Conteúdo investigado: Publicação utiliza declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, feita durante um evento destinado a presidentes de tribunais de Justiça brasileiros, para acusar crime de responsabilidade por parte do ministro. O post insinua que ele havia exercido atividade político-partidária e deveria sofrer impeachment.
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Conclusão do Comprova: É enganoso que a fala do ministro Luís Roberto Barroso sobre o Judiciário ter se tornado um poder político no Brasil tenha cunho “político-partidário”, o que a qualificaria como crime de responsabilidade, conforme prevê o artigo 39 da Lei 1.079, de 1950. Sendo assim, Barroso não pode sofrer impeachment, diferentemente do que sugere o post. Especialistas consultados pelo Comprova entendem que o ministro não atuou em defesa de nenhum partido nem teceu críticas ou desaconselhou quaisquer grupos políticos, atividades que são consideradas de natureza política.
A declaração foi feita durante a abertura do 7º Encontro do Conselho de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil (CONSEPRE), evento realizado entre os dias 5 e 7 de julho de 2023, em Porto Alegre (RS). Na ocasião, o ministro palestrou sobre o tema “Os desafios do Poder Judiciário no Brasil”.
Em um de seus apontamentos, Barroso disse que, há algum tempo, o Judiciário deixou de ser “um departamento técnico especializado, e passou a ser um poder político na vida brasileira”.
A fala tinha como objetivo explicar que houve mudança na natureza do papel do Poder Judiciário, como menciona o próprio presidente do STF.
Para entender melhor o teor da declaração, o Comprova consultou o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Legislação, Doutrina e Jurisprudência da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte (OAB/RN), Vladimir França, que avaliou que Barroso expôs uma visão própria de que o Judiciário substitui o Legislativo e o Executivo quando entende que há omissão nas ações de um destes dois Poderes junto à sociedade.
“Barroso é um jurista que segue a linha teórica de que o Judiciário deve ser visto também como um poder político e é somente isso que ele expressa com a frase”, explicou o advogado. Segundo França, portanto, não é possível acusar crime com base na fala.
O especialista em Direito Eleitoral e professor da Escola Paulista de Direito (EPD), Alberto Rollo, compartilha de análise semelhante. De acordo com ele, com a declaração, o ministro expressou apenas uma opinião sobre a atuação do Judiciário. Para Rollo, também não é possível apontar crime de responsabilidade na frase do magistrado. “O artigo 39 da referida Lei 1.079 prevê que um ministro do Supremo pratica crime de responsabilidade quando altera por qualquer forma a decisão ou voto já proferido, o que não é o caso da fala de Barroso; ao proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito da causa, o que também não é o caso; e ao exercer atividade político-partidária. É isto que está previsto e não dá para elastecer”, frisa o especialista.
O Comprova tentou contato com o perfil responsável pela publicação do conteúdo investigado, mas não obteve retorno até a publicação.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação teve 80,8 mil impressões, 11 mil curtidas e mais de 240 comentários, além de 4 mil compartilhamentos até o dia 30 de agosto.
Fontes que consultamos: O Comprova ouviu o especialista em Direito Eleitoral e professor da Escola Paulista de Direito (EPD) Alberto Roll e o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Legislação, Doutrina e Jurisprudência da OAB/RN, Vladimir França; E consultou a Lei do Impeachment e registros do 7º Encontro do Conselho de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil (CONSEPRE).
A atividade político-partidária se caracteriza pelo envolvimento na militância de um partido que disputa espaços de poder, como mandatos no Executivo e no Legislativo, conforme explicado pelo especialista Vladimir França.
“Um magistrado não pode atuar em defesa, ou seja, não pode aconselhar votos, manifestar simpatia ou fomentar um partido ou grupo. Também não pode criticar, no sentido de desestimular ou desincentivar determinados grupos ou partidos”, acrescentou.
No contexto da fala de Barroso, o advogado ressalta que não há relação com este tipo de atuação. “No vídeo, o ministro não faz nenhuma das duas coisas. Apenas coloca a própria visão sobre o papel do Judiciário, que ele entende ser político”, pontuou.
França esclarece ainda que, quando ocorre de um magistrado, no exercício de suas competências (ou seja, em uma decisão judicial), condenar um candidato ou partido, ele também não está exercendo atividade político-partidária. “Neste aspecto, ele está aplicando o direito do caso concreto, que é diferente de pedir ou desaconselhar votos para um grupo, candidato, ou partido específico”, acrescentou o advogado.
O professor Alberto Rollo, da EPD, esclarece que a atuação político-partidária não está expressa na lei. “É uma definição doutrinária, do campo político, que se caracteriza por defender um partido ou candidato, defender um ponto de vista político e não jurídico ou subir em um palanque para fazer um discurso aberto sobre voto, por exemplo”, pontua o professor, ao reforçar que não houve atividade político-partidário na fala de Barroso. “Volto a mencionar que o ministro expressou apenas uma opinião durante o discurso dele”, avalia o especialista.
A atividade político-partidária por parte de ministros do STF está prevista como crime de responsabilidade no artigo 39 da Lei nº 1.079 de 10 de Abril de 1950, chamada de “Lei do Impeachment”, utilizada pelo autor da postagem para atribuir o suposto crime a Barroso.
O artigo 39 estabelece também como crimes de responsabilidade: alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras verificações sobre conteúdos que distorcem, alteram ou fazem falsas alegações a partir de falas de Barroso, como aconteceu com um vídeo de 2021, editado para dizer que ele é contra o PT; ou quando Barroso reproduziu relato de senador para dizer que “eleição em Roraima não se ganha, se toma”; e ainda, em outro vídeo enganoso, que diz que o ministro quer socializar investimentos de brasileiros.
*Esta verificação contou com a colaboração de jornalistas que participam do Programa de Residência no Comprova.
Investigado por: Tribuna do Norte, Correio do Estado e Residência Comprova
Texto verificado por: NEXO, NSC Comunicação, Folha, O POVO, A Gazeta, Estadão, SBT e SBT News
O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada e mantida pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. A Gazeta faz parte dessa aliança.
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