Com aulas suspensas e sem previsão de volta até o momento, escolas de educação infantil privadas têm recorrido a medidas como antecipação de férias, desconto na mensalidade e renegociação de aluguel para manter as atividades.
A situação é particularmente delicada no caso dos berçários, uma vez a escolarização, por lei, só é obrigatória a partir dos quatro anos de idade.
Escolas ouvidas pela reportagem relatam que alguns pais já as procuraram pedindo o cancelamento da matrícula. O número ainda é bastante minoritário no universo de alunos, mas o temor é que aumente diante de um período maior de suspensão das aulas.
A pressão dos pais por desconto nas mensalidades também é crescente, e ele tem sido concedido em algumas unidades, seja de forma geral, seja caso a caso, para as famílias mais afetadas pela paralisação da economia devido às medidas de contenção ao coronavírus.
Em regra, a maioria já cortou a cobrança de taxas como as de refeição, muitas fizeram o mesmo com taxas de cursos extras, e algumas já repassaram aos pais boletos com valores menores, prevendo já a economia com água e luz. Outras estudam fazer o mesmo.
O percentual de desconto com esses itens, no entanto, não costuma chegar a 10% da mensalidade. Isso porque diretores de escola são unânimes em afirmar que o que mais pesa no orçamento são folha de pagamento e aluguel, despesas por ora mantidas.
Para tentar reduzi-las sem demitir pessoal, muitas unidades têm negociado com os proprietários dos imóveis uma redução no valor cobrado.
É a opção tomada, por exemplo, pela Diko Pataka, no Brooklin (zona sul de SP), que também antecipou as férias de julho dos funcionários, tirou as despesas com cursos extras dos boletos de abril e negocia caso a caso com pais em maior dificuldade.
A mantenedora, Sílvia Helena Stellato, conta que houve alguma perda de alunos, mas muito pequena, concentrada no berçário e mais por temor dos pais de que os pequenos peguem doenças do que por razões financeiras.
Ela descarta demissões e diz que a fonte de recursos para cobrir os descontos, além das negociações com os fornecedores, terão que ser estudadas. "Nossa primeira preocupação foi não desamparar as famílias e tranquilizar os funcionários. O financeiro está vindo agora."
A margem de manobra é no orçamento de escolas de pequeno e médio porte, porém, é pequena.
Com unidades na zona norte, a Projeto Vida perdeu até o momento oito alunos. Como são mais de 300 no total, a saída não chegou a ter grande impacto financeiro por enquanto. "A gente morre de medo de isso aumentar", diz a mantenedora e diretora de educação infantil, Mônica Pedroni.
Ela conta que contas como as de água, luz e telefone não chegam a 1% das despesas mensais. O maior volume é destinado à folha de pagamento e aluguel. Por isso, ela tenta negociar o valor da locação e contratos com outros fornecedores, além de já prever uma redução das saídas pedagógicas dos alunos e do investimento em formação dos professores.
"A gente mandou um comunicado às famílias dizendo que todos perderemos", diz. "É um momento que envolve muita empatia. Felizmente a maioria dos pais tem esse olhar de solidariedade, mas alguns são mais hostis, como se a escola fosse responsável por esta situação."
Também no interior o peso de aluguéis e folha de pagamento é preponderante. Não chega a 5% do total, diz Maria de Fátima Pupo, diretora da Escola Infantil Girassol, de Jaú (SP).
Segundo ela, muitos pais têm pedido desconto por entender que o ensino remoto que está sendo oferecido não conta como dia letivo. Medida provisória editada pelo governo federal nesta semana, no entanto, permite que atividades a distância sejam computadas em toda a educação básica e não só no ensino médio, como prevê a lei.
A exemplo do que já haviam feito conselhos estaduais de Educação, como o de São Paulo, a medida provisória também dispensa as escolas de cumprir os 200 dias letivos previstos na legislação, mantendo apenas a exigência de 800 horas.
