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Desinformação já era forte na Revolta da Vacina de 1904

Desinformação já era forte na Revolta da Vacina de 1904

NA politização do tema foi um dos combustíveis para violentas manifestações contra a vacinação obrigatória e contra o governo na cidade do Rio Janeiro, então capital do país

Publicado em 22 de outubro de 2020 às 13:02

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Rússia anuncia registro da primeira vacina contra Covid-19 no mundo
A revolta teve como estopim as discussões sobre a lei que tornou obrigatória a vacinação contra a varíola. (Futura Press/Folhapress)

A atual politização de questões relativas a uma vacinação obrigatória contra o coronavírus, assim como a disseminação de informações falsas sobre efeitos colaterais da imunização encontram paralelo num dos mais notórios episódios de saúde pública da história do Brasil: a Revolta da Vacina de 1904.

Naquele início de século 20, a politização do tema foi um dos combustíveis para violentas manifestações contra a vacinação obrigatória e contra o governo na cidade do Rio Janeiro, então capital do país. O motim, que durou seis dias, levou à decretação de estado de sítio na cidade e só cessou após a revogação da obrigatoriedade da vacina. Trinta mortos, 110 feridos e mais de 1.500 presos e deportados constam nos números oficiais sobre a rebelião.

A revolta, que teve como estopim as discussões sobre a lei que tornou obrigatória a vacinação contra a varíola, surgiu de uma combinação de fatores que desencadearam um enorme descontentamento popular - e tem, no seu cerne, uma orquestrada campanha de desinformação mobilizada por opositores do governo do então presidente Rodrigues Alves e do médico responsável pela ação de imunização, o sanitarista Oswaldo Cruz, então secretário da Saúde Pública. Este último, alvo favorito das charges dos opositores.

Na guerra política contra a vacinação, a oposição veiculou uma série de inverdades sobre a vacina. Afirmava que ela causava diferentes males à saúde, entre eles gangrena, epilepsia, meningite, tuberculose e sífilis. As falsas histórias trouxeram à circulação uma absurda teoria segundo a qual quem tomasse a vacina poderia assumir características de um bovino - crescimento de um chifre, casco ou pelagem do animal. A história se devia a que, nos primórdios da criação da vacina, havia um processo de inoculação da benigna varíola bovina.

OPOSITORES

Médicos e políticos, que no passado haviam endossado outras campanhas de vacinação, engrossaram as fileiras que investiam contra a vacina. O senador Barata Ribeiro e o deputado Barbosa Lima eram exemplos do jogo político nos bastidores dessa disputa. O Estadão de 28 de setembro de 1904 publicou aguerrido discurso de Barata Ribeiro no Senado contra a vacinação: "Ao que parece, o governo tem o propósito de alimentar a epidemia desprezando a prophylaxia afim de obrigar o povo a estender o braço à lanceta homicida. Queria que o sr. Rodrigues Alves saísse da mudez de seu palácio e viesse para o meio da população. Elle coraria também vendo tanta desgraça (...)". A solução proposta pelo senador era aprovar mais leis de crédito para construção de hospitais.

O deputado Barbosa Lima, um major positivista e florianista, foi governador de Pernambuco e lá fundou o Instituto Vacinogênico no Estado - mas desta vez ele investiu contra a vacinação. Para obstruir a votação da lei que tornou obrigatória, em 31 de outubro de 1904, ele apresentou mais de 30 emendas contrárias ao projeto.

Com laços estreitos com o senador e tenente-coronel Lauro Sodré, que fundou a Liga Contra a Vacina Obrigatória, Barbosa Lima é um representante dos setores militares que insuflaram um levante na Escola Militar da Praia Vermelha para derrubar Rodrigues Alves.

MORALISMO

No discurso contra a vacinação, a questão moral também se fez presente. Enquanto as pessoas vacinadas mostravam os bons efeitos da proteção da imunização, os discursos contrários à vacina passaram a enfocar a violação do lar pelos agentes sanitários. Oswaldo Cruz coordenava então uma ação de vacinação feita de casa em casa. A oposição passou a dizer que a honra do trabalhador estava em perigo, pois suas esposas e filhas seriam forçadas à desnudar braços, coxas e talvez até as nádegas para os servidores da secretaria de Saúde Pública.

Outro viés na narrativa dos antivacinas era a violação das liberdades individuais. Em um artigo de capa publicado em 17 de julho de 1904, o Estadão tratou da situação de penúria em que vivia a saúde no Rio e criticou os políticos adversários da vacina. "Acima de tudo os princípios. Que importa que a Peste dizime? (...) A varíola grassa de modo pavoroso - o hospital de S. Sebastião regorgita, não há mais um leito e os carros da assistencia não param recolhendo nos bairros pobres as victimas da terrivel molestia."

"O povo, aterrado, dispõe-se à vacina, corre aos postos medicos e justamente quando se vae impondo, pela convicção, a prophylaxia que tem provado tão vantajosamente em todo o mundo, homens de prestigio, como os drs. Barbosa Lima, na Camara, e Barata Ribeiro no Senado, insurgem-se contra a medida salvadora."

REDUÇÃO DA IMUNIZAÇÃO

A campanha contra vacinação levou o caos às ruas do Rio. Não derrubou Rodrigues Alves, mas foi eficiente em reduzir a vacinação. Entre maio e julho de 1904 o número de vacinados mostrava-se numa curva ascendente: foram cerca de 8.200 pessoas vacinadas em maio, e 23.021 em julho. Com a discussão sobre a obrigatoriedade da vacina e as disputas derivadas do debate sobre a lei, em agosto o registro caiu para 6.036 vacinados. Em final outubro, dias antes da revolta, o registro era de apenas 1.138.

A recusa popular à vacinação foi amplamente sentida, mesmo antes da aprovação da Lei nº 1261 de 31 de outubro de 1904, que tornava a vacinação obrigatória. As campanhas de imunização já eram usadas com sucesso em países da Europa, mas seu uso no Brasil era pequeno e a população ainda desconfiava de seus efeitos. "A onda de insatisfação instaurou a desordem nas ruas. Poucos se submetteram à vaccinação.", contava o jornal.

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