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É falso que Lula tenha recebido votos em branco e nulos nas eleições de 2022

É falso que Lula tenha recebido votos em branco e nulos nas eleições de 2022

Alegação foi feita por um pastor e tecnólogo em automação industrial em audiência pública no Senado, em 2023, mas ele não apresentou provas

Publicado em 26 de agosto de 2024 às 13:28

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É falso que Lula tenha recebido votos em branco e nulos nas eleições de 2022
É falso que Lula tenha recebido votos em branco e nulos nas eleições de 2022. (Reprodução X/Arte A Gazeta)

Conteúdo investigado: Vídeos mostram Adriel Tavares de Andrade, pastor e tecnólogo em automação industrial, acusando fraude nas eleições de 2022. A legenda diz “tecnólogo desafia o sistema e revela com detalhes como as urnas foram fraudadas. Ele expõe com detalhes o caminho dos votos roubados de Bolsonaro”.

Onde foi publicado: X e YouTube.

Conclusão do Comprova: O fato de a eleição para presidente da República de 2022 ter registrado menor patamar de votos em branco e nulos no segundo turno, em comparação com pleitos anteriores, não é indício de fraude no processo. Também não há nenhuma outra prova de irregularidades técnicas nas urnas.

Naquele ano, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) se enfrentaram e o petista foi eleito. Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula venceu com 50,9% dos votos, enquanto Bolsonaro terminou com 49,1%.

Em 12 de dezembro de 2023, durante audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado (CTT), com o tema “Implicações da Tecnologia no Processo Eleitoral Brasileiro”, o tecnólogo em automação industrial e pastor Adriel Tavares de Andrade usou dados das eleições para alegar que houve fraude no pleito. O evento foi organizado pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF), autor do requerimento para a realização da audiência.

Na íntegra do vídeo, Andrade argumenta que votos em branco e nulos foram ilegalmente computados a Lula e, por isso, o petista teria vencido a eleição. Ele ainda comenta sobre a conclusão das Forças Armadas a respeito da fiscalização das urnas. No entanto, Andrade não apresenta provas para a suposta fraude durante o seu discurso. Apesar de o vídeo original ser de 2023, a gravação voltou a viralizar nas últimas semanas, em um contexto de proximidade com a eleição municipal de 2024.

Em março de 2023, o TSE fez publicação contestando as afirmações feitas por Andrade no Senado e afirmando que as urnas são seguras. Além disso, ainda em 2022, observadores internacionais, indicados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), apontaram segurança e eficiência do sistema eleitoral brasileiro.

O professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jéferson Campos Nobre afirmou que o sistema de votação brasileiro é seguro. A UFRGS é uma das instituições que já fez inspeção dos códigos-fonte das urnas. “O sistema eletrônico de votação, incluindo as urnas e o sistema de totalização, é seguro. E, especialmente, no caso do vídeo que está colocado, não há nada que seja relatado ali que gere qualquer preocupação em relação ao sistema eletrônico de votação”, disse Nobre.

A reportagem entrou em contato com Andrade, que preferiu não se manifestar. O Comprova também buscou posicionamento do autor do post no X, mas não houve resposta. Quanto à publicação no YouTube, não foi possível identificar uma forma de contato com o autor da postagem.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 22 de agosto, o vídeo no X contava com 295,7 mil visualizações, 15 mil curtidas e 6 mil republicações. No YouTube, havia 2,3 mil visualizações e 149 curtidas.

Em seguida, entrevistamos o professor associado ao Departamento de Engenharia de Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Simplício, e o professor da UFRGS Jéferson Campos Nobre. Por fim, entramos em contato com Andrade e os autores das publicações.

Os números da eleição

Um dos argumentos usados na peça de desinformação é a queda na quantidade de votos em branco e nulos em 2022, na comparação com eleições anteriores. Em 2022, foram registrados 3,9 milhões de votos nulos (3,16%) e 1,7 milhões de brancos (1,42%) no segundo turno da disputa para presidente da República. Em 2018, nulos foram 8,6 milhões (7,43%) e brancos, 2,4 milhões (2,14%). Já em 2014, 5,2 milhões de eleitores (4,95%) votaram nulo e 1,9 milhão em branco (1,82%). Os números são do TSE, referentes ao segundo turno dos pleitos, e podem ser consultados no portal de dados abertos do tribunal.

Os números apresentados por Andrade dizem respeito à somatória de brancos e nulos da eleição para presidente. Apesar de serem próximos aos do TSE, não é possível concluir que, por esse motivo, as eleições foram fraudadas.

No vídeo, o tecnólogo também usa como argumento o fato de que, em 2022, mais eleitores paulistas registraram votos nulos e brancos na eleição para governador do que para presidente. Naquele ano, os candidatos Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT) disputaram o segundo turno. O primeiro foi apoiado por Bolsonaro e o segundo, por Lula.

