O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes criticou nesta sexta (5) o que chamou de "politização da persecução penal". A declaração, feita nas redes sociais, foi entendida como uma resposta às movimentações recentes do ex-juiz Sergio Moro e de Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, em direção à política.
"Alerto há alguns anos para a politização da persecução penal. A seletividade, os métodos de investigações e vazamentos: tudo convergia para um propósito claro e político, como hoje se revela. Demonizou-se o poder para apoderar-se dele. A receita estava pronta", escreveu o magistrado.
Na quinta-feira (4), Deltan confirmou que vai deixar o Ministério Público Federal, conforme informação antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
O procurador afirmou que tem várias ideias para seu futuro e defendeu o "voto consciente". "Posso fazer mais pelo país fora do Ministério Público", disse ele, sem detalhar se entrará na política, como o ex-juiz Sergio Moro.
Moro anunciou que vai se filiar ao partido Podemos, em evento na semana que vem, o que abre caminho para sua candidatura à Presidência da República.
Ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro desde abril do ano passado, quando pediu demissão, Moro tem buscado nomes para elaborar seu projeto de governo e entrou em contato inclusive com estrategistas políticos próximos do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Moro ficou de quarta (3) a quinta-feira (4) em Brasília e tinha pré-agendado reuniões com a bancada do Podemos, um grupo de congressistas do PSL e com o general Santos Cruz, também ex-ministro de Bolsonaro.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ironizou o anúncio de Deltan ao ser questionado se pretendia retomar a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que muda a composição do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
"Não sei. Ela [a PEC] não terminou o jogo ainda, mas hoje ela teve um jogador importante que entrou no jogo, declarando que é candidato e pode ser que reacenda o debate", disse.
Deltan, 41, foi o principal porta-voz do Ministério Público Federal na operação deflagrada em 2014. Estava na instituição fazia 18 anos.
Além da presença na mídia, cabia a ele organizar as diferentes frentes de apuração entre a equipe de procuradores envolvidos no caso no Paraná. Tinha participação reduzida no dia a dia dos processos e das audiências na Justiça Federal.
Ele ingressou na operação logo em suas primeiras fases, quando o então procurador-geral Rodrigo Janot decidiu formar uma força-tarefa para se dedicar exclusivamente ao caso, diante das dimensões das descobertas em andamento em Curitiba.
No auge da operação, em 2016, o chefe da força-tarefa ficou marcado pela apresentação de um PowerPoint contra o ex-presidente Lula, no qual listava fatores que indicavam que o petista havia chefiado o esquema de corrupção na Petrobras.
Com o ritmo intenso de revelações e a prisão de grandes empresários e líderes políticos em decorrência das investigações deflagradas no Paraná, Deltan foi alçado à condição de um dos símbolos da operação, com homenagens em manifestações de rua.
Sempre foi questionado, porém, pelo foco dos trabalhos nas administrações do PT e pelos métodos para a obtenção de acordos de delação premiada, um dos pilares da Lava Jato.
Como mostrou a coluna nesta sexta, Deltan Dallagnol já tinha respondido até esta semana a 52 processos no Conselho Nacional do Ministério Público, que fiscaliza os integrantes do órgão. Com a sua saída, todos os que ainda estão abertos agora serão arquivados.
Deltan responde ou já respondeu a reclamações disciplinares, sindicâncias e a processos administrativos disciplinares (PAD). Chegou a receber as penas de advertência e censura em alguns deles.
Dois dos processos administrativos ainda não foram arquivados, o que poderia complicar uma eventual candidatura de Dallagnol: pela Lei da Ficha Limpa, procuradores que respondem a PADs não podem concorrer a cargos públicos.
Um dos PAD contra ele foi aberto depois que Deltan afirmou em entrevista que três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) formavam uma "panelinha" para conceder habeas corpus e passavam uma mensagem de "leniência" com a corrupção.
Deltan foi punido com advertência, mas recorreu ao próprio STF para reverter a decisão. Em outro episódio, ele atacou a candidatura de Renan Calheiros à presidência do Senado. Foi punido com censura. E também recorreu ao Supremo.
Para ficar com "ficha limpa" e disputar eleições, o ex-procurador terá que desistir das ações que moveu no STF para reverter as penas de advertência e censura. Elas seriam consideradas automaticamente aplicadas e os processos iriam para o arquivo.
Ao se desligar da instituição, Deltan abre mão de um salário bruto de R$ 33,7 mil mensais, além de benefícios e férias de 60 dias.
Em 2020, desgastado pela divulgação de conversas que manteve no aplicativo Telegram e que foram obtidas pelo site The Intercept Brasil, o procurador pediu para deixar os trabalhos da operação, citando motivos familiares.
As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.
Após isso, porém, Deltan continuou se manifestando em redes sociais e em entrevistas sobre temas ligados à Lava Jato e à corrupção.
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