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É enganoso post que compara falas de Biden e Bolsonaro sobre dispensa do uso de máscara

É enganoso post que compara falas de Biden e Bolsonaro sobre dispensa do uso de máscara

É enganoso o vídeo que combina declarações de Joe Biden e Jair Bolsonaro sobre a liberação do uso de máscaras. O americano anunciou a dispensa da proteção facial em casos específicos e com o país vendo cair drasticamente o número de casos e internações por covid, diferentemente do que ocorre no Brasil

Publicado em 18 de junho de 2021 às 14:33

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Passando a Limpo: É enganoso post que compara falas de Biden e Bolsonaro sobre dispensa do uso de máscara
É enganoso post que compara falas dos presidentes sobre o uso de máscara contra a covid-19. (Reprodução/Comprova)

Conteúdo verificado: vídeo no Instagram compara anúncio do presidente americano Joe Biden e uma fala de Bolsonaro sobre uso de máscaras. O trecho de Biden é acompanhado por legenda em português com um corte de parte da declaração.

É enganoso um vídeo que viralizou nesta semana no Instagram comparando declarações dos presidentes Joe Biden e Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a dispensa do uso de máscaras. No trecho publicado, o americano fala que a proteção não é mais necessária para quem estiver totalmente vacinado e em locais abertos, longe de aglomerações. Já a gravação de Bolsonaro mostra-o dizendo que o ministro da Saúde vai concluir um parecer desobrigando o uso da proteção por pessoas já vacinadas.

Inicialmente, o post, que acusa a mídia de tratar os dois mandatários de forma diferente, engana ao não traduzir com fidelidade a fala de Biden, legendando apenas: “Se você já foi vacinado, não precisa usar máscara”. Ou seja, ignorando condições específicas citadas acima, como manter o distanciamento social.

A postagem também desinforma ao desconsiderar os contextos da pandemia de cada país. A declaração de Biden foi feita em 27 de abril, quando os Estados Unidos tinham aplicado 215 milhões de doses em sua população, de 328 milhões de pessoas, desde o início da campanha de imunização. Segundo o monitor Our World in Data, da Universidade de Oxford, 96,7 milhões de americanos estavam totalmente vacinados — cerca de 30% da população. A fala de Bolsonaro foi em 10 de junho, dia em que o Brasil tinha 23,4 milhões de seus 211 milhões de cidadãos totalmente imunizados, ou 11% de seus habitantes, também de acordo com o painel.

Outro dado importante para entender as declarações é o número de casos e óbitos por covid em cada país. Em 27 de abril, dia da fala de Biden, os Estados Unidos registraram 40,4 mil casos de coronavírus e 485 mortes nas últimas 24 horas, segundo relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas. Já em 10 de junho, quando Bolsonaro falou em desobrigar o uso de máscara, o Brasil registrou 2.344 novas mortes e 89.802 novos casos da doença.

Para especialistas ouvidos pelo Comprova, o Brasil só poderá seguir o exemplo dos Estados Unidos quando mais gente estiver totalmente vacinada e os números de casos e óbitos tiverem caído.

COMO VERIFICAMOS?

Inicialmente, transcrevemos o trecho da fala de Biden no vídeo e fizemos uma busca no Google, que resultou em reportagens sobre o fim da obrigatoriedade de máscaras em casos específicos em veículos nacionais e internacionais, informando o contexto e a data em que o discurso foi feito. Ao buscar a fala com o nome “White House”, encontramos a transcrição do discurso completo no site da Casa Branca.

Também transcrevemos e pesquisamos no Google a declaração de Bolsonaro; a busca resultou em matérias de sites nacionais repercutindo a fala.

Pesquisamos os números de vacinados no site Our World in Data e contatamos, por e-mail, órgãos oficiais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde, para levantar dados sobre o uso de máscaras. Este último não respondeu, mas a reportagem pesquisou documentos no site da instituição.

