano emergencial com foco nos índios
Renan afirma em seu relatório que Bolsonaro vetou uma lei que reconhecia a fragilidade das comunidades indígenas diante da pandemia. A proposta previa acesso à água potável, itens de higiene e leitos de UTI para esse público.
4) Não demarcação de terras
O relatório ainda diz que o governo Bolsonaro se recusou a demarcar terras indígenas e que se recusou a garantir a proteção às terras dessas comunidades durante a pandemia da Covid-19. Renan diz, em um trecho, que o governo tratou o vírus como oportunidade.
5) Demora para atender a decisão do STF
Outra acusação contra Bolsonaro é a demora para produzir um plano de combate à pandemia, com uso de barreiras sanitárias e enfrentamento do vírus entre os indígenas.
Em cinco volumes a minuta do parecer de Renan que estava pronta na sexta-feira (15) pede o indiciamento de mais de 60 pessoas, entre elas filhos do presidente, ministros de Estado, integrantes e ex-funcionários do Ministério da Saúde e empresários. Desde segunda, no entanto, o texto ganhou mais suspeitos e chega a 71 possíveis alvos.
O texto atribui 11 crimes ao presidente, entre eles o de homicídio. Além disso, Renan propõe 17 projetos de lei ou mudança na Constituição, que incluem definir crime para punir a disseminação de fake news, hoje inexistente.
a ideia é sugerir pena de prisão de ao menos dois anos para quem distribuir notícias sabidamente falsas. As propostas vão tramitar direto no plenário do Senado, sem precisar passar por comissões temáticas, o que agiliza o processo.
Para Aziz, Renan vazou o relatório para constranger os colegas e não há mais clima para propor mudanças antes de o texto ser apresentado à comissão.
"Parece que a gente se entregou ao Bolsonaro [se pedir mudança], que está protegendo o filho do Bolsonaro. Por isso estou dizendo, onde ele está indo eu já voltei. É estratégia", disse Aziz.
O relator da CPI, porém, nega que tenha vazado o texto e disse que está aberto para qualquer alteração, desde que haja consenso no grupo majoritário da CPI.
"O relatório vazou e lamento que tenha vazado, mas eu achei até bom o resultado, porque antecipa publicamente um debate que era inevitável, insubstituível", disse Renan.
Aziz reagiu às falas de Renan minimizando a divulgação de trechos do parecer. "Acho que ele [Renan] não gostaria de que fizesse isso nas denúncias que fizeram contra ele", afirmou.
Inicialmente, estava previsto para esta semana o encerramento dos trabalhos da CPI da Covid, com a leitura do relatório final nesta terça-feira (19), com a votação do documento marcada para o dia seguinte.
No entanto, durante o fim de semana, vários senadores demonstraram insatisfação com o vazamento de alguns dos principais pontos do relatório final de Renan.
Um dos pontos de divergência é a proposta de indiciamento de Bolsonaro pelo crime de genocídio contra a população indígena.
Por causa dessas divergências, os senadores do grupo majoritário decidiram adiar a leitura e a votação do relatório final. A ideia é que Renan apresente e leia o parecer na quarta. A votação sobre o texto deve ser feita no dia 26.
Aziz disse que votará a favor do relatório de Renan, mesmo sobre trechos que já criticou, como sobre suposto genocídio indígena. Ele afirmou, porém, temer que o texto final seja frágil.
"Você tipificar uma coisa e essa tipificação cair no primeiro momento por falta de conteúdo é colocar tudo a se perder. Esse é o medo", disse. "Não adianta acusar de dez coisas, precisa te acusar de uma, bem feita, e você será condenado do mesmo jeito", disse o presidente da CPI.
Outra divergência diz respeito à inclusão de pedido de indiciamento de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) por improbidade administrativa.
Renan argumenta que o senador cometeu o crime ao levar o presidente da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, a um encontro com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano.
Para senadores, o trecho é frágil e pode facilmente ser derrubado em investigação do Ministério Público.
Nesta segunda, em um vídeo divulgado por seu gabinete, Flávio afirmou que a audiência pública da CPI da Covid com equipes médicas, pacientes e parentes de vítimas da pandemia é algo "macabro, triste e lamentável".
"Pessoas foram escolhidas a dedo para virem na CPI e falarem mal do presidente Bolsonaro. Pessoas com histórico de militância contra Bolsonaro vieram para cá com o compromisso de responsabilizar Bolsonaro pelas mortes dos familiares por causa da Covid e não do Bolsonaro. Isso é um desrespeito com quase 600 mil vítimas do Brasil", afirmou.
"A CPI está entrando para a história como algo que mancha a imagem do Senado e faz com que muitas pessoas olhem para cá com nojo", disse o senador.
Após audiência com parentes de vítimas da Covid, nesta segunda, o senador Humberto Costa fez uma fala emocionada e pediu para a comissão não se perder em "fogueira de vaidades".
Sem citar o relator Renan, o petista pediu que se reconheçam erros e se peça desculpas por eles. Mas Renan negou que haja mal-estar e afirmou que nem sequer recebeu queixas dos colegas.
A inclusão do pedido de indiciamento do ministro Braga Netto (Defesa) no parecer também gera divergências. Renan, porém, indicou que não deve retirar o nome e ainda citou que pode inserir o ministro Paulo Guedes (Economia) na lista de indiciados, se os colegas concordarem.
Já Aziz sugeriu que faltam argumentos para acusar o ministro.
No bastidor, assessores de Aziz disseram que não houve surpresa em relação à falta de debate sobre o relatório por parte de Renan. O sentimento é o de que o relator não soube trabalhar em grupo desde o início da CPI e, por isso, não seria diferente com o relatório final.
Por isso, Aziz disse que não irá propor alterações no texto e vai deixar que o relator assuma a culpa sozinho, caso o relatório fracasse. Ele também não quis se encontrar com Renan para falar sobre o texto já finalizado, e deixou o Senado no final da tarde desta segunda.
Também pesou na decisão de Aziz o cuidado de não dar margem para o discurso de que ele estaria aliviando para Bolsonaro, caso propusesse alterações no texto.
Isso porque os pontos em que o presidente do colegiado discorda de Renan são os que propõem penas mais duras contra o presidente, como por genocídio indígena e o indiciamento dos seus filhos.
Próximo depoimento
Previsão de leitura do relatório
Deve ocorrer nesta quarta-feira (20). Leitura foi adiada após vazamento de trechos do relatório.
Principais divergências
A CPI ainda tem algum poder após a apresentação o relatório final?
Não, pois a aprovação e o encaminhamento do relatório constituem a etapa final da CPI.
Como estratégia para acompanhar os desdobramentos das investigações da comissão, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que preside a CPI, e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentaram a proposta de criação de um grupo permanente, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia.
A iniciativa, porém, depende de aprovação no Senado
A quem o relatório é enviado?
Cada uma das conclusões do relatório pode implicar no envio para órgãos distintos. No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.
No caso de autoridades com foro, caso do presidente, esse papel é desempenhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR)
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