São falsas as informações divulgadas em um vídeo no YouTube segundo o qual as máscaras de proteção de pano e de uso profissional recomendadas por autoridades sanitárias prejudicam a imunidade dos usuários. As máscaras são classificadas pelos órgãos de saúde como importantes instrumentos para diminuir as taxas de transmissão do novo coronavírus.
As informações foram checadas pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 24 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações, dessa vez, com foco no coronavírus. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de Uol, Gaúcha ZH, Estadão, SBT e Poder 360.
O vídeo de oito minutos foi gravado e divulgado por Daniél Rocha em seu canal no YouTube no dia 6 de maio e teve mais de 33 mil visualizações. Nas imagens, Rocha faz diversas afirmações contra o uso de máscaras, como a de que o aparato diminui a imunidade, aumenta a inspiração de dióxido de carbono e potencializa a proliferação de bactérias. Nenhuma das alegações é verdadeira.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
O Comprova fez essa verificação pois o conteúdo do vídeo é potencialmente danoso à saúde pública, tendo em vista que diversas autoridades sanitárias têm recomendado o uso das máscaras para reduzir a possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus.
Em circulação desde o fim de 2019, o novo coronavírus já matou mais de 290 mil pessoas no mundo, segundo a Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.
O Comprova selecionou afirmações do vídeo sobre o uso das máscaras para o combate ao novo coronavírus e questionou três médicos infectologistas sobre o assunto. A reportagem ainda tentou falar com Daniél Rocha, mas não obteve retorno. Também consultamos a Organização Mundial de Saúde (OMS), citada no vídeo.
O Comprova questionou três infectologistas sobre as afirmações do vídeo e a eficácia do uso de máscaras contra o novo coronavírus: Jean Gorinchteyn e Guilherme Spaziani, do Instituto de Infectologia Hospital Emílio Ribas, de São Paulo; e Antonio Carlos Bandeira, integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Primeiro, a filmagem afirma que se você usa máscara, você vai respirar menos oxigênio ainda, você vai respirar mais dióxido de carbono. Segundo os três especialistas, isso é falso.
Gorinchteyn explica que as máscaras têm pequenos filtros, que impedem a passagem de gotículas e partículas maiores, mas permitem a troca do ar. Segundo o infectologista, o grau de proteção depende do material utilizado na produção do equipamento de proteção. Mas, tanto as máscaras cirúrgicas quanto as artesanais, feitas de pano, não impedem a respiração. Os poros não evitam a passagem do ar, são filtros, filtram partículas. Os gases têm tamanho muito menor e conseguem passar, ressaltou o médico.
Antonio Carlos Bandeira destaca que os tecidos habitualmente usados nas máscaras artesanais não impedem a respiração. Ele recomenda que a confecção seja com algodão: Tem que ter cuidado de não usar um tecido com gramatura tão alta que impeça o indivíduo de respirar. Se for de algodão, ou com a gramatura adequada, são mais fáceis de ventilar porque as aberturas são maiores. Só teria uma situação assim (de dificuldade de respirar) se for um tecido super fechado. Mas não é o que a gente vê que está sendo usado.
O vídeo também diz que pessoas que usam máscara terão mais bactérias na boca, mais bactérias na gengiva, mais bactérias atacando seus dentes, no trato respiratório e, consequentemente, nos pulmões.
Guilherme Spaziani explicou que o ser humano já tem bactérias próprias da mucosa e de outros lugares do corpo, mas que o uso da máscara de proteção não aumenta o número desses organismos. Não é porque tem o anteparo na frente do rosto que vamos ter mais bactérias. Essas bactérias precisam estar lá no nosso organismo e ficam na mesma quantidade, disse.
Gorinchteyn lembra que, apesar de as máscaras não aumentarem a quantidade de bactérias na boca, é preciso trocá-las em um intervalo regular: de 2 h para máscaras cirúrgicas e de 1h30 para equipamentos de pano. Elas ficam úmidas, pelo ato de falar, transpirar e acabam perdendo o papel de proteção, completou.
Por fim, os três especialistas destacam que o uso de máscara não diminui a imunidade. A imunidade é composta por proteínas que são anticorpos e não vai ser prejudicada por usar um objeto na frente do rosto, seja de pano ou hospitalar, comentou Spaziani.