Para comentar os cenários dos dois países, entrevistamos Raquel Stucchi, infectologista da Universidade de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, e o pesquisador Daniel Mansur, professor de imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Enviamos mensagens privadas para o perfil @acordabrasil38, onde o vídeo viralizou, mas não recebemos resposta até a publicação deste texto. Também tentamos contatar a página @cristianocjs_br2, citada como provável fonte do conteúdo pelo @acordabrasil38. Um dia depois do contato da reportagem, o perfil estava fora do ar.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de junho de 2021.

VERIFICAÇÃO

Vídeos sem contexto

No trecho de nove segundos do vídeo de Biden, publicado no post verificado aqui, ele diz: “Se você foi totalmente vacinado e está ao ar livre, você precisa… e se você não está em uma grande aglomeração, você não precisa usar máscara”.

A declaração foi dada em 27 de abril, durante uma coletiva de imprensa nos jardins da Casa Branca, em Washington. Ele abre o evento com um discurso sobre a luta que o país trava contra a covid-19 para conseguir chegar bem ao 4 de julho, feriado nacional do Dia da Independência.

Diferentemente do que a postagem faz crer ao comparar as afirmações de Biden com as de Bolsonaro – “a mesma informação, presidentes diferentes” –, são contextos completamente distintos.

Em seu discurso, o americano fala sobre as pessoas mais velhas, explicando que, quando assumiu o cargo, em janeiro, o país perdia dezenas de milhares de idosos todas as semanas. “Naquela época, menos de 1% dos idosos estavam totalmente vacinados. Hoje, em menos de cem dias, mais de 67%, dois terços de nossos idosos, estão, e mais de 80% já receberam pelo menos uma injeção”, diz ele, acrescentando que esse esforço “resultou em uma queda de 80% nas mortes entre os idosos americanos e uma queda de 70% nas hospitalizações”.

Outro dado que ele dá antes de anunciar que pessoas imunizadas e longe de aglomerações podem ficar sem máscara ao ar livre é que desde sua posse, em 20 de janeiro, o país, de 328 milhões de habitantes, havia aplicado 215 milhões de doses.

Segundo o monitor Our World in Data, 96,7 milhões estavam totalmente vacinados, ou quase 30% dos americanos.

Relatório de 27 de abril da OPAS mostra que os Estados Unidos registraram 40,4 mil casos de coronavírus e 485 mortes nas últimas 24 horas.

Passando a Limpo: É enganoso post que compara falas de Biden e Bolsonaro sobre dispensa do uso de máscara
(Reprodução/Comprova)

Já o trecho seguinte do vídeo verificado mostra o presidente brasileiro dizendo: “Ministro da Saúde, ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados”. A declaração foi feita no dia 10 de junho, em um evento no Planalto sobre medidas para o setor de turismo, e não terminava aí. Além de falar em desobrigar o uso da proteção para vacinados, Bolsonaro também disse que o parecer valeria para aqueles que “já foram contaminados para tirar este símbolo que, obviamente, tem a sua utilidade para quem está infectado”.

No dia da declaração, 23,4 milhões dos 211 milhões de cidadãos estavam totalmente vacinados, ou 11% da população, também de acordo com o Our World in Data. Ainda em 10 de junho, o país registrou 2.344 novas mortes por Covid-19 e 89.802 novos casos da doença em 24 horas, chegando a um total de 482.135 mortes e 17.215.159 casos desde o início da pandemia.

Passando a Limpo: É enganoso post que compara falas de Biden e Bolsonaro sobre dispensa do uso de máscara
(Reprodução/Comprova)

O que dizem os especialistas

Para a infectologista Raquel Stucchi, diferentemente do que Bolsonaro afirma no vídeo do post verificado aqui, o Brasil não está no momento de liberar o uso de máscaras. “Nós temos quase 12% da população vacinada apenas e um número ainda muito expressivo de casos. A taxa de ocupação de leitos de hospital na maior parte dos estados ultrapassa 80%, muitos acima de 90%, e temos uma mortalidade ainda muito alta, então, nada disso faz com que nós possamos desobrigar o uso de máscaras”, diz ela.

