Conteúdo verificado: Postagem no Twitter mostra imagens de gráficos e matéria do jornal indiano Hindustan Times afirmando que 33 distritos do estado de Uttar Pradesh estão livres da covid-19. Ainda neste tuíte, a autora menciona que neste estado foi distribuído “um remedinho para verme”, fazendo alusão ao vermífugo ivermectina. No entanto, na matéria do jornal indiano não é feita nenhuma relação entre a diminuição das mortes e o uso do remédio, apenas a vacinação é mencionada na matéria.
É enganosa uma postagem no Twitter que sugere que a ivermectina seria responsável pela queda do número de casos e mortes por covid-19 no estado de Uttar Pradesh, na Índia. Embora autoridades locais de saúde tenham adotado um protocolo com o medicamento, os potenciais benefícios clínicos e preventivos do remédio ainda não foram comprovados em estudos científicos bem estruturados.
Segundo especialistas consultados pelo Comprova, isso faz com que a associação do vermífugo ao declínio da transmissão do coronavírus no estado indiano seja uma “falácia”. Afinal, outros aspectos epidemiológicos podem ter influenciado no quadro da pandemia em Uttar Pradesh.
Com mais de 2 mil interações no Twitter, a postagem enganosa mostra uma matéria publicada em 10 de setembro no jornal Hindustan Times. O artigo cita que 33 distritos de Uttar Pradesh não registravam casos ativos de covid-19 naquela data e ressalta o avanço da vacinação no país. Não há qualquer menção à ivermectina ou outras substâncias, além dos imunizantes contra a doença.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências sanitárias do mundo não aconselham ou se posicionam contrárias ao uso do medicamento fora de ensaios clínicos. Justamente porque faltam evidências confiáveis, de estudos adequados, para definir se a ivermectina traz algum benefício a pacientes com covid.
A reportagem do Comprova questionou o Ministério da Saúde da Índia e com o Governo de Uttar Pradesh sobre a distribuição do vermífugo para a população, mas até a publicação desta matéria não teve retorno.
O Comprova considerou a postagem enganosa pois é um conteúdo que usa dados imprecisos, já que a matéria citada no tuíte não menciona o uso do vermífugo ao relatar a diminuição de casos e mortes de covid-19.
O Comprova realizou uma busca reversa no Google para localizar as imagens do tuíte verificado. Depois disso, buscou matérias em portais de notícias da Índia sobre a situação da pandemia, a vacinação e a distribuição de ivermectina no país (aqui, aqui, aqui e aqui).
Também conversou com o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) André Siqueira e com o médico e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Julival Ribeiro. O Comprova também contatou a International Fact-Checking Network (IFCN), para auxiliar na busca por matérias que atualizassem a distribuição da ivermectina na Índia.
Além disso, entrou em contato com o Ministério da Saúde da Índia e com o Governo da Uttar Pradesh, via e-mail, mas não recebeu retorno até o fechamento deste material. A reportagem do Comprova não conseguiu entrar em contato com a autora do tuíte, já que não é possível enviar mensagem direta no em seu perfil no Twitter.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de setembro de 2021.
Os gráficos sobre a vacinação apresentados na publicação verificada foram extraídos do Google. A plataforma de buscas digitais compila dados coletados pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que tem sido uma referência de informações epidemiológicas sobre a pandemia.
Segundo país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia bateu recordes de infectados e mortos por covid-19 em maio e junho deste ano. Essas marcas foram responsáveis pelo colapso no sistema hospitalar do país. O país asiático acumula 445.385 mortes em decorrência da doença, de acordo com levantamento do governo indiano.
Depois de sofrer duras críticas pela posição adotada no enfrentamento à pandemia, o governo da Índia iniciou em junho uma campanha nacional e gratuita para a vacinação de todos os adultos. Desde então, a média de doses aplicadas diariamente tem sido positiva no país, que chegou a bater o recorde de 10 milhões de doses aplicadas em um único dia. O primeiro-ministro do país, Narendra Modi, comemorou em uma rede social o número atingido.
Atualmente, cerca de 45% da população indiana já foi vacinada contra a covid-19, sendo 16% totalmente vacinada e 29% vacinada parcialmente, com apenas uma dose, de acordo com o Our World in Data.
Até o momento, Uttar Pradesh é o estado que mais vacinou pessoas na Índia. Dados disponibilizados pelo governo mostram que mais de 97 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 47% da população do estado, já foram vacinadas com ao menos uma dose da vacina, enquanto mais de 17 milhões estão com o esquema vacinal completo.
Em Uttar Pradesh, mais precisamente na cidade de Agra, está localizado o Taj Mahal.
A curva de infecções em Uttar Pradesh ganhou tração em abril de 2021, atingiu um pico de mais de 30 mil casos diários no final do mesmo mês, até recuar a um patamar de menos de 200 registros diários a partir de junho. Os dados do estado são usados de forma inadequada para defender o uso da ivermectina contra a covid-19 porque autoridades locais aplicaram um protocolo medicamentoso com a substância.
