Crianças entre seis meses e dois anos, que ainda não têm indicação para a vacinação contra Covid-19 no Brasil, têm mais do que o dobro de risco de morte em relação à faixa etária entre três e cinco anos, para a qual a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou nesta quarta (13) o uso da vacina Coronavac (Butantan).
Enquanto o primeiro grupo de crianças responde por 36,4% das mortes e 43,9% das internações na faixa etária do zero aos cinco anos, o segundo grupo foi responsável por 14% e 22,4%, respectivamente, entre 2020 e 2021.
Os dados são do Observa Infância, projeto ligado à Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e que reúne informações do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais de Saúde. Em 2020 e 2021, os dois primeiros anos da pandemia, 1.508 crianças de zero a cinco anos anos morreram e outras 28.461 foram internadas por complicações da Covid. Metade dos óbitos (50,5%) e 33,7% das internações ocorreram entre bebês até seis meses de idade, para os quais não há indicação da vacina contra a Covid em nenhum lugar do mundo.
Ao menos 13 países já vacinam crianças menores de cinco anos contra a Covid-19. Em locais como Chile e Venezuela, a imunização é oferecida desde o fim de 2021 e, nas últimas semanas, Estados Unidos e Israel aprovaram a aplicação de doses a partir dos seis meses de idade.
No Brasil, até o momento, nenhuma farmacêutica solicitou autorização à Anvisa para uso da vacina a partir dos seis meses. Em nota, a Pfizer disse que "busca fazer a submissão à Anvisa o mais prontamente possível". A Zodiac, representante da Moderna no país, espera entregar a solicitação para usar seu imunizante em todas as faixas etárias, incluindo crianças de seis meses a cinco anos, no início de agosto.
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que é muito importante a liberação da vacina para as crianças entre 3 e 5 anos, mas é preciso que o Brasil avance para a vacinação a partir dos seis meses, que faixa etária que concentra ainda mais mortes e internações.
"É um avanço importante [a liberação do uso para a faixa etária dos três aos cinco anos] para a proteção das nossas crianças, mas ainda é insuficiente. A Argentina, nossa vizinha, já deve começar no final de julho a imunizar crianças a partir de seis meses. Precisamos avançar nessa direção também", diz Cristiano Boccolini, pesquisador do Observa Infância.
A Argentina já vacina crianças a partir de três anos e, segundo o Ministério da Saúde local, em 25 de julho o país receberá 1,4 milhão de doses para iniciar a imunização de crianças entre seis meses e três anos, e oferecer reforço para aquelas entre três e quatro anos. Para quem tem entre 3 e 17 anos, são aplicadas as vacinas Sinopharm e Moderna e os menores de três anos receberão doses da Moderna.
Renato Kfouri, presidente do departamento científico de imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), também defende a vacinação a partir dos seis meses. "O primeiro ano de vida é quando se concentra a maior gravidade dos casos das crianças. As vacinas da Pfizer e da Moderna têm registro nos Estados Unidos a partir dos seis meses e já começaram a ser utilizadas lá, a gente espera com muita ansiedade que sejam utilizadas aqui também", afirmou.
Embora o número de mortes de crianças até cinco anos represente apenas 0,22% do total de óbitos por Covid até dezembro de 2021 (668.074) no Brasil, a quantidade está muito acima em relação a outros países.
Os Estados Unidos, por exemplo, registraram 442 mortes entre crianças abaixo dos cinco anos por Covid até dezembro de 2021, ou seja, quase um terço do total de óbitos brasileiros. Os EUA têm 3,6 milhões de nascimentos por ano, enquanto o Brasil cerca de 2,6 milhões. "Estamos com número de mortalidade por complicações da Covid muito maior do que dados americanos e europeus e pior do que o México e a Argentina, países que têm níveis socioeconômicos semelhantes aos nossos", diz o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira Junior, gerente de qualidade do Hospital Infantil Sabará.
Segundo ele, a expectativa é que, com a ampliação da vacinação para as crianças abaixo de cinco anos, haja diminuição de mortes e de internações por Covid como ocorreu em outras faixas etárias. "Principalmente entre as crianças abaixo de um ano de idade, mesmo as saudáveis, há maior risco de complicações, elas fazem pneumonias virais mais graves e precisam de internação em UTI."
No Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), 186 dos 288 casos de internações de crianças e adolescentes por Covid neste ano se concentraram na faixa etária abaixo de cinco anos, a maioria (111) entre os lactentes (de 30 dias a dois anos incompletos)
Oliveira Junior explica que dificilmente haverá vacina contra Covid para as crianças abaixo de seis meses. O mesmo ocorre, por exemplo, com a imunização contra a gripe influenza. "Para essa faixa etária, a melhor estratégia é a vacinação da gestante porque tem passagem dos anticorpos [pela via placentária]."
Para o infectologista, porém, é importante não só avançar na vacinação para as faixas etárias menores como também reforçar a imunização das crianças entre 5 e 11 anos, que ainda não foram vacinadas por resistência dos pais. Nessa faixa etária, o percentual de vacinados com a primeira dose está em torno de 60%, e a segunda dose está estagnada em menos de 40%. "Precisamos entender o motivo dessa resistência e reforçar a importância do esquema completo para garantir uma proteção mais efetiva contra as formas mais graves. Os dados publicados não mostram mortes ou complicações relacionadas à vacina."
Ele lamenta o fato de que alguns pediatras, a despeito das evidências científicas sobre a segurança e eficácia da vacina, continuem não recomendando a vacinação, o que contribui para a hesitação dos pais. A vacinação de crianças e adolescentes é um tema sensível no governo Jair Bolsonaro (PL), que chegou a distorcer dados e desestimular a imunização infantil. O presidente até mesmo ameaçou expor nomes dos servidores da Anvisa que aprovaram o uso de vacinas da Pfizer nos mais jovens.
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