A incerteza sobre a duração do fechamento das escolas, no entanto, torna muito difícil definir de que forma essa carga será cumprida, diz Andrea Caram de Oliveira, diretora da escola Meu Castelinho, que tem unidades em Pinheiros e no Itaim Bibi (zona oeste).
Além de enviar atividades online, a escola planejava repor o tempo sem aulas presenciais antecipando as férias de julho para abril, o que foi feito, e posteriormente aumentando a carga horária diária e promovendo aulas no final de semana.
Essa conta, no entanto, só fecha se as aulas forem retomadas em maio, o que já parece incerto no cenário atual. Diante disso, e da crescente pressão dos pais por desconto na mensalidade, a escola tenta renegociar o aluguel e estuda quais gastos podem ser cortados.
"Não posso dar uma resposta impulsiva de desconto sem um estudo minucioso, senão vou comprometer algo importante. É um quebra-cabeça difícil de montar", diz Andrea.
A decisão de dar um desconto generalizado gerou uma reação que surpreendeu a direção da escola Pedrita, no Limão (zona norte de SP). A escola anunciou uma redução da mensalidade proporcional aos gastos com luz, água e alimentação -cerca de 8% no caso do período parcial.
Com duas filhas matriculadas, Tatiana Fuoco, 35, abriu mão da dedução no seu boleto. Ela explica a razão: "Sou funcionária de uma concessionária de energia. Meu marido trabalha com TI [tecnologia de informação] e está fazendo home office. Estamos em plena atividade. Se a escola não me der o desconto, será que não vai gerar um caixa que permitirá um desconto maior a famílias que tiveram a renda impactada?" A reflexão foi compartilhada e recebeu o apoio de outros pais.
No Rio, algumas escolas decidiram por dar descontos neste período. A Escola Eleva, com unidades na Barra da Tijuca e em Botafogo, vai abater 12% nas mensalidades a partir de abril, e diz, através de sua assessoria, que está conversando com os pais para suporte individualizado em casos de famílias que estão sendo economicamente afetadas pelo isolamento.
A Escola Parque, em que as mensalidades giram em torno de R$ 3.000 no ensino fundamental, está dando um desconto de 15% e os valores do contraturno para aqueles que frequentavam o período integral não estão sendo cobrados. O colégio Sarah Dawsey, com unidades na Barra da Tijuca, Ipanema e na Tijuca, na zona norte, com mensalidades em torno dos R$ 2.800, dará descontos a partir de 20%.
O colégio Objetivo da Barra terá 30% da mensalidade descontada, assim como a Escola Nova, na Gávea. Na Sá Pereira, de Botafogo, que oferece educação infantil e fundamental, está sendo dado um desconto de 30% sobre o valor do contraturno para os que frequentavam o ensino integral.
Na Assembleia Legislativa fluminense tramita um projeto de lei que obriga escolas e instituições privadas de ensino superior a darem desconto em suas mensalidades. O texto, dos deputados André Ceciliano (PT), Doutor Serginho (PSL) e Rodrigo Bacelar (Solidariedade), foi aprovado com emendas pela Comissão de Constituição e Justiça da casa nesta segunda (30).
O desconto previsto na lei seria de acordo com o número de alunos de cada escola, indo de 10% a 30%, sendo que aquelas que tenham menos de cem alunos estariam dispensadas da obrigação e os valores de atividades extracurriculares ou complementares devem ter um desconto de, no mínimo, 50%. Antes de ir a plenário, o projeto ainda precisa passar por outras quatro comissões.
Advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Igor Marchetti explica que os pais em todo o país podem demandar a planilha de custos da escola para discutir a possibilidade de desconto em caso de mudança de carga horária ou de ensino presencial para online.
Ele afirma que cancelamento de matrícula sem multa, no entanto, só é possível se houver falha na prestação do serviço ou se não forem dadas orientações sobre reorganização de aulas e mudanças na grade horária.
Já a Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgou nota técnica no dia 26 na qual diz diz não ver fundamento na solicitação de desconto pela impossibilidade de continuação das aulas ou pela realização delas a distância.
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