De casa para um dos locais em que trabalha, Aline Sampaio precisa pegar dois ônibus. Ao todo, o trajeto pode demorar até duas horas ela mora no Tucuruvi, zona norte de São Paulo, e seu destino final varia entre Cambuci e Interlagos.
Cuidadora de idosas, uma de 87 e outra de 93 anos, sua rotina mudou desde o início da pandemia. Antes, ela trabalhava 24 horas e folgava nas 24 horas seguintes; agora, para evitar o entra e sai da casa, o turno passou para 48 horas e descanso nas outras 48 horas.
Não foram apenas os horários de plantão que mudaram na vida de Aline. Uma vez de volta para o seu lar, ela relata que não abraça mais a mãe, fica dentro do quarto na maior parte do tempo e as duas evitam se aproximar.
Contratada por meio da agência Duana Cuidadoras, no início da pandemia ela podia usar aplicativo de transporte privado. Agora, só em casos de extrema necessidade, já que os horários dos profissionais foi ajustado.
A dona da empresa, Vanderlea Monteiro, conta que, além da mudança nos horários, casas que recebiam até quatro cuidadoras na semana dispensaram algumas delas.
Cuidadores são indispensáveis para idosos que, devido à idade, apresentam limitações e precisam de auxílio para se alimentar, tomar banho e trocar de roupa. Profissionais da área relatam que têm regrado os hábitos desde o início da quarentena a fim de evitar que seus pacientes e familiares sejam infectados.
"Já somos paranoicos com os cuidados de higiene necessários. Agora, é como se eu tomasse banho de álcool em gel", diz Aline que no início da pandemia teve crises de ansiedade.
Ela relata que uma de suas pacientes consegue andar sozinha, mas tem problema de audição. Por isso, para evitar o toque, ela usa máscara e dá as coordenadas falando mais alto.
Ela conta que os filhos de uma de suas pacientes pedem para que ela evite que ela ouçam noticiários, para não assustá-la. O mesmo acontece na casa de repouso em Natal (RN) em que Ana Carla Silvestre trabalha. "Aqui, a televisão fica só ligada no desenho animado e nas missas", conta ela.
Outra mudança foi a proibição das visitas das famílias nas casas de repouso. Como alguns não sabem o que está, de fato, acontecendo no mundo, acabam se sentindo abandonados.
"Se até a gente que é lúcido algumas horas perde a paciência com o isolamento, imagina para eles que moram longe dos familiares", afirma Silvestre, que está no ramo há 12 anos.
Silvestre cuida da mesma paciente há cinco anos e estava terminando o curso de técnica de enfermagem. Porém, as aulas foram interrompidas devido à pandemia do coronavírus. Em casa, ela mora com o filho e com a irmã e afirma que eles também têm respeitado a quarentena.
Ela conta que, onde trabalha, é recomendado que o profissional falte caso apresente qualquer sintoma, mesmo que dor de cabeça. "É até uma questão de respeito com as pessoas que trabalham aqui", conta ela.
Também de Natal, Lazaro Melo é técnico de enfermagem e trabalha como cuidador há seis anos. Durante a pandemia, ele relata que uma das coisas que mudaram foi que a Cuidare, empresa para qual ele trabalha, recomendou que os funcionários não façam trabalhos extras e restrinjam os cuidados a apenas um idoso.
Melo conta que sempre tomava banho ao chegar na casa do paciente e lavava frequentemente as mãos, mas agora os cuidados foram redobrados, como o de ter um par de calçados apenas para ser usado dentro da residência.
O banho e troca de roupa ao entrar na casa é um hábito relatado por todos os profissionais ouvidos pela reportagem. O geriatra do hospital Oswaldo Cruz Sergio Colenci recebeu muitas dúvidas de filhos de idosos que dependem de cuidadores sobre como proceder durante a pandemia.
"Muitos optaram por assumir o papel ou diminuir a equipe de cuidados, o que, claro, gerou uma sobrecarga física e psíquica", conta o médico.
Ele diz que suas recomendações são, basicamente, lavagem de mãos e antebraço, banho sempre que possível, troca de roupa e uso de máscara pelo menos quando o profissional estiver no mesmo cômodo que o paciente.
Outra indicação do médico é que os funcionários evitem o uso de acessórios, como colares, brincos, anéis, piercings e relógios, pois, segundo ele, são difíceis de higienizar.
Uma cartilha da Fiocruz com orientações a cuidadores de pessoas idosas durante a pandemia também recomenda que os profissionais usem os cabelos presos, além de orientar que o funcionário utilize o transporte público em horários que não os de pico.
A entrada e saída de cuidadores foi uma grande preocupação para alguns dos familiares dos pacientes do geriatra do HCor Daniel Apolinario.
"Houve famílias que propuseram que os cuidadores passassem a morar lá, mas isso, claramente, não deu certo. A pessoa precisa voltar a sua casa", conta o médico.
Ele relembra um dos casos mais extremos que ele soube foi do filho de um idoso que tentou implementar "o que ele chamou de Arca de Noé, ou seja, ninguém sairia da casa e nem entraria". A medida, claro, não deu certo.
"A pessoa precisa entrar e sair, não tem jeito. Não há outra possibilidade de rotina", disse Apolinario. Além das recomendações citadas por Sergio Colenci, Apolinario complementa com outras possíveis medidas, como deixar o ambiente mais arejado, com janelas abertas sempre que possível.
Para os idosos que precisam de cuidados mais íntimos, Apolinario indica o uso de luvas e aventais descartáveis. Ele também cita que, caso o funcionário tenha qualquer sintoma, não deve ir para o trabalho. "Isso é um grande problema para as famílias que não costumam ter um segundo cuidador, mas isso não dá para flexibilizar e é preciso ser muito rigoroso."
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