Em um período de 16 dias, o presidente Jair Bolsonaro fez três pronunciamentos simbólicos durante a crise do coronavírus. Nos dois primeiros, ele foi do tom irônico, referindo-se à covid-19 como "gripezinha ou resfriadinho", ao reconhecimento da gravidade da situação "estamos diante do maior desafio da nossa geração", disse, no segundo discurso, em 31 de março.
Veja uma comparação entre os três momentos.
Antes de entrar em choque com o titular da pasta e avaliar demiti-lo, o presidente chegou a elogiar Luiz Henrique Mandetta no pronunciamento. "Nosso ministro da Saúde reuniu-se com quase todos os secretários de Saúde dos estados para que o planejamento estratégico de enfrentamento ao vírus fosse construído e, desde então, o doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de possíveis vítimas"
Jair Bolsonaro afirmou que o governo colocou em prática o plano de combate à pandemia "quase contra tudo e contra todos", incluindo a imprensa. "Grande parte dos meios de comunicação foi na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália [então epicentro da pandemia]
Temendo o efeito da paralisação das atividades na economia, o presidente defendeu e segue defendendo que "nossa vida tem que continuar", o que vai contra a recomendação dos órgãos de saúde. "Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemo, sim, voltar à normalidade", afirmou. Bolsonaro criticou, ainda, governadores e prefeitos por impor quarentenas. "Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa"
Começa a ganhar força, na administração da crise pelo governo, o que Bolsonaro chama de isolamento vertical, ou seja, o confinamento apenas de grupos de risco. No pronunciamento, o chefe do Executivo se opôs ao cancelamento de aulas, por exemplo. "O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine."
O pronunciamento teve momentos em que Bolsonaro usou da ironia. Após criticar a imprensa, por exemplo, chegou a parabenizá-la por uma suposta mudança editorial. "(...) Percebe-se que, de ontem para hoje parte da imprensa mudou seu editorial: pede calma e tranquilidade. Isso é muito bom, parabéns imprensa brasileira"
E evocando seu "histórico de atleta", o presidente disse que, se fosse contaminado, "nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho"
O medicamento, uma das obsessões do presidente durante a pandemia, também ganhou espaço no pronunciamento. "O FDA [órgão de controle de medicamentos] americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite." Por ora, não há estudos que comprovem a eficácia da substância no tratamento do coronavírus
Retomando o início do discurso, disse que, "sem pânico ou histeria", "venceremos o vírus e nos orgulharemos de estar vivendo nesse novo Brasil, que tem tudo, sim, tudo para ser uma grande nação"
No discurso de pouco mais de cinco minutos, Bolsonaro citou Deus em dois momentos. Primeiro, quando falou sobre a busca de um medicamento contra o coronavírus: "Acredito em Deus, que capacitará cientistas e pesquisadores do Brasil e do mundo na cura dessa doença". Por último, ao fechar o pronunciamento, pediu que "Deus abençoe a nossa pátria querida".
Logo no início do pronunciamento, o presidente reconheceu a gravidade da crise, uma semana após se referir à covid-19 como "gripezinha ou resfriadinho". (...) Agora estamos diante do maior desafio da nossa geração". A ironia de antes não deu as caras
O ataque a governadores e prefeitos deu lugar a um pedido por união durante a crise. "(...) Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto para a preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade", disse.
Em diversos momentos do discurso, o presidente voltou a criticar, desta vez indiretamente, o isolamento social. "Minha preocupação sempre foi salvar vida, tanto as que perderemos para a pandemia quanto aquelas que serão atingidas pelo desemprego, violência e fome", afirmou, no começo do pronunciamento.
Mais adiante, disse não negar a "importância das medidas de prevenção e controle" da pandemia", mas que também é preciso "pensar nas [pessoas] mais vulneráveis". "O que será do ambulante, do vendedor de churrasquinho, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro e dos outros autônomos com quem venho mantendo contato durante toda minha vida pública?", acrescentou.
A crítica mais explícita às quarentenas impostas nos estados veio perto do fim, quando Bolsonaro disse que "o efeito colateral das medidas de combate ao coronavírus não pode ser pior do que a própria doença".
O presidente admitiu não haver vacina ou "remédio com eficiência cientificamente comprovada", mas disse que a hidroxicloroquina parece "bastante eficaz".
Diferentemente do discurso anterior, Bolsonaro usou o tempo na TV para listar ações do governo de combate à crise. Entre elas, a aquisição de novos leitos com respiradores, equipamentos de proteção individual e kits para testes.
No campo econômico, citou a ajuda financeira a estados e municípios e o auxílio mensal de R$ 600 para trabalhadores informais.
O presidente voltou a criticar, indiretamente, as quarentenas impostas por governadores e alfinetou os comandantes dos estados, dizendo que o governo federal "não foi consultado" sobre a amplitude dessas medidas. Afirmou, ainda, ter certeza que "a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar".
O remédio também retornou ao discurso. O presidente disse ter conversado com o cardiologista Roberto Kalil Filho, que admitiu ter tomado o remédio, além de ter tratado pacientes com a substância. O chefe do Executivo elogiou o médico: "Decisão poderá entrar para a história com tendo salvo milhares de vidas".
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