A decisão do Ministério da Saúde de alterar a divulgação e retirar dados do total acumulado de casos e mortes pela Covid-19 de plataformas nas últimas semanas foi "inútil" e só serviu para enfraquecer a pasta, afirmou nesta quinta-feira (25) o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich.
Teich participou da série de lives Ao Vivo em Casa, feita pela Folha de S. Paulo durante a pandemia.
Em entrevista, ele afirmou que não há como esconder os dados.
"A discussão de botar dado acumulado e não botar, aquilo é inacreditavelmente inútil", disse. "Quando o ministério toma aquela atitude, traz uma percepção muito ruim. Não tem como esconder os dados, porque não eram do ministério, eram de Estados e municípios", afirmou.
Para ele, porém, o maior problema causado pela decisão foi de "imagem e não de informação", já que outros meios se organizaram para fornecer os dados em pouco tempo.
"Não teve 24h de quebra, e não fez a menor diferença. Qual foi a maior diferença que isso fez: a credibilidade do ministério. O grande problema foi de imagem, e não de informação", disse.
A situação, diz, levou as pessoas a questionarem a legitimidade da liderança e coordenação da gestão da pandemia.
"E a liderança e coordenação não pode ser questionada, porque é do ministério. Quando enfraquece [essa liderança], é ruim para todo mundo. E foi um erro, porque enfraqueceu", disse.
Questionado, ele negou que tenha sofrido pressão semelhante para mudança na divulgação dos dados enquanto esteve no cargo, o qual deixou em 15 de maio.
Na gestão de Teich, porém, a pasta reduziu a divulgação de dados negativos e passou a dar maior ênfase no total de recuperados. Também retirou dados que apontavam cenários de atenção, alerta e emergência conforme níveis de incidência de casos nos Estados, os quais até então eram de divulgação diária.
"Essa questão dos Estados poderia realmente ter sido mantida. Mas nunca houve uma intenção de esconder nada", afirmou, ao ser questionado.
Segundo ele, a ideia era passar uma explicação melhor "que não só a evolução numérica".
O ex-ministro disse ainda ter decidido deixar o cargo para evitar novos atritos com o presidente Jair Bolsonaro, que naquele momento pressionava pela ampliação da oferta de cloroquina para pacientes com casos leves da Covid-19, mesmo sem evidências de eficácia.
"Eu tinha uma forma [de lidar], ele tinha outra, e como ele foi eleito, então saio eu. Não teve briga, discussão, foi uma conversa."
Para ele, porém, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deveria rever sua posição sobre a possibilidade de que médicos prescrevam o medicamento, indicado originalmente para malária, também para casos de Covid-19 fora de estudos clínicos.
"O CFM tem que se posicionar e rever a conduta dele, porque acaba validando isso", afirmou.
Ele lembra que uma das poucas drogas que teve resultados mais positivos em estudos iniciais até agora foi o remdesivir. "E o problema é que aparentemente a hidroxicloroquina diminui a atuação do remdesivir. Quando você tem essas situações e o CFM autoriza, para o leigo fica difícil, que pensa: por que o ministro está certo? Tem tanta coisa que fala contra."
Além da falta de comprovação científica, a oferta leva a um desperdício de recursos, aponta. "Quando uso remédios que não tem comprovação, gasto em uma coisa e não em outra", disse. "E em uma situação em que gasto muito dinheiro, não posso gastar mal."
No encontro, Teich poupou críticas ao presidente, mas afirmou concordar que ações feitas por ele que contrariam recomendações de isolamento social e uso de máscaras passam uma "imagem ruim".
"Quanto mais igual é a mensagem, melhor ela é", disse ele, que completou: "Mas nunca vi ninguém falar que estava fazendo alguma coisa por causa do presidente."
Para ele, outros fatores precisam ser considerados. "Será que a pessoa tem problema de dinheiro e precisa sair, de depressão grave e precisa sair?"
"Quando você acha que as pessoas estão saindo porque o presidente não está usando máscara, não nego que não é o ideal, mas minha preocupação é: será que isso é capaz de mudar o comportamento tanto assim ou tem alguma coisa acontecendo na sociedade?", afirmou ele, que diz ter iniciado enquetes para saber a avaliação das pessoas.
Questionado, ele negou que fosse tutelado no cargo pelo então secretário-executivo, Eduardo Pazuello [hoje ministro interino], situação apontada por secretários de saúde. "Ele nunca teve mais poder do que eu."
"Se ele não tivesse sido indicado pelo presidente e eu tivesse não tivesse aceitado, e fosse uma coisa imposta, ou ficava ele ou ficava eu. Eu não ficaria", disse. "Ele nunca foi ministro comigo. Nunca dividi o poder e importância do cargo com ele."
O ex-ministro evitou comentar sobre a entrada maciça de militares no ministério sem experiência em saúde. "Não vou julgar. Na época em que eu estava as pessoas me davam suporte na área em que estavam [na secretaria-executiva], mas não era uma área técnica, que ficou preservada", disse.
Ainda segundo Teich, não é possível saber por quanto tempo vamos conviver com o novo coronavírus e gestores precisam saber como lidar com incertezas.
A epidemia, porém, deixa a mensagem de que o sistema de saúde precisa ser reestruturado.
"A Covid mostrou as fragilidades do sistema, e uma delas é a necessidade de informação", afirma. "Não dá para esperar o tempo passar para estruturar o que deve ser feito. Se existe um problema de falta de liderança e coordenação, isso não vem de hoje."
Ainda segundo Teich, o governo pode ter fechado tarde as fronteiras para impedir a disseminação do vírus.
"O primeiro caso [de Covid] foi na quarta-feira de Cinzas. Se pegar os dados de mortalidade, tudo sugere que a mortalidade começou a aumentar em março. Provavelmente devemos ter tido uma influência grande do Carnaval e de talvez ter fechado tarde a fronteira", disse. "Não estou dizendo que é o caso, mas ali começamos a desenhar a evolução da Covid no Brasil."
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