Antagonistas na pandemia, o governador João Doria (PSDB) e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deram início a uma troca de farpas menos de meia hora após a aprovação pela Anvisa da autorização de uso de duas vacinas contra a Covid-19.
Fiador da Coronavac, do Instituto Butantan, Doria usou tom duro contra o ministro e o presidente Jair Bolsonaro, acusando-os de terem desprezo pela vida.
"É o triunfo da vida contra os negacionistas, contra aqueles que preferem o cheiro da morte ao valor da vida e da alegria", afirmou o tucano, em entrevista coletiva no Hospital das Clínicas, logo apos assistir à primeira vacinada, a enfermeira Mônica Calanza.
Ele também lembrou frases polêmicas ditas por seus adversários. "'E daí?', disse um brasileiro. 'Pressa pra quê?', disse outro. 'Toma cloroquina que passa', afirmou o líder do país. 'Já fizemos tudo, não há nada a fazer', repetiu este mesmo personagem. A vacina é uma lição para vocês autoritários, que desprezam a vida, que não têm compaixão", disse.
O governo de São Paulo deve repassar cerca de 4,6 milhões de doses da vacina já produzidas para o Ministério da Saúde distribuir aos estados, num processo iniciado já neste domingo (17). A vacinação federal está prevista para começar na quarta (20).
Outro 1,4 milhão de doses permanece no estado. Nesta segunda (18), o governo de São Paulo promete iniciar a imunização em seis hospitais do estado.
Doria afirmou também que por conta própria vai enviar 50 mil doses da Coronavac aos trabalhadores de saúde do Amazonas, independentemente da cota do estado no plano federal.
O governador se disse atônito com declarações de Pazuello. Doria citou uma fala do ministro de que a Coronavac foi comprada com dinheiro do SUS. "A vacina só está no Brasil porque foi investimento de São Paulo. Ainda não há um centavo do governo federal", disse o governador.
A vacinação significa um trunfo político de Doria sobre Bolsonaro - o governador aposta no imunizante como principal arma política para concorrer à eleição presidencial de 2022.
A distribuição de doses para outras cidades, que já receberam em muitos casos seringas, envolve uma logística com 30 caminhões.
Estimada em R$ 5,8 milhões, ela teve o custo reduzido para R$ 3,6 milhões porque duas empresas de transportes rápido, a líder de mercado Braspress e a West Cargo, aceitaram fazer o serviço de graça.
Neste domingo, o governo de São Paulo lançou o site www.vacinaja.sp.gov.br para agilizar a campanha de vacinação.
A ideia é que todas as pessoas aptas a receber a vacina do Butantan façam uma espécie de pré-cadastro, na tentativa de evitar aglomerações.
Enquanto Doria falava em São Paulo, Pazuello batia boca com ele à distância, numa entrevista coletiva no Rio. Chamou o início da vacinação pelo tucano de estratégia de marketing.
"Nós poderíamos iniciar por marketing a primeira dose em uma pessoa, mas em respeito a todos os brasileiros o Ministério da Saúde não fará isso, não faremos jogada de marketing", disse Pazuello, no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia.
Ele afirmou que o governo federal determinou por medida provisória que a coordenação do plano nacional de vacinação seja executada pelo Ministério da Saúde, em plano apresentado ao STF, lançado de maneira solene no Palácio do Planalto, por todos os governadores.
"Quebrar essa pactuação é desprezar a igualdade entre os estados e todos os brasileiros construída ao longo de nossa história com o programa nacional de imunização. Quebrar isso é desprezar a lealdade federativa. Não permitam movimentos políticos e eleitoreiros se aproveitando da vacinação", criticou o ministro.
Sem mencionar o nome de Doria, ele disse que o único objetivo da pasta tem que ser salvar mais vidas e não "fazer propaganda própria".
Na última sexta (15), o Ministério da Saúde solicitou urgência para a entrega das 6 milhões de doses do Butantan, por enquanto com o governo de São Paulo.
Além disso, a Fiocruz aguarda a chegada de 2 milhões de doses de vacina da AstraZeneca, que ainda estão em negociações com a Índia para que seja autorizada a entrega, segundo o próprio Pazuello.
"É provável que a gente coordene essa entrega no começo da semana", disse o ministro. Ele afirmou que a Índia começaria sua vacinação no sábado (16).
Ele apontou que todas as doses do Butantan são do Ministério da Saúde.
"Todas, inclusive a que foi aplicada agora [em Calazans], é uma questão jurídica. Tudo que tem no estado de São Paulo é contratado e pago pelo Ministério da Saúde e o contrato é de exclusividade, 100% das doses", disse o ministro.
Pazuello reafirmou que a coordenação do plano nacional de imunização é do Ministério de Saúde por força de lei. Disse ainda que está pactuado com os governadores que todas as doses recebidas serão distribuídas de forma proporcional aos estados.
"Qualquer movimento fora dessa linha está em desacordo com a lei", declarou.
Pazuello disse que nesta segunda (18), a partir das 7h, o Ministério da Saúde vai iniciar a distribuição da vacina para todos os estados, com apoio do Ministério da Defesa, com deslocamento aéreo.
"Amanhã farei uma entrega simbólica aos estados e depois a FAB inicia a distribuição. Cada estado tem o seu plano logístico, são pactuados conosco, mas são dos estados, que fazem a distribuição dentro dos municípios", afirmou o ministro.
Ele disse que São Paulo pode fazer sua vacinação, mas que ela deve acontecer em todos os estados. Segundo ele, a vacinação será igualitária e simultânea "qualquer movimento fora a isso está em desacordo com a lei".
Pazuello mentiu ao dizer que o ministério tem as vacinas "em mãos", uma vez que a da AstraZeneca ainda não chegou ao país.
"O Ministério da Saúde tem em mãos, neste instante, as vacinas, tanto do Butantan quanto da AstraZeneca [em parceria com a Fiocruz]."
Declarou ainda que o Butantan tem, no momento, produzido algo em torno de 900 mil doses e mais cerca de 1,5 milhão em fase final, chegando próximo de 3 milhões de doses feitas no Brasil.
Porém, o instituto ainda não pediu aprovação de uso emergencial para as doses produzidas no país.
"A aprovação da Anvisa é para as 6 milhões de doses importadas. O Butantan ainda tem que pedir e comprovar as suas ações para conseguir a utilização de uso emergencial para as doses produzidas no Brasil", disse o ministro.
Pazuello confirmou que, no que depender do governo federal e do Ministério da Saúde, a vacina não será obrigatória e não confirmou se vai participar da vacinação.
"Quando chegar o meu momento de tomar a vacina, se a estratégia for essa, eu tomo agora. Mas está um pouco longe ainda", disse Pazuello.
Bolsonaro não havia se manifestado sobre a aprovação das vacinas pela Anvisa até a noite deste domingo (17).
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