Apesar dos recentes atritos entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e as forças-tarefas da Lava Jato, a debandada dos procuradores da operação em São Paulo aconteceu devido a um conflito interno do Ministério Público Federal no estado.
Os oito procuradores que trabalham nos casos ligados à operação afirmam que uma colega tem prejudicado os trabalhos do grupo, mesmo sem fazer parte da força-tarefa. Por esse motivo, eles pediram em ofício na terça (1) para se desligarem da Lava Jato.
A decisão não foi tomada por impulso, mas ponderada nas últimas semanas. Com a renúncia coletiva, eles tentam abrir a possibilidade de que as investigações saiam do alcance dessa procuradora e que, eventualmente, membros do grupo atual possam retomá-las mais à frente.
Em ofício enviado ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, a Lava Jato paulista deixa claro que se coloca "a serviço de uma eventual nova formatação -não marcada pelos problemas ora expostos- que permita dar continuidade aos trabalhos que até então vinham sendo conduzidos".
"Ao fim e ao cabo, a força-tarefa ainda tinha muito a produzir, em frentes de investigação de enorme importância, envolvendo, por exemplo, corrupção em grandes obras (como em diversas linhas do Metrô de SP e nos trechos Sul e Norte do Rodoanel), setores do sistema financeiro e milionários esquemas de lavagem de dinheiro, tanto no Brasil quanto no exterior", disseram.
Os "problemas ora expostos" são atritos com Viviane de Oliveira Martinez, que passou em um concurso interno em março e assumiu o setor responsável pelas investigações da Lava Jato (chamado de 5º Ofício), antes ocupado pela ex-coordenadora da operação Anamara Osório, que foi promovida para Brasília no ano passado.
Ao contrário de outros responsáveis por setores do Ministério Público Federal que tocam a Lava Jato, como é o caso de Eduardo El Hage no Rio e até a semana passada de Deltan Dallagnol em Curitiba, Viviane não quis ser a coordenadora da força-tarefa -e nem sequer fazer parte da equipe.
No entanto, ao assumir o posto, ela se tornou responsável oficial pelas investigações, mesmo que não atuasse nelas diretamente.
A força-tarefa diz que ela assumiu o 5º Ofício em março sob a afirmação de que iria continuar a trabalhar em seus outros casos e que não se interessou em saber quais as linhas investigativas da operação.
Segundo o grupo, ela não participou de audiências, de reuniões com advogados, com delegados da Polícia Federal e com delatores.
Contudo, apesar dessa autonomia inicial dada para os oito integrantes tocarem todas as ações da operação, nos meses seguintes, diz a força-tarefa, Viviane passou a interferir nos trabalhos.
Segundo eles, mesmo sem consultar os integrantes da Lava Jato, Viviane começou a retirar investigações do 5º Ofício e enviar para serem sorteadas dentro da área criminal do Ministério Público Federal.
A primeira insatisfação pública de Viviane com a força-tarefa aconteceu em maio, quando ela enviou um ofício para a PGR questionando o volume de investigações da Lava Jato que eram encaminhadas para o setor.
"A FTLJ-SP [força-tarefa], se continuar vinculada ao 5º Ofício Criminal da PRSP [Procuradoria da República], fará com que o acervo cresça em progressão geométrica e, considerando-se que ele também cumula o recebimento normal da distribuição da PRSP, daqui a pouco minha atuação estará inviabilizada", disse a procuradora.
"Estou me responsabilizando pessoalmente pela atuação de mais oito colegas, cujo ritmo de trabalho é difícil acompanhar, dificuldade essa que é agravada pelo nível de sigilo que se impõe à atuação deles", afirmou Viviane.
O ápice dos problemas, dizem eles, foi quando Viviane tentou atrasar a investigação que culminou na Operação Revoada, em 3 de julho, contra o ex-governador e atual senador José Serra (PSDB-SP), à espera da criação da Unac (Unidade Nacional Anticorrupção, modelo que vincularia as forças-tarefas à PGR).
"A procuradora Viviane considerou razoável postar por quase dois meses o protocolo de pedidos investigatórios pertinentes a uma operação de maior relevo (...) apenas na expectativa (...) de uma decisão da cúpula da instituição fazer com que este caso deixasse de ser de sua atribuição", afirmou a força-tarefa.
O atrito levou ao corte de toda a comunicação no último mês entre a força-tarefa e Viviane. Agora, com o anúncio da saída dos oito procuradores da Lava Jato, internamente tem se discutido algumas possibilidades para o destino das investigações.
A primeira seria que houvesse uma troca -chamada "permuta"- entre Viviane e um procurador responsável por outro ofício.
Seria um processo parecido com o que aconteceu com Deltan Dallagnol e Alessandro Oliveira, o novo coordenador da Lava Jato de Curitiba. Em São Paulo, isso foi tentado, mas sem sucesso.
A segunda possibilidade seria que a Corregedoria do Ministério Público Federal determinasse a redistribuição das principais investigações da Lava Jato para outro ofício. Com isso, membros da atual força-tarefa poderiam ser convidados a retomar o trabalho nesse novo setor.
Há, ainda, a hipótese de que a própria Viviane proponha a criação de uma nova força-tarefa, com outros integrantes, após a saída dos membros atuais.
Nesta quinta (3), o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, solicitou de Viviane, da chefia do MPF-SP e da Corregedoria que adotem providências que impeçam a descontinuidade dos trabalhos, "até mesmo pelo risco de prescrição, que é permanente em matéria penal".
Apesar da debandada dos procuradores, uma denúncia contra Paulo Vieira de Souza, o suspeito de ser operador do PSDB conhecido como Paulo Preto, divulgada nesta quinta (3) tinha a assinatura de Viviane.
A reportagem procurou Viviane Martinez para comentar as menções a ela feitas pela força-tarefa da Lava Jato, mas ela não se manifestou.
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