Em contrapartida, ela destaca que os Estados Unidos cumpriram quesitos importantes: vacinaram com duas doses parte significativa da população com imunizantes de alta eficácia e viram uma queda drástica no número de hospitalizações e óbitos. “Portanto, eles podem, sim, tentar abolir o uso de máscaras em locais abertos e sem aglomerações.”

Opinião semelhante tem o pesquisador Daniel Mansur. “Para aliviar as medidas, só quando o número de casos estiver bem baixo”, afirma. “As situações dos Estados Unidos e do Brasil não são comparáveis. Aqui, o pessoal não foi vacinado ainda (em larga escala).”

Ele cita como exemplo Florianópolis, onde vive. Em levantamento publicado pela Folha em 9 de junho, a taxa de ocupação de leitos de UTI na cidade havia subido de 67% para 89% em uma semana. Em Santa Catarina, foi de 91% para 95%.

Uso de máscara

“As pessoas que já foram vacinadas com as duas doses não podem abrir mão da máscara no Brasil pelos motivos já falados: número de casos muito grande, alta taxa de ocupação hospitalar e alta mortalidade”, diz Raquel Stucchi. Ela ressalta que, mesmo vacinadas, elas podem se infectar e transmitir o vírus, já que nenhum imunizante garante 100% de proteção.

Stucchi lembra ainda que, ao contrário do que Bolsonaro afirma (que, além dos vacinados, o governo dispensaria o uso de máscara por pessoas que já se contaminaram), “a reinfecção existe”.

Como reforça Daniel Mansur, já foi comprovado que mesmo uma pessoa sem sintomas pode transmitir o coronavírus, por isso, o uso da máscara continua sendo essencial no Brasil. “A máscara é importante porque protege quem usa e também evita que os outros peguem”, diz ele. “Acho que a parte mais difícil é colocar na cabeça das pessoas que não é só por elas, é pelo próximo também.”

Em verificação publicada pelo Comprova em 11 de junho, a OPAS afirmou que “as evidências científicas mostraram que máscaras são uma medida fundamental para suprimir a transmissão da covid-19 e salvar vidas. Devem ser usadas como parte de uma abordagem abrangente de ‘Faça tudo’, incluindo manter distanciamento físico de um metro ou mais de outras pessoas, evitar locais com aglomeração e contato próximo, garantir boa ventilação, limpar frequentemente as mãos e cobrir o espirro e a tosse com o cotovelo dobrado”.

Procurada pelo Comprova, a Anvisa enviou informações a respeito da resolução nº 456/2021, sobre medidas de proteção contra o vírus apenas “em aeroportos e aeronaves”. A instituição afirmou que as definições sobre uso de máscaras pela população partem do Ministério da Saúde, que não respondeu ao contato da reportagem.

Em seu site, a pasta recomenda a utilização “para toda a população em ambientes coletivos, em especial no transporte público e em eventos e reuniões, como forma de proteção individual, reduzindo o risco potencial de exposição do vírus especialmente de indivíduos assintomáticos”.

POR QUE INVESTIGAMOS?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal. Quando esse conteúdo envolve medidas contra o coronavírus, sua checagem se torna ainda mais necessária, porque informações incorretas podem levar as pessoas a colocarem a saúde em risco.

Além de tentar desmoralizar a imprensa, o post verificado aqui, que teve 8.327 visualizações no Instagram até 17 de junho, distorce informações para fazer crer que o Brasil pode seguir o exemplo dos Estados Unidos e desobrigar o uso de máscaras em determinadas ocasiões, o que ainda não é recomendado por autoridades sanitárias.

Neste mês, o Comprova publicou outros conteúdos semelhantes, como um que enganava ao afirmar que estudo provava a ineficácia das máscaras contra a covid e outro que tirava de contexto e-mails de Anthony Fauci sobre a proteção facial.

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Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

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