Jean Gorinchteyn ressaltou que a máscara protege de infecções. A máscara vai evitar que você esteja exposto aos agentes infecciosos.
Os três médicos reforçam a importância do uso de máscaras para as pessoas que precisam sair de casa, mas ressaltam que são necessárias outras medidas para evitar o contágio pelo novo coronavírus. A máscara não é um passaporte para andar na rua, até porque tem outros tipos de contágio, como pelo toque. É preciso lavar sempre as mãos, completou o doutor Spaziani.
A Sociedade Brasileira de Infectologia criou programas de conscientização sobre a importância do uso de máscaras por quem precisa sair de casa. O Máscara para Todos é um deles.
A gente tem procurado estimular o uso de máscaras pela população para que as pessoas saiam de máscara e voltem de máscara, usando continuamente e respeitando o tempo de uso. A ideia é que isso, somado ao distanciamento social e outras medidas, ajude a reduzir as taxas de transmissão do coronavírus, finalizou Antonio Carlos Bandeira.
Daniél Rocha é o dono do canal do YouTube Daniél Rocha Alkaline Man, com 120 mil seguidores.
Não há indicação no canal ou em seu site oficial sobre a formação profissional de Rocha. No site, Daniél vende livros e seminários sobre emagrecimento com saúde. Ele se descreve como difusor da Alimentação Alcalina no Brasil. No texto de apresentação, o youtuber diz ser referência em Emagrecimento, sem intervenções cirúrgicas, pesquisador empírico, renomado como Mestre do Emagrecimento e Desintoxicação no Brasil.
No YouTube, Daniél Rocha publica conteúdos sobre alimentação e, mais recentemente, sobre o novo coronavírus. Um deles, publicado há três meses, com o título A farsa do coronavírus, tem 159 mil visualizações.
O Comprova entrou em contato com Daniél por e-mail, questionando quais eram as fontes das afirmações do vídeo, mas não obteve resposta.
No vídeo, Rocha afirma, ainda, que o megainvestidor George Soros, fundador da organização filantrópica Open Society Foundation, comanda a OMS (Organização Mundial da Saúde) e tem interesse na redução populacional.
Ao Comprova, a OMS informou que Soros não tem qualquer relação com a entidade, seja como empregado ou como embaixador. A reportagem não encontrou indícios de que o bilionário húngaro-estadunidense tenha relação com a instituição.
A OMS é parte do complexo de agências das Nações Unidas e foi criada pela Conferência Internacional de Saúde, realizada em 22 de julho de 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a chancela de 61 países. A entidade começou a funcionar em 7 de abril de 1948. O diretor-geral da OMS, atualmente, é o etíope Tedros Adhanom.
Soros anunciou que doará US$ 130 milhões para o combate à pandemia, principalmente em regiões mais afetadas nos Estados Unidos, como o Estado de Nova Iorque.
Segundo reportagem da BBC Brasil de 2018, Soros é criticado pela direita por financiar ONGs de defesa de direitos humanos. O bilionário é personagem frequente de boatos falsos online, como o que ele é avô da ativista Greta Thunberg, que investiu na destruição do presidente Jair Bolsonaro e que empregava o presidente do partido Novo, João Amoêdo.
As orientações da OMS para o uso de máscaras estão neste link.
Vários Estados e municípios tornaram obrigatório o uso de máscaras de proteção em ambientes públicos a partir de abril, seguindo recomendação do Ministério da Saúde. O aparato passou a ser considerado importante para prevenção, mesmo entre pessoas sem sintomas da covid-19. Em São Paulo, por exemplo, Estado com o maior número de casos do novo coronavírus, o item é obrigatório para quem sai na rua desde o dia 7 de maio.
A recomendação mudou após especialistas identificarem grande transmissão da doença entre pessoas assintomáticas. A máscara funciona, segundo especialistas, como uma barreira física. O uso da máscara de pano de algodão de duas camadas é recomendado a todo momento na rua. Ela não vai te proteger, ela vai proteger o outro, explicou o médico Guilherme Spaziani.
O vídeo publicado no canal do Youtube de Daniél Rocha teve 33 mil visualizações com mais de 800 comentários sobre o tema.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta