A crise gerada pela recente crítica do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao Exército aumentou a pressão da cúpula das Forças Armadas para que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deixe o comando da pasta ou se transfira para a reserva como forma de dissociar a imagem dos fardados do governo Jair Bolsonaro.
O militar indicou a aliados, porém, que não pretende antecipar sua ida para a reserva e que o presidente tem duas janelas no calendário da pandemia de Covid-19 para empossar um titular na pasta. A primeira, no fim deste mês. A segunda, em setembro.
Militares ficaram bastante incomodados ao ver respingar em suas fardas as críticas feitas por Gilmar.
No último sábado (11), o magistrado disse que o Exército, ao ocupar cargos técnicos no Ministério da Saúde em meio à crise do novo coronavírus, está se associando a um genocídio.
O Ministério da Defesa reagiu e encaminhou nesta terça-feira (14) representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ministro do STF.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, na notícia de fato, a pasta usa como argumentos artigos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal Militar - que em alguns casos podem alcançar civis.
A PGR vai avaliar a representação e decidir se o caso deve seguir ou se vai arquivá-lo.
Antes de mandar o pedido à Procuradoria, o Ministério da Defesa divulgou duas notas repudiando a declaração, assinadas pelo ministro Fernando Azevedo e Silva e os chefes das três Forças.
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, cobrou nesta terça um pedido de desculpas de Gilmar. "Com certeza, se ele tiver grandeza moral, ele tem de se retratar", disse em entrevista à CNN Brasil.
"Eu vi o cidadão Gilmar Mendes fazer uma crítica totalmente fora de propósito, ao comparar o que ocorre no Brasil com um genocídio. Genocídio foi cometido por Stálin contra as minorias russas, foi cometido por Hitler contra os judeus. Foi cometido na África, em Ruanda, e outros casos. [Por] Saddam Hussein contra os curdos. O ministro exagerou demais no que ele falou", afirmou o vice-presidente.
A nova cobrança feita por Mourão, que na véspera havia dito que Gilmar tinha errado "o tom" de sua crítica, foi uma resposta à insatisfação dos militares com o ministro, mas também com o próprio vice-presidente.
Mourão teria sido suave demais com Gilmar, na opinião dos comandantes militares, que também não se sentiram atendidos pela nota do ministro do STF que reiterou as críticas.
A queixa central dos militares e de Azevedo é o uso por Gilmar da palavra genocídio, que é um crime.
Interlocutores do ministro do Supremo tentaram convencê-lo a pedir desculpas pelo termo, mas ele tem dito que não buscou imputar crime a ninguém, muito menos à instituição Exército.
Integrantes do governo e do Judiciário entraram em campo para evitar a escalada da crise para algo grave, mas o impasse permanece.
O presidente do STF, Dias Toffoli, de quem Fernando Azevedo já foi assessor direto, tem buscado acalmar os ânimos, mas os militares não aceitam nada além de uma retratação.
Aliados de Gilmar Mendes na corte, por outro lado, consideram que sua explicação e sustentação das críticas à militarização da pasta da Saúde já seriam suficientes, e mais do que isso pode implicar submissão de um Poder a outro.
Para o ministro, as forças estão numa posição frágil por estarem expostas a críticas enquanto Pazuello, que está na ativa, for ministro da Saúde e a pasta estiver repleta de militares.
Nesta terça (14), Gilmar divulgou nota na qual reafirmou "o respeito às Forças Armadas brasileiras", mas conclamou a que se "faça uma interpretação cautelosa" do momento atual. Gilmar ainda afirma que não atingiu a honra do Exército nem da Marinha nem da Aeronáutica.
"Apenas refutei e novamente refuto a decisão de se recrutarem militares para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros."
Ele disse a aliados que decidiu falar para explicar o contexto em que se deu sua declaração, que deu voz ao que os militares mais temiam.
Desde que Pazuello foi oficializado como ministro interino da Saúde, em 3 de junho, a cúpula das Forças Armadas defendia que ele saísse assim que possível para não confundir o papel dos militares da ativa com a política - o que considera que é inevitável no cargo de ministro, ainda mais agora, durante a pandemia. O próprio Azevedo já disse isso a pessoas próximas.
De acordo com um militar próximo a Pazuello, o ministro interino diz internamente que está em Brasília apenas cumprindo uma missão, mesmo discurso que sustenta desde 22 de abril, quando foi anunciado como secretário-executivo da Saúde.
Ele fora convocado por Bolsonaro para organizar o ministério para Nelson Teich, então ministro da Saúde que deixou o cargo em 15 de maio, menos de um mês após assumir o posto de Luiz Henrique Mandetta.
O general diz a aliados que nunca discutiu sua efetivação no ministério e que só teria de ir para a reserva em março de 2022. Por isso, não tem qualquer intenção de deixar a ativa.
Terminado o trabalho na Saúde, ele afirma a pessoas próximas que quer voltar a comandar a 12ª Região Militar, no Amazonas.
Em condição de anonimato, um militar ouvido pela reportagem diz que Pazuello vê duas janelas em que Bolsonaro pode querer encerrar a missão e trocá-lo.
A primeira seria no final de julho, com o ministério já reestruturado e com os casos no centro-norte do país em queda.
A segunda seria entre o fim de agosto e setembro, quando espera-se que os números no centro-sul do país, hoje em ascensão, comecem a cair.
Até lá, diz este militar ligado ao general, Pazuello procura dar sinais de que ignora a pressão que vem sofrendo.
Diante da crítica de Gilmar sobre a presença de militares em cargos técnicos, o ministro interino argumenta aos seus que, dos cerca de 5.470 funcionários da Saúde, apenas 15 são militares da ativa, sendo ele e outros três em função de comando.
Além disso, ele tem sido defendido publicamente por Bolsonaro.
Na live que fez em 25 de junho, o presidente disse que seu interino vem fazendo uma gestão "excepcional" e que, mesmo não sendo médico, "está com uma equipe fantástica".
"Sabemos que muitos querem que a gente coloque lá um médico, agora um médico dificilmente é gestor. Se aparecer um médico gestor, a gente conversa com o Pazuello e vê como fica", disse no mês passado.
Em 7 de julho, quando anunciou estar com Covid-19, Bolsonaro voltou a elogiá-lo, mas ponderou que Pazuello não deveria, de fato, ser efetivado.
"É um nome que não vai ficar para sempre. Está completando três meses como interino. Já deu uma excelente contribuição para nós", afirmou.
No Palácio do Planalto, um auxiliar de Bolsonaro diz, também sob anonimato, que a ausência de um titular em uma pasta como a Saúde incomoda, mas que o presidente não pode errar novamente, como aconteceu tanto na Saúde como na Educação.
Esse assessor palaciano afirma também que Pazuello está sob os holofotes, mas a crescente pressão para que não haja militares na cúpula do governo é mais ampla e tem como alvo o almirante de esquadra Flávio Augusto Viana Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos e homem cada vez mais próximo de Jair Bolsonaro.
Foi dele, por exemplo, a indicação de Carlos Alberto Decotelli para o Ministério da Educação. O indicado, no entanto, não chegou a tomar posse por causa de inconsistências apontadas em seu currículo.
Esse auxiliar pondera que, enquanto Pazuello é interino, Rocha é titular. O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, entregou no início de julho uma carta em que pede a antecipação de sua ida para a reserva, o que só aconteceria em dezembro de 2021.
A oficialização desta transição deve ser publicada no Diário Oficial da União ainda nesta semana.
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