Em meio ao aumento da desconfiança e da insatisfação de integrantes da cúpula militar com o presidente Jair Bolsonaro (de saída do PSL), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), iniciou articulação para construir um canal de diálogo com as Forças Armadas.
O movimento ocorre na esteira da demissão de generais de cargos de destaque do governo federal e da tentativa do tucano de reduzir os índices de criminalidade em São Paulo, o que pode servir como uma vitrine eleitoral para a sucessão presidencial de 2022.
O plano defendido por aliados do governador é o de atrair para a gestão estadual nomes de militares de peso, entre eles egressos da administração bolsonarista, e o de filiar sargentos e generais ao PSDB, pavimentando caminho para um apoio futuro.
Recentemente, um interlocutor do tucano procurou o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, que deixou o cargo em junho. Ele foi informado que, caso deseje se filiar a uma sigla, será bem-vindo no PSDB. "Eu só vou pensar em filiação partidária mais para a frente", disse o general à reportagem.
Hoje, de acordo com tucanos paulistas, a principal ponte do governador com as Forças Armadas é o general da reserva João Camilo Pires de Campos, atual secretário da Segurança Pública de SP.
Antes de assumir o posto, que desde 1979 não era ocupado por um militar, ele chefiou o Departamento de Educação e Cultura do Exército. O general tem uma boa relação com o atual ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que o substituiu à frente do Comando Militar do Sudeste no ano passado.
Os aliados do governador defendem que ele também ensaie uma aproximação com o general da reserva Guilherme Theophilo, atual secretário nacional de Segurança Pública. Ele é próximo do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e já foi filiado ao PSDB, mas se desfiliou após ser derrotado na última disputa ao governo cearense.
"As relações com as Forças Armadas sempre foram respeitosas, fluídas e construtivas, em defesa das boas causas e dos brasileiros de bem", disse Doria à reportagem.
O esforço do governador é também para que, com a experiência de militares, seja possível construir uma política de segurança pública que rivalize com o discurso de Bolsonaro.
O presidente tem apontado como trunfos de sua gestão até agora o pacote anticrime (que já sofreu mudanças na Câmara), a flexibilização da posse de armas (que, segundo críticos, pode piorar o quadro de violência) e a redução dos homicídios em 2019 (indicada por dados preliminares).
No mês passado, o governador se reuniu, no Palácio do Planalto, com o vice-presidente Hamilton Mourão, também general da reserva. O encontro foi solicitado pelo tucano. Para evitar um mal-entendido, Mourão informou anteriormente Bolsonaro sobre o pedido de audiência.
Mesmo com o cuidado do general, que relatou posteriormente a conversa ao presidente, assessores do Planalto viram com desconfiança a audiência entre o general e o governador, sobretudo em um momento de insatisfação de integrantes da cúpula militar com a postura do presidente.
Desde janeiro, quando Bolsonaro tomou posse no cargo, ao menos oito generais deixaram postos de destaque no governo federal.
Além de Santos Cruz, demitido após uma disputa interna pelo controle da comunicação do governo, foram exonerados militares no comando da Secretaria Especial do Esporte, da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Em junho, antes de demitir o general Juarez Cunha do comando dos Correios, Bolsonaro disse que ele se comportou como sindicalista. O presidente se irritou pelo fato de o militar ter aparecido em fotos com parlamentares de esquerda.
No início deste mês, foi a vez do general Maynard Marques de Santa Rosa pedir demissão da chefia da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos). Com ele, saíram o secretário especial adjunto Lauro Luís Pires da Silva e o secretário de ações estratégicas Ilídio Gaspar Filho.
As últimas baixas aumentaram a sensação de desconfiança de integrantes da alta patente das Forças Armadas com Bolsonaro, uma relação que passa por idas e vindas desde o início do mandato.
A principal reclamação é a de que o presidente só leva em consideração a opinião do núcleo fardado, que emprestou seu prestígio à atual gestão, em situações de crise, como na série de queimadas na floresta amazônica e, mais recentemente, no risco de que os protestos populares no Chile ocorram no Brasil.
Na maioria das situações, na opinião de militares do governo, Bolsonaro prioriza os conselhos do chamado grupo ideológico, formado principalmente por seguidores do escritor Olavo de Carvalho, os quais incluem seus filhos Eduardo e Carlos.
Para evitar que a imagem das Forças Armadas seja contaminada por eventuais equívocos da gestão atual, tem crescido na cúpula militar a defesa de um distanciamento estratégico do Planalto e a adoção de uma postura de mais independência.
Ao mesmo tempo, incomodado com a pecha de que seria tutelado no cargo, Bolsonaro diminuiu, ao longo do tempo, a influência em decisões administrativas dos generais do governo, que antes exerciam um papel moderador no Palácio do Planalto.
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