Desde 2020 a Índia possui um protocolo para o uso da ivermectina – bem como a hidroxicloroquina – no tratamento de pacientes com covid-19. O medicamento, que é indicado para doenças parasitárias, foi amplamente distribuído pelos distritos do estado de Uttar Pradesh. Apesar de não ter obtido resposta das autoridades sanitárias e governamentais da Índia, a reportagem do Comprova listou em ordem cronológica as autorizações ao uso da ivermectina para o combate a covid-19 no país, de acordo com a mídia internacional.
Apesar da ampla divulgação da ivermectina como tratamento profilático no estado de Uttar Pradesh, o próprio governo indiano descreve o vermífugo como uma “terapia baseada na baixa certeza de evidência” em documento disponibilizado pelo Conselho Indiano de Pesquisa Médica, órgão que aconselha as decisões do governo sobre a pandemia.
Para o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), André Siqueira, a análise compartilhada na postagem é uma “falácia epidemiológica”. Ele explica que até o momento as principais evidências científicas indicam que a ivermectina não traz nenhum benefício clínico para pacientes com covid ou na prevenção da doença.
“Diversos fatores que não foram controlados podem estar relacionados. Não é possível dizer que foi o uso da ivermectina”, aponta o especialista.
Siqueira cita que a evolução dos dados da pandemia no estado indiano poderia sofrer a interferência de medidas restritivas de circulação ou mesmo da imunidade adquirida pelas pessoas infectadas e já recuperadas, cuja duração ainda é incerta para a ciência.
O estado de Uttar Pradesh instituiu lockdowns para conter a pandemia entre abril e junho de 2021, mostra esta matéria do India Today. Outras reportagens mostram que, em setembro, autoridades flexibilizaram um toque de recolher vigente no estado e relaxaram restrições a números de convidados em casamentos.
O médico e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Julival Ribeiro, concorda que a associação do número de casos com um suposto efeito da ivermectina é insustentável. De acordo com ele, a forma adequada para avaliar os benefícios e segurança de um medicamento é por meio de ensaios clínicos randomizados duplo cego.
Neste tipo de estudo, voluntários são divididos em dois grupos: o primeiro recebe a terapia com o medicamento avaliado na pesquisa, o outro é submetido ao protocolo padrão ou recebe placebo (substância sem efeito). Os pesquisadores aplicam uma série de técnicas para minimizar ao máximo a possibilidade de fatores externos influenciarem nos resultados.
Eles estabelecem critérios rigorosos para selecionar pacientes, com o intuito de garantir que os voluntários presentes nos dois grupos tenham características mais similares possíveis. Nos estudos ‘duplo-cego’, nem pacientes, nem os médicos que aplicam o tratamento sabem quem tomou o medicamento e quem recebeu placebo.
“Não há indicação para uso da ivermectina contra a covid. O que sabemos é que quando você aumenta a cobertura de vacinação há um efeito na redução de hospitalizações e mortes pela doença”, destaca Julival Ribeiro.
Estudos laboratoriais com ivermectina mostraram um potencial efeito do fármaco contra o novo coronavírus em células animais. Como explicou o Comprova em verificações anteriores, os resultados observados nesse tipo de teste nem sempre são confirmados em ensaios clínicos com pacientes. Isso porque o organismo humano é muito mais complexo e envolve condições que não podem ser reproduzidas no laboratório.
No decorrer da pandemia, surgiram evidências contra e a favor de protocolos com a droga no tratamento da covid, mas as pesquisas conduzidas até o momento sofrem de limitações metodológicas que impedem os resultados conclusivos. Uma pesquisa que sugeriu resultados milagrosos da ivermectina contra a covid, por exemplo, foi retirada de uma plataforma de pré-publicação sob acusações de manipulação de dados pelos autores.
O painel de evidências dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH) diz não recomendar contra nem a favor do uso do remédio. De acordo com o órgão, são necessários mais dados de ensaios clínicos bem conduzidos e estruturados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também afirma que as evidências são inconclusivas.
Até que mais informações estejam disponíveis, a entidade recomenda que o tratamento seja usado exclusivamente em ensaios clínicos. Também não há qualquer orientação para uso da droga de forma preventiva.
Julival Ribeiro destaca que um estudo recente indicou que a ivermectina não demonstrou capacidade de reduzir mortes ou tempo de hospitalização de pacientes com covid moderada. O especialista lembra que uma pesquisa ainda em andamento conduzida pela Universidade de Oxford deve fornecer dados sólidos sobre a questão.
O mesmo estudo já testou a eficácia de outros tratamentos para covid e não encontrou, por exemplo, benefícios do antibiótico azitromicina. Ribeiro alerta que a automedicação com ivermectina pode ser perigosa.
“Temos relatos de pessoas que tiveram problemas hepáticos [no fígado] por uso contínuo do medicamento”, alerta o especialista.
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O tuíte verificado aqui teve mais de 2,8 mil interações entre curtidas e retuítes.
Conteúdos que induzem o público a desacreditar na eficácia das vacinas ou incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.
Assim como o Comprova que já verificou posts que mostram que estudo é insuficiente para comprovar eficácia da ivermectina, veículos como o Aos Fatos e o Estadão também verificaram publicações sobre o vermífugo.
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