Conteúdo investigado: Postagem mostra recorte de fala do parlamentar romeno Cristian Terheş, do Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, em que ele afirma que o gás carbônico representa apenas 0,041% da atmosfera e levanta dúvida sobre o impacto da emissão de CO2 nas mudanças climáticas. Ao compartilhar o vídeo, o autor do post afirma que “o brabíssimo Cristian Terhes expôs toda a fraude das mudanças climáticas e os objetivos da elite que controla o mundo, em um discurso acalorado ao Parlamento Europeu”.
Onde foi publicado: X.
Conclusão do Comprova: É enganoso que a concentração de 0,042% de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera não seja um problema para o aquecimento global. O número é o dado mais recente da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), e apresenta um milésimo de diferença em relação ao dado que o parlamentar cita em vídeo viral (0,041%). O que importa não é o nível de concentração total, mas sim o efeito. Segundo a NOAA e especialistas consultados pelo Comprova, a alta emissão deste tipo de gás pelo ser humano nas últimas décadas faz com que ele seja um dos principais vilões do aquecimento global e das consequentes mudanças climáticas.
O vídeo verificado pelo Comprova traz recorte de três minutos de discurso do parlamentar romeno Cristian Terheş durante debate, realizado em abril de 2023, no Parlamento Europeu, sobre relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgado na época. Em seu discurso, Terheş alega que o gás carbônico representa apenas 0,041% da atmosfera e que “apesar desta pequena porcentagem, há décadas são realizadas campanhas para fazerem as pessoas acreditarem que o CO2 produzido pelo homem é a causa das mudanças climáticas”.
Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A postagem feita no X tem 46,4 mil visualizações, 1 mil compartilhamentos e 2 mil curtidas.
Fontes que consultamos: O Comprova entrou em contato com a NOAA, consultou dados no site da agência, e ouviu o glaciologista Jefferson Cardia Simões, professor de História do Clima da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade do Maine, nos Estados Unidos, e o meteorologista do Centro de Excelência em Estudos, Monitoramento e Previsões Ambientais do Cerrado da Universidade Federal de Goiás (Cempa-Cerrado/UFG), Angel Chovert.
De acordo com a National Oceanic and Atmospheric Administration, o dado mais recente sobre a concentração média global de CO2 na atmosfera é de 422 ppm (partículas por milhão). Ou seja, em cada milhão de moléculas de ar, 422 são de CO2. Isso significa que 0,042% de toda a atmosfera é formada por CO2, segundo confirmou ao Comprova o glaciologista Jefferson Cardia Simões.
De acordo com o professor, o que interessa não é a proporção, mas sim o efeito. Em uma comparação, ele cita o ozônio, cuja concentração na atmosfera é de apenas 0,000007%. No entanto, tem a função vital de filtrar a radiação ultravioleta que vem do sol. “Parte do ultravioleta causa câncer de pele, entre outros danos no meio ambiente”, explica o professor. “Só porque na atmosfera tem uma proporção muito pequena de um certo gás, não é que ele não tenha importância.”
O meteorologista Angel Chovert faz a mesma observação. Segundo ele, a forma como um determinado componente reage em um sistema não depende apenas de sua quantidade, mas de suas características. “Quanto de álcool é preciso no sangue de uma pessoa em porcentagem de volume para que essa pessoa já comece a sentir os efeitos? Então, é aí que está a questão. Não é a quantidade. É a sua capacidade, a sua propriedade química e física que vai determinar como ele vai influenciar no sistema. Assim é com o CO2 na atmosfera”, explica Chovert.
Segundo informado pela NOAA por e-mail, na década de 1850, investigadores demonstraram que o dióxido de carbono e outros gases que estão naturalmente presentes na atmosfera evitam que parte do calor irradiado da superfície da Terra escape para o espaço. Esses gases, como o metano (CH4 ), o óxido nitroso (N2O) e o próprio vapor d’água, além do CO2, são os que propiciam o chamado efeito estufa. “Este efeito estufa natural aquece a superfície do planeta criando um habitat adequado para a vida”, explica a NOAA.
“A radiação solar aquece o planeta, que emite radiação de volta para o espaço. Os gases do efeito estufa dificultam essa liberação, aquecendo a atmosfera”, detalha Jefferson Simões. “Se não fosse o efeito de estufa, que é natural, a temperatura do planeta, em vez de ser ao redor de 15 graus Celsius, estaria ao redor de menos 15. Ou seja, seria 30 graus Celsius mais frio”.
Desde o fim do século 19, a atividade humana tem liberado uma quantidade crescente de gases de efeito estufa na atmosfera por meio da queima de combustíveis fósseis e, em menor grau, desmatamento e mudança de uso da terra. Como resultado, informou a NOAA, a concentração atmosférica de dióxido de carbono, o maior contribuinte para o aquecimento causado pelo homem, aumentou cerca de 40% ao longo da era industrial.
“Essa mudança intensificou o efeito estufa natural, impulsionando um aumento nas temperaturas globais da superfície e outras mudanças generalizadas no clima da Terra que são sem precedentes na história da civilização moderna”, informou a agência.
O fenômeno, segundo Simões e Chovert, é o que os cientistas chamam de intensificação do efeito estufa. “A partir da Revolução Industrial essas concentrações dos gases do efeito estufa têm aumentado significativamente e, portanto, o processo natural de efeito estufa tem se intensificado”, explicou Chovert.
Segundo Simões, a intensificação do efeito estufa provoca o cenário de mudanças climáticas globais atualmente em curso. “Cada vez mais nós estamos vendo eventos extremos do clima, como cheias, secas, enchentes e, principalmente, precipitações concentradas em períodos mais curtos”, explica o professor.
Especialistas apontam que são fortes os indícios de que as enchentes verificadas no Rio Grande do Sul no início de maio, considerada a maior tragédia climática da história do estado, estão relacionadas às mudanças climáticas. De acordo com Simões, o intenso volume de chuva sobre a região está relacionado à dificuldade de penetração das massas de ar que vem da Antártica sobre o território brasileiro.
“Esse ar frio, que começa a avançar geralmente nessa época do ano, até o sul do Acre, o sul da Amazônia, não está conseguindo avançar devido a um extremo aquecimento no interior do Brasil. Com isso toda a precipitação de chuva cai em um único lugar”, explica o professor. “Se essa massa de ar tivesse avançado, as chuvas seriam melhor distribuídas pela região Sul e a região Leste, ou mesmo no Centro-Oeste. E ela não avançou porque tinha um bolsão de calor no centro do Brasil. Ao mesmo tempo que no Sul havia essas chuvas enormes, as temperaturas estavam batendo 40 graus em pleno maio no meio do país”.
Cristian Terheş, que faz a declaração enganosa no Parlamento Europeu, é um político romeno, ligado ao Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus. A descrição de sua conta no X informa que ele também é presidente do Partido Conservador da Romênia. O responsável por compartilhar o recorte do discurso de Terheş se identifica no Twitter como “André GAP”. A reportagem entrou em contato com o usuário, mas não houve retorno até a publicação.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Um texto na seção Comprova Explica publicado neste ano mostrou que há consenso científico de que a ação humana causa mudanças climáticas. Também foram realizadas verificações recentes na área de mudanças climáticas com foco na tragédia provocada por enchentes no Rio Grande do Sul, como o caso de homem que minimizou volume de chuvas e alegou falsamente que abertura de comportas causou alagamentos.
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