O fim da era Rodrigo Maia (RJ) no comando da Câmara ocorre em um momento de dilema vivido pelo deputado. A dúvida é se ele deve sair do DEM, partido agora dominado por lideranças cooptadas pelo governo. Nos últimos dias, ele e o presidente Jair Bolsonaro travaram queda de braço na disputa pelo controle da Casa. A legenda decidiu abandonar a campanha de Baleia Rossi (MDB-SP) e apoiar o líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), candidato apoiado pelo Palácio do Planalto que venceu a disputa ontem.
Se permanecer na legenda, o parlamentar de 50 anos, quase cinco deles no comando da Câmara, será mais um congressista, avaliam aliados. Fora, Maia será cobiçado por outras legendas e terá condições de se tornar um player influente do campo oposicionista no processo sucessório de 2022.
Os mesmos aliados observam que, ao ser eleito para chefiar a Casa, segundo posto na linha de sucessão da Presidência, em 2016, o parlamentar tomou de Eduardo Cunha (MDB-RJ), deputado cassado e preso, o Centrão, bloco dos partidos fisiológicos. Na reta final da campanha deste ano na Câmara, o grupo governista se apossou do DEM.
Uns veem Maia como malabarista. Foi assim num tempo de impeachment de Dilma Rousseff, de processo de afastamento interrompido do sucessor dela, Michel Temer, e de cobranças nas redes para considerar crime a gestão de Bolsonaro na pandemia que matou até o momento 224 mil brasileiros. Outros o enxergam como um político que apenas soube ocupar o vácuo na interlocução entre setores moderados de direita e esquerda, grupos empresariais e o mercado financeiro.
No tempo de polarizações e ideologias anacrônicas, Maia manteve a pauta econômica como prioridade da Casa. Foi decisivo na aprovação da PEC do Teto de Gastos e outras propostas de Temer. Chegou a ser chamado de "primeiro-ministro". No governo Bolsonaro, conseguiu aprovar uma reforma da Previdência enquanto o presidente defendia mais armas para a população. O parlamentar soube ainda fazer pontes nos tribunais. Ele chegou a travar propostas que desagradavam ao Judiciário e se postou ao lado de ministros da Suprema Corte nos atos antidemocráticos apoiados por Bolsonaro. Ao mesmo tempo, se limitava a notas de repúdio diante dos arroubos autoritários do presidente.
É essa expertise de busca de diálogo que leva muitos no Congresso a apostar que Maia não terá o fim de antecessores como Aldo Rebelo, Marco Maia e Efraim Ribeiro, hoje figuras sem expressão. Há quem observe ainda que a família Bolsonaro e sua militância digital levará um bom tempo para tirar Rodrigo Maia da posição de adversário favorito. Nos últimos anos, a rede de fake news ligada ao clã não poupou o parlamentar. Por sua vez, ministros do Palácio do Planalto pregam que ele não é confiável e sempre quis derrubar o governo. Rodrigo Maia derrubou, sim, toda a agenda de costumes de Bolsonaro.
A aposta do grupo de Maia é que ele, sempre associado à velha política pelo bolsonarismo, possa aproveitar, na reta final do atual governo, o desgaste de um presidente cada vez mais ligado ao Centrão e a figuras com condenações por improbidade - é justamente o caso de Arthur Lira, aliado do Planalto, acusado de liderar "rachadinhas".
Independentemente do resultado das eleições na Câmara, Maia vive um momento de avaliar partidos para abrigá-lo e análises de composições que podem fazer frente a Bolsonaro em 2022. A criação de uma frente ampla de partidos em defesa da candidatura de Baleia foi a primeira tentativa robusta de unir campos opostos desde a redemocratização. Mesmo com o DEM e o PSDB sucumbindo às verbas e cargos oferecidos pelo Planalto, Maia conseguiu reaproximar o PT e outros partidos de esquerda com um antigo aliado: o MDB.
Nos próximos dias, Maia ainda terá de responder a críticas. Lideranças da frente de partidos montada por ele para a disputa da Câmara reclamam da demora em manifestar apoio a Baleia. Até o início de dezembro do ano passado, quando a campanha de Lira já estava na praça, Maia não tinha anunciado quem seria o escolhido. Embora nunca admitisse, o parlamentar esperava uma decisão do Supremo que permitisse disputar um novo mandato, avaliaram aliados. Com a Corte rejeitando a possibilidade, no dia 7 daquele mês, ele ainda ensaiou lançar Agnaldo Ribeiro (PP-PB).
Mesmo se tivesse posto o nome de Baleia na disputa com antecedência, Maia e seu grupo enfrentariam dificuldades para conter a enxurrada de recursos do governo para agradar aliados e conter o candidato do MDB. O Estadão revelou que, em dezembro, foram empenhados R$ 3 bilhões só em obras do Ministério do Desenvolvimento direcionadas a redutos eleitorais de congressistas.
Bolsonaro abriu possibilidade ainda de entregar ministérios ao Centrão e a forças que abandonaram Maia, como o presidente nacional do DEM, ACM Neto - herdeiro do carlismo, grupo do avô e senador baiano que tinha apetite voraz por verbas e poder - apoiou a "neutralidade" na disputa na Câmara, isto é, aderiu a Bolsonaro.
O ex-deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), vice-presidente do partido, tentou contemporizar. "Depois da eleição vamos tentar nos unir de novo, rever os excessos. Acho que vai recompor. Rodrigo tem história, Neto também, já viveram muitas coisas", disse.
Nas últimas 48 horas, Maia teria ameaçado abrir processo de impeachment contra Bolsonaro pela cooptação de deputados do DEM. "Nunca disse que ia abrir", afirmou ontem o deputado, torcedor do Botafogo, time conhecido na crônica esportiva por provocar surpresas nos acréscimos de um jogo, ruins ou agradáveis. Em seu discurso de despedida, Maia se emocionou. "Me preparei para não chorar, mas não deu."
Maia recebeu acenos para assumir um cargo de primeira linha no governo de São Paulo. A reportagem apurou que o governador João Doria (PSDB) deixou claro ao deputado que as portas do Palácio dos Bandeirantes estão abertas a ele. Maia, no entanto, resiste a assumir cargos regionais.
O desejo de Maia era construir uma opção de candidatura nacional no DEM - ainda que não para si. Em 2018, seu nome chegou a ser testado pelo Democratas para disputar a Presidência da República, mas Maia recuou por impopularidade.
Maia almeja a articulação de uma frente alternativa a Bolsonaro que reúna setores da esquerda e da direita. A área que lhe atrai, segundo disse, é a de modernização do Estado. Segundo avalia, o maior entrave à união entre os partidos é a agenda econômica pouco convergente entre presidenciáveis como Doria, Ciro Gomes (PDT) e Luciano Huck (sem partido). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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