Na disputa estadual em São Paulo, no segundo turno, foram registrados 1,8 milhão de votos nulos (6,76%) e 1,1 milhão de brancos (4,03%). Os números demonstram que mais eleitores paulistas escolheram um candidato na eleição nacional, pois a quantidade de votos brancos e nulos caiu no recorte do pleito para presidência: foram 1,1 milhão de nulos (4,08%) e 526 mil brancos (1,92%).

No estado, Lula recebeu 11,5 milhões de votos e Bolsonaro, 14,2 milhões. Na disputa local, Tarcísio venceu com 13,4 milhões de votos. Haddad teve 10,9 milhões. No vídeo aqui verificado, Andrade questiona o fato de Haddad, a quem Lula apoiou, ter registrado menos votos no estado do que o então candidato petista à presidência, mas não apresenta provas da fraude.

Relatório das Forças Armadas

Outro argumento utilizado por Andrade é o relatório técnico de conclusão da fiscalização do sistema eletrônico de votação pelas Forças Armadas, de junho de 2022. Andrade afirma que um pedido feito pelas Forças Armadas para verificar os softwares das urnas eletrônicas foi negado. Mas não é bem assim. As Forças Armadas são uma das instituições autorizadas a inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas. Os militares têm acesso ao código-fonte desde 2021.

O pastor e tecnólogo também cita dados referentes à votação para presidência nos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Roraima. Andrade cita em específico Uiramutã, cidade de 13,7 mil habitantes localizada em Roraima. No município, Lula recebeu 3,5 mil votos no segundo turno, número que representa 68,2%. Em nível estadual, Bolsonaro ficou na frente, com 76%. “Porque o Estado de Roraima inteirinho é bolsonarista, mas no Uiramutã, 70% votou em Lula”, apontou Andrade. Para o tecnólogo, os números da eleição são resultado de Uiramutã ter recebido urnas eletrônicas antigas, modelo de 2015, mas isso não faz sentido.

O Estadão Verifica mostrou que a cidade mencionada pelo pastor tem quase metade de seu território considerado parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O TSE informou que é comum que em comunidades indígenas haja convergência de votos. Outras aldeias também registraram maioria de votos em Lula em 2022.

TSE e especialista contestam alegações

Em publicação de março deste ano, o TSE classificou as dúvidas lançadas por Andrade como mentirosas. No texto, o TSE apresenta a inconformidade mencionada acima sobre os dados citados por Andrade e os registrados na Justiça Eleitoral, principalmente em relação ao estado da Bahia. Além disso, explica também que votos brancos e nulos não são transferidos, e servem apenas para fins estatísticos.

“O suposto desvio de votos nulos e em branco é outra afirmação enganosa que já foi desmentida pelo TSE. A verdade é que a única utilidade desses votos é registrar a insatisfação do eleitorado com as alternativas de candidatos que foram ofertadas pelos partidos. Na prática, eles servem apenas para fins estatísticos”, alegou o tribunal. A instituição ainda destacou que “votos em branco não são somados aos votos de quem está ganhando e votos nulos não podem cancelar uma eleição”.

Para sustentar sua tese durante a audiência pública, Andrade disse que urnas eletrônicas de modelos mais antigos foram “programadas para alterar a vontade e a decisão política do eleitor, com lógicas de programação não lineares”. A alegação também é contestada pelo TSE, que afirmou que não há diferença entre as urnas mais modernas e mais antigas em termos de programação. Em 2022, foram usados seis modelos de urna eletrônica: UE 2020, UE 2015, UE 2013, UE 2011, UE 2010 e UE 2009. Vale ressaltar que todos esses modelos foram auditados, como mostrou o Estadão Verifica.

Professor do Instituto de Informática da UFRGS, Jéferson Campos Nobre explica que, independentemente do ano da urna, os equipamentos têm o mesmo software e passam pelo mesmo teste público de segurança. “A Justiça Eleitoral tem um conjunto de mecanismos que permitem assegurar a segurança do sistema. E permitem que entes que estão registrados, como, por exemplo, as Forças Armadas, participem do processo, fazendo inspeções no código-fonte (das urnas)”, explica o especialista.

Nobre destaca que, além das Forças Armadas, outras instituições, como a Polícia Federal, universidades e partidos políticos também já participaram do teste público de segurança e de inspeções do código-fonte, “que está disponível no TSE para ser verificado”. A UFRGS está entre as universidades que realizaram a análise da urna eletrônica.

Professor do Departamento de Engenharia de Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Simplício explica que não existe um sistema 100% seguro, mas as urnas eletrônicas têm sistema “robusto, em contínua evolução”. Simplício é coordenador do convênio entre USP e TSE para análise de segurança das urnas.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já publicou outras checagens que tratam sobre eleições, como o caso de vídeo falso que é usado para atribuir apoio do Comando Vermelho a Eduardo Paes (PSD) e de outro vídeo que mostra site falso para alegar que mortos teriam votado nas eleições de 2022.

Investigação e verificação

Investigado por: O Popular, Correio do Estado e NEXO
Texto verificado por: A Gazeta, Folha, O POVO, imirante.com, Tribuna do Norte, SBT e SBT News

O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada e mantida pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. A Gazeta faz parte dessa aliança. 

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