Conteúdo verificado: Texto publicado pela página Pública Brasil repercute uma fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em que ele afirma que é a prova de que a cloroquina funciona contra a covid-19 e afirma que o medicamento teria evitado 100 mil mortes no Brasil.
É falso que o uso da cloroquina poderia ter salvado as mais de 100 mil vidas perdidas no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus. A afirmação foi feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Não há, no entanto, comprovação científica da eficácia da droga no tratamento da doença.
O teste Recovery, feito pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, classificou como inútil a utilização da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Os resultados não mostraram uma diferença considerável na taxa de mortalidade após 28 dias e no tempo em que os pacientes ficaram internados. De cada quatro pacientes que tomaram a medicação, um morreu.
As informações foram verificadas pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações e conteúdos enganosos na internet. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de SBT, UOL, Gaúcha ZH, Jornal do Commercio, Estadão, Folha de S. Paulo, Band News FM e piauí.
A declaração de Bolsonaro foi feita durante um evento no Pará. Em sua fala, ele chegou a dizer que era a prova viva que deu certo. O presidente disse, no dia 7 de julho, que havia sido diagnosticado com covid-19. Em declarações posteriores, afirmou que havia se tratado com cloroquina e hidroxicloroquina.
Bolsonaro disse ter tido sintomas leves da doença. Pacientes com casos assim costumam levar entre uma e duas semanas para desenvolverem anticorpos e se curarem da doença, sem a necessidade de um remédio específico. A média da covid-19 no mundo é de que 80% das pessoas infectadas apresentam sintomas leves ou são assintomáticos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em torno de 14% têm quadros mais severos, que precisam de atendimento ambulatorial. Apenas 6% são casos críticos, de acordo com estudo feito com pacientes da China em fevereiro.
A cloroquina e a hidroxicloroquina são defendidas por Jair Bolsonaro desde o início da pandemia do novo coronavírus. A OMS, no entanto, interrompeu definitivamente seus estudos com a droga após atestar que elas não têm eficácia no tratamento da doença.
Com a viralização do texto publicado pela página Pública Brasil, procuramos via Google a declaração de Jair Bolsonaro para saber se era verdadeira e quando foi feita. Os primeiros resultados trouxeram as notícias da revista Exame e do portal UOL, que deram detalhes de que o discurso havia acontecido em um evento no Pará, no dia 13 de agosto.
Em outras verificações feitas pelo Comprova, encontramos as informações sobre a falta de eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.
Na sequência, procuramos com a ferramenta CrowdTangle posts que pudessem ter viralizado nas redes sociais.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de agosto de 2020.
Jair Bolsonaro
O presidente da República é abertamente defensor do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, mesmo sem comprovação científica. Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos e a pressão pela adoção das substâncias custou o cargo de dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Em maio, o Ministério da Saúde, já sob a gestão do interino Eduardo Pazuello, alterou o protocolo e ampliou a possibilidade do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves da covid-19 até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.
Na última semana, Bolsonaro participou de uma live ao lado de Pazuello, e voltou a defender o uso das drogas. Quem não quer tomar cloroquina, não tente proibir, impedir quem queira tomar, afinal de contas, ainda não temos uma vacina e não temos um remédio comprovado cientificamente, disse.
Apesar da propaganda do presidente, não há comprovação científica da eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento ou prevenção da covid-19. A ideia de que as drogas indicadas para o tratamento da malária e de doenças autoimunes, como lúpus pudessem ser prescritas para pacientes infectados pelo novo coronavírus surgiu por causa de uma pesquisa de 2005, que indicava efeitos positivos contra outros tipos de coronavírus em laboratório. Mas os testes em humanos nunca aconteceram.
Em março de 2020, já com a pandemia se espalhando pelo planeta, o médico francês Didier Raoult publicou um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. A pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.
Estudos realizados de acordo com o padrão ouro para pesquisa com medicamentos que exige testes com grupos de controle e o uso de placebos publicados no Journal of the American Medical Association (Jama) e no British Medical Journal (BMJ) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios. Uma pesquisa realizada em 55 hospitais brasileiros e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) chegou às mesmas conclusões.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o National Health Service, do Reino Unido, cancelaram estudos com cloroquina e hidroxicloroquina. E, em julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe em que afirma ser urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19 diante das novas evidências científicas.
O Ministério da Saúde já distribuiu 5 milhões de comprimidos de cloroquina e ainda tem mais 4 milhões em estoque. Enquanto sobra cloroquina, faltam insumos para pacientes internados nas UTIs, como sedativos, anestésicos, analgésicos e bloqueadores neuromusculares. Esses medicamentos são fundamentais para os pacientes em estado grave que precisam ser intubados.
Em 2020, o Comprova está na sua terceira fase. Nesta etapa, a equipe verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus. No caso da covid-19, mentiras e boatos que se espalham pelas redes sociais são ainda mais perigosos porque podem custar vidas.
O Brasil é o segundo país mais atingido pela pandemia no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, já foram confirmados 3.164.785 casos da doença e 104.201 pessoas morreram.
Mais que uma questão de saúde pública, a covid-19 virou tema de debates políticos no Brasil. Muitos governadores e prefeitos defendem medidas não farmacológicas recomendadas pela OMS, como o distanciamento social, o uso de máscaras e a higiene das mãos. Do outro lado, o presidente Jair Bolsonaro, que defende uma retomada imediata da economia e minimiza os efeitos da doença. Bolsonaro chegou a chamar a covid-19 de gripezinha.
O texto sobre a declaração no Pará foi publicado pela página Pública Brasil no dia 13 de agosto e teve 1,6 mil interações em menos de 24 horas. O site se descreve como independente e afirma que publica notícias e opiniões com coragem para críticas isentas doa a quem doer em seu perfil no Twitter. Mas boa parte do conteúdo repete o discurso de Bolsonaro e seus apoiadores. A Pública Brasil chegou a compartilhar o conteúdo no Twitter e no Facebook, com um alcance bem menor.
O texto da Pública Brasil credita parte das informações sobre o discurso de Bolsonaro ao Pleno News. O site também dá destaque à declaração sobre as 100 mil mortes que teriam sido evitadas com a cloroquina. No perfil do site no Facebook, o texto teve mais de 13,2 mil interações 1,4 mil comentários, 1,8 mil compartilhamentos e 10 mil